Retenção da cadeia produtiva da moda no Brasil abre possibilidades para uma atuação mais ética da indústria
Sarah Azoubel Lima
“Pensar no consumo consciente, na ética de trabalho e no cuidado com o ambiente é uma necessidade crescente para novas iniciativas de moda”, diz Gabrielle Meirelles, estilista e proprietária da marca Santa Costura de Todos os Panos, em Campinas (SP). “O cliente se importa com isso e quer interagir com marcas que compartilham essa preocupação”.
Gabrielle usa ateliês e costureiras locais para produzir suas peças. “Queremos valorizar o fato de o nosso produto ser desenhado e feito em Campinas, somos do interior e usamos a mão de obra da nossa cidade”, conta. Ela diz que também usa malhas brasileiras em suas roupas, e que se preocupa em utilizar um fornecedor com práticas sustentáveis em sua produção. “O consumo consciente é importante, já que roupas velhas são eventualmente jogadas fora e não há processo de reciclagem para o tecido descartado”, diz.
A preocupação com a ética e a sustentabilidade do setor têxtil é particularmente relevante no Brasil. O país possui a maior cadeia produtiva têxtil entre os países ocidentais. Segundo a Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), o setor conta com 29 mil empresas, sendo que a maioria são confecções de pequeno e médio porte. São quase 1,5 milhão de pessoas empregadas diretamente, das quais 75% são mulheres.
A atuação brasileira é forte em vários segmentos produtivos e comerciais da moda, desde os desfiles, o varejo, confecções, tecelagens e até a produção de fibras naturais, como o algodão.
A sustentabilidade começa no algodão
A fabricação de fibras naturais é uma das bases da produção de vestuários, e o Brasil é um dos maiores produtores de algodão do mundo. De acordo com Gilvan Ramos, analista de socioeconomia da Embrapa Algodão, a safra mais recente (2017/2018) deve alcançar um novo recorde na produção. Com isso, o país pode chegar a ser o terceiro maior exportador mundial em 2018. A maior parte das vendas é direcionada para China, Indonésia e Tailândia.
“A produção brasileira de algodão é mais do que suficiente para dar conta de todo o mercado nacional”, diz Ramos. A estimativa para essa safra é que se produza um pouco mais que 2 milhões de toneladas de algodão em pluma. Já o consumo da pluma pela indústria têxtil brasileira ficará em torno de 740 mil toneladas, menos de 40% da produção nacional.
A pluma da planta é utilizada como matéria-prima para produção de fibras. “A fibra de algodão obtida no Brasil é atualmente comercializada em mais de 40 países e pode ser considerada uma das melhores do mundo”, diz Gilvan. O analista ainda aponta um fato surpreendente: apesar da grande produção nacional, o Brasil ainda é um importador de fibra de algodão. “Isso acontece porque a maior parte da fibra produzida no país é de tamanho médio, e a indústria têxtil ainda carece de quantidades razoáveis de fibras mais longas”.
As fibras mais longas permitem fabricar tecidos mais leves, que segundo o analista, são uma tendência. “Então, o novo desafio do setor cotonicultor brasileiro é produzir suficiente quantidade de fibras longas ou extralongas, mais finas e resistentes, que gerem tecidos mais leves, que agradem os consumidores”, continua.
Desde a década de 1970, as fibras naturais vêm gradualmente sendo substituídas pelas fibras sintéticas em diversos produtos. Mas o analista ressalta que a cultura do algodão mantém sua relevância social e econômica em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil. Segundo ele, como o mercado global da moda tende a crescer, não se espera que ocorra uma redução na produção algodoeira.
Gilvan também diz que os produtores de algodão brasileiros têm implementado medidas condizentes com as tendências globais de sustentabilidade. “Eles entenderam que há uma demanda crescente por produtos e serviços gerados sem agressão ao meio ambiente e com respeito à dignidade do trabalhador”, diz. Em 2010, a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) implementou o selo da Better Cotton Initiative (BCI) no Brasil. A BCI é uma organização internacional que visa à melhoria das boas práticas de produção, relações justas de trabalho e a transparência e rastreabilidade do algodão no mercado. Seguindo a mesma linha, a Abrapa criou o programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR) em 2012.
O presidente da Abrapa, Arlindo Moura, apresentou as iniciativas socioambientais dos produtores de algodão brasileiros na Conferência Mundial de Moda em 2017, no Rio de Janeiro. Foi a primeira vez que o encontro internacional foi realizado no Brasil. Durante sua palestra, Moura afirmou que cerca de 81% dos produtores brasileiros têm certificação ABR, de âmbito nacional, e 71% têm também o selo internacional BCI. Ainda segundo ele, o selo brasileiro é mais rigoroso que o internacional quanto à exigência de critérios trabalhistas e ambientais.
Com a grande adesão dos produtores aos selos socioambientais, o Brasil atualmente fornece 30% de todo o algodão BCI do mundo. Marcas como Adidas, Nike, Levi Strauss & Co, e C&A são alguns dos parceiros mais influentes da BCI.
Sarah Azoubel Lima é doutora em biologia pela Universidade da Califórnia em San Diego e mestre pela Unicamp. É aluna do curso de jornalismo científico do Labjor/Unicamp.