Por Paulo Markun, 15 de maio de 2020
Paulo Markun: Olá, tudo bem? Estamos aqui com mais um Conversas na Crise 0 Depois do Futuro, uma iniciativa do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Campinas, a Unicamp, e da TV Cultura, hoje conversando com o educador Mozart Ramos. Você pode fazer a sua pergunta, a sua questão pelo Facebook, pelo Youtube da TV Cultura que a gente encaminha para o professor Mozart Ramos. Antes de falar com ele, eu passo a palavra para o presidente do Conselho Científico e Cultural do IDEA, Instituto de Estudos Avançados, o professor Carlos Vogt. Carlos.
Carlos Vogt: Muito bem. Boa tarde, Mozart. Satisfação em tê-lo aqui novamente nesse encontro que tem como pano de fundo o tema da crise e agora na forma dessas Conversas na Crise – Depois do Futuro.
O educador Mozart Neves Ramos foi diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna durante seis anos, membro do Conselho Nacional de Educação e atualmente é coordenador da cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto. Mozart é graduado em engenharia química pela Universidade Federal de Pernambuco, onde foi professor entre 1997 e 2013; pró reitor acadêmico de 92 a 95 e reitor da mesma instituição em duas gestões, 96 a 99 e 2000 a 2003. Nos anos de 2002 e 2003 presidiu a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, a Andifes, e foi Secretário da Educação de Pernambuco de 2003 a 2006; Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação em 20016 e Presidente Executivo de Todos Pela Educação de 2007 a 2010. É autor de diversas obras e artigos sobre o cenário educacional brasileiro; em uma delas, a mais recente, “Sem Educação Não Haverá Futuro”, publicada pela Fundação Santillana e pela Editora Moderna em 2019.
Bem-vindo, Mozart. E vamos lá.
Paulo Markun: Muito bem. Professor Mozart, eu queria começar com o seguinte, como efeito colateral do Covid, 70% das crianças do mundo não estão nesse momento sentadas mais em salas de aula físicas. E até mesmo onde as escolas estão voltando ao normal – isso começa, por exemplo, aqui em Portugal, onde estou, na segunda-feira – esse ‘normal’ não é normal, né. Elas terão tamanhas restrições para o contato físico, para o tamanho das salas de aula e a quantidade de alunos na sala de aula. Enfim, regras e restrições que certamente vão modificar o sistema educacional. No Brasil, muito provavelmente – a gente não tem nem esse horizonte em vista- a situação vai ser mais complicada. Qual a sua avaliação para a educação, principalmente a educação fundamental pós pandemia?
Mozart Ramos: Boa tarde, Markun. Boa tarde, Vogt. Queria agradecer o convite por estar com vocês e tanta gente aqui debatendo o tema da educação nesse momento de pandemia e pós pandemia. Como você bem disse, foi 1,5 bilhão de alunos de todo o mundo, da noite para o dia, que ficaram sem ir a escola e sem ir ao campus universitário. Foi uma mudança brutal na vida dessas crianças e desses jovens, dos nossos professores e também das instituições que tiveram que se reinventar, estruturar currículos online, preparar professores para atividades não presenciais. Então, eu diria que esse momento de certa maneira está fazendo com que todos nós, de alguma maneira, sejamos capazes de pensar fora da caixa, de criar, de inovar, buscar mecanismos para que de alguma maneira a educação chegue, o ensino chegue até as nossas crianças e jovens.
E, se por um lado, para mim particular aqui no Brasil foi surpreendente ver a capacidade de reação dos secretários de educação, tanto das redes municipais como estaduais, como eles se abraçaram e se organizaram em times para elaborar primeiro, como eu disse, esse novo currículo. A cultura tem feito um trabalho fantástico, por exemplo, com a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, né, porque junto com a TV Cultura, centro de mídias, por exemplo, a Secretaria de Educação de São Paulo está oferecendo atividades não presenciais para seus alunos e professores. Então, eu diria que esse é o momento de rever alguns dos nosso conceitos. Acho que o Coronavírus, a Covid, de certa maneira foi um grande catalisador; catalisador para quem está esquecido, para quem não estudou química ou já se esqueceu é uma substância que acelera a velocidade das reações químicas, acelera as mudanças. Então, eu diria que a Covid de alguma maneira proporcionou uma aceleração em torno dessas mudanças na perspectiva de um novo ensino para o século XXI.
Diga-se de passagem, alguns sistemas de ensino já estavam tentando trabalhar o que nós estamos chamando de ensino híbrido, aplicando tecnologias diversas para mediar diferentes formas de ensino. Só que a Covid, de alguma maneira, acelerou. Foram mais de duas mil universidade, em todo o mundo, procurando construir seus currículos online. E hoje estamos diante de uma realidade que de alguma maneira está exigindo de nossa parte criatividade, abertura ao novo, capacidade de comunicação, mas ao mesmo tempo trouxe para a gente uma triste realidade que de certa maneira nós já sabíamos, mas que escancarou de vez a situação da desigualdade educacional no Brasil. Eu acho que essa foi a parte mais cruel e triste porque estamos vendo, duramente, a desigualdade de capacidade de reação, de oferta educacional e como as nossas redes de ensino são desiguais e os nosso próprios sistemas de ensino.
TV Cultura: Oi, Mozart. Estamos tentando a conexão com o Markun, mas eu acho que você podia falar um pouco mais dessa questão dos professores hoje trabalhando a educação à distância. Como isso pode influenciar no aprendizado dessas crianças para logo mais.
Mozart Ramos: Há uma questão muito importante em tudo isso que é como preparar os nosso professores. Nós temos os professores…eu vou citar, eu gosto muito de me citar, eu acho que é o momento da gente ter tranquilidade, honestidade, falar dos nosso limites, da nossa vontade imensa de, de alguma forma, contribuir e mudar as nossas atitudes, ter abertura ao novo. Por exemplo, eu era uma pessoa extremamente ativa a fazer uma simples conferência utilizando essas formas mesmo de comunicação mais tradicionais, eu gostava mesmo era do presencial e relutava fortemente a qualquer outra coisa que não fosse presencial. Estou falando de uma maneira muito honesta. E a partir de 12 de março eu me vi na necessidade, ou eu aprendia a usar essas tecnologias ou ficaria fora do mundo. E isso é muito bom, eu acho que isso está mostrando também a todos nós… eu sou de uma geração em que isso naturalmente nunca passou na nossa cabeça, e assim de tantos outros professores, tanto de universidades quanto das escolas brasileira, mas que quem está agora disposto a abertura ao novo como eu de alguma maneira procurei fazer comigo mesmo. Eu tô vendo quantas oportunidades eu deixei de aproveitar e até de fazer melhor se eu tivesse essa disponibilidade dessas tecnologias a meus dispor, e até que eu tinha, entretanto, eu resistia a utilizá-las.
Então, a pergunta hoje, e eu dei muitas palestras sobre isso para os professores, é qual é a sala de aula do século XXI? E nós acabamos de descobrir que não há uma única sala de aula do século XXI; nós vamos ter várias salas de aula, vários ambientes de aprendizagens e estarão à nossa disposição de acordo com a nossa capacidade de promover o desenvolvimento pleno de nossos alunos. Então, eu diria aos professores que abram o seu coração, abram a cabeça que vai ser muito positivo. Volto a dizer, eu tinha uma enorme dificuldade para fazer, para ver uma simples conferência porque eu sempre queria fazer presencial. E eu acho que estou redescobrindo, estou descobrindo coisas novas e que me serão muito úteis. Nesse sentido é muito importante permitir aos professores a sua preparação, oferecer a eles condições de tecnologia capazes de promover o desenvolvimento do ensino para os seus alunos. Mas, é preciso ter paciência. E uma das coisas bonitas que eu vi foi exatamente os alunos, tanto da educação básica quanto da superior, mas principalmente da educação básica com muita paciência com seus professores. E eles…
Paulo Markun: Mozart, desculpe interromper. Há uma questão que, digamos assim, precede a isso e que é extremamente grave no caso do Brasil que é a grande quantidade – algo como 30 dos alunos – que não têm acesso a internet e nem computador. E, na verdade, o joão Carlos Salles estava contando aqui, há dois dias atrás, nessa mesma plataforma, que eu acabei de assistir aterrorizado aqui ao fato de que a minha internet por alguns segundos caiu e eu fiquei acompanhando você falando pelo celular, mas o que acontece…
Mozart Ramos: Não, eu tô falando pelo notebook, tô no notebook.
Paulo Markun: Não, não, eu digo, eu pelo celular porque o meu computador caiu.
Mozart Ramos: Ah, tá.
Paulo Markun: Mas, o que acontece? Na Bahia, por exemplo, onde 70% dos alunos da Federal da Bahia tem até um salário e meio mínimo de renda familiar, nem sequer a pesquisa que a universidade colocou sobre as demandas digitais os alunos conseguiram responder. Isso não demanda uma ação do Estado no sentido de prover acesso digital, que era uma discussão antigo no Brasil e que não avançou?
Mozart Ramos: Então, Markun, eu entendo que essa situação que a Covid escancarou, essa desigualdade fantástica que infelizmente a gente tem no Brasil, de acesso as condições tecnológicas, de internet, banda larga, de dar condições aos nossos alunos de alguma maneira participar desse processo educacional, de que a partir de agora eu tenho certeza de que vai ser dentro do próprio arcabouço orçamentário das secretarias de educação, das universidades cada vez mais pensar que o computador, que a banda larga, tudo isso que na minha opinião é o caderno e o lápis do século XXI, isso vai ter que estar dentro das exigências e das premissas necessárias para qualquer tipo de desenvolvimento pleno das pessoas a partir de agora. Porque isso estava… A gente sabia disso, a gente só não sabia o tamanho disso. E a partir do momento que ficamos isolados do mundo e precisamos para nos conectar utilizar essas tecnologias no ensino mediado por elas, a partir de agora, no meu entendimento, isso vai ser uma exigência e uma cobrança dos alunos, professores e por que não dizer da sociedade dos orçamentos das universidades e das escolas públicas de nosso país.
Paulo Markun: Eu li aqui num artigo recente, creio que no New York Times… não, perdão, um artigo de um escritor de Berlim dizendo que essa volta poderia mudar [falha na transmissão] educação, que ainda é aquele do professor na frente, dos alunos todos enfileirados, em suas carteiras, na maioria das escolas. A impressão que eu tenho, posso estar enganado, é que essa visão de que uma grande revolução vai acontecer, seja ela no campo do meio ambiente, seja no campo do comportamento humano, seja no campo do capitalismo ou da educação, é um pouco de otimismo de quem está trancado em casa esperando a quarentena acabar. Por que, na verdade, uma máquina educacional como a máquina educacional pública brasileira – gigantesca, desigual, com recursos ainda precários e com uma legião de professores com grande parte deles com pouca intimidade com o mundo digital – não é complicado você, da noite para o dia, achar que a gente consegue jogar fora o quadro negro, a lousa, o giz, o papel, a caneta, o lápis e de repente todo mundo vai navegar digitalmente e com isso garantir o seu ensino, a sua educação?
Mozart Ramos: Olha, Markun, em primeiro lugar, a gente já sabia que esse modelo de educação com um professor na lousa, os alunos sentados, olhando a nuca do seu colega da frente, esse modelo já tinha seus dias contados. A gente só não tinha coragem para mudar; ou pelo menos o comodismo para não mudar. É muito mais fácil você pegar a sua aulinha tradicional e dar aquela sua aula tradicional mesmo que os alunos do século XXI já não queiram mais esse tipo de aula. Eu me lembro de uma pesquisa, na virada do século agora, da Escola do Futuro da USP, que perguntou aos alunos “como é que você gostaria que fosse suas aulas no futuro?”; 62%, nos anos 2000 – a gente não tinha Iphone, não tinha nada desses recursos que a gente tem hoje, WhasApp, nada disso -, 62% disse que queriam ter aulas usando a novas tecnologias de informação, os alunos disseram; 55% dos alunos disseram que gostaria de montar os seus próprios cursos. O que é que siginifica isso? Ter mais flexibilidade na sua formação e não essa coisa de uma formação única para todos os alunos, como se todos os alunos fossem iguais. Os alunos são diferentes.
A universidade e a escola parece que ainda reproduz a experiência de Ford, em 1916, quando ele começou a produzir o carro em série, né, o automóvel em série, na perspectiva de ampliar a chance de [inaudível] automóvel. E nós continuamos a fazer isso ainda, em pleno século XXI. então, no meu entendimento, como eu disse a Covid deu como catalisador para fazer essa mudança. Você vai dizer “então, não vai ter mais essa aula tradicional?” Vai, mas não somente essa aula. A pesquisa-ação… se a gente quer desenvolver competências tão importantes para o século XXI como a colaboração, como o trabalho em equipe, resolução de problemas, uma série de coisas e competências que são fundamentais para o desenvolvimento pleno das pessoas do século XXI não vai ser nessa sala de aula que você citou, dos alunos enfileirados; essa é a sala de aula do século XIX, que a gente manteve por todo o século XX e estávamos mantendo para o século XXI.
Mas, eu acho que agora, essa crise de novo, de uma sala de aula que não dá mais para a gente oferecer para o aluno do século XXI… Se nós quisermos desenvolver essas habilidades e competências tão caras e tão importantes para o século XXI como a colaboração, o trabalho em equipe, a resolução do problema, a pesquisa-ação, comunicação e pensamento crítico não vai ser mais nessa sala de aula – seja na educação básica, seja no ensino superior.
Paulo Markun: Agora, vai haver um período de transição complicado, né. Entre outras coisas porque essa geração que está na sala de aula tradicional, no ensino fundamental, nesse momento sentiu ou vai sentir um tranco que é, num certo sentido, esse ano letivo aqui bastante comprometido, porque sequer a gente pode aqui dizer quando que as aulas vão retornar, por mais que tenha gente no Brasil que acha que é na base do grito que se faz a sociedade enfrentar o vírus, né.
Mozart Ramos: Olha, Markun, em primeiro lugar eu acho que a transição, na minha opinião é sempre uma oportunidade para mudar. Agora, eu entendo que se nós…por que que nós lutamos muito e estamos lutando? Porque o MEC ainda continua intransigente, para variar, em não querer mudar a data do ENEM. o que o ENEM vai avaliar numa situação como essa? Os objetos de aprendizagem planejados para o início desse ano letivo, por mais que todo esse esforço que eu acabei de citar, que as redes e sistemas estão fazendo, obviamente que boa parte daqueles objetos tradicionais eles não serão naturalmente desenvolvidos como de praxe, né. Por exemplo, esse não vai ser o ano de a gente se preocupar com a função das mitocôndrias, não vai ser o ano de a gente se preocupar com a reação de oxirredução no sistema nervoso. Tudo isso é muito importante, mas eu acho que esse vai ser um ano em que vai discutir, a partir dos nosso alunos, a possibilidade de desenvolver algumas competências que, inclusive, para a educação básica estão claramente postas na BNCC, que eu tenho certeza que foram e estão sendo intensamente desenvolvidas nesse período, como a abertura ao novo; a abertura digital, que é a competência número 5; a competência número 8, que tem a ver com autoconhecimento; a possibilidade de você criar, que e a competência número 3. Então, essas competências elas estão sendo muito exigidas e de alguma maneira chegadas a serem desenvolvidas. As cognitivas tradicionais, obviamente que essas não vamos esperar que seja exatamente aquilo que a gente esperava. Por isso que eu particularmente defendo que a gente deva pensar 2020 numa integração com 2021. Então, acho que a gente tem que pensar 2020 atrelado a 2021 do ponto de vista dos objetos de aprendizado que são essenciais para o desenvolvimento pleno dos nossos estudantes.
Paulo Markun: Mozart, eu não tenho mais filho em idade escolar, os filhos já estão tudo crescido e no mundo aí. Mas, eu tenho netas em idade escolar, né, tenho duas de 17 anos, uma de oito e outra de seis. E essas meninas, são meninas, no caso, estão em escolas particulares no Rio de Janeiro, em Santa Catarina e São Paulo. E essas escolas de modo geral têm adotado, como grande parte das escolas particulares, expedientes, no sentido de manter algum tipo de contato com os alunos, de envolver os pais, de oferecer, no caso das crianças menores, oportunidades inclusive de interação, de alguma maneira, apesar do distanciamento. Isso é restrito, pelo que eu saiba, a escola particular; na escola pública há essa iniciativa da TV Cultura e da Secretaria de Educação do Estado que retoma a ideia das aulas, das teleaulas, que é o modelo de educação à distância dos anos 70, do Projeto Minerva e depois das TV educativas. Mas, existe, você conhece iniciativas de contato de professores e alunos na rede pública?
Mozart Ramos: olha, esse é um ponto que de certa forma está escancarando essa desigualdade. Inclusive, na velocidade de implementação, como você mesmo disse,boa parte das escolas particulares se reorganizaram para oferecer um currículo online. Como você, eu também tenho uma neta, que mora fora do Brasil, e ela faz ainda educação infantil, tem lá quatro anos de idade e as aulas de educação física ela fez toda pela internet com seu professor, com os coleguinhas, como numa sala de aula do Zoom como estamos agora. E ela adorava. Claro, é muito melhor presencial, mas é uma oportunidade que tiveram de se encontrar, né, já que estavam todos separados. Então, eu diria que no caso da rede pública, com relação a esse tipo de acesso, São Paulo… olha, São Paulo está atingindo – ontem mesmo saiu uma pesquisa, um estudo -, está atingindo basicamente 1/3, na verdade, dos alunos; tem 2/3 ainda sem esse acesso. Então, eu acho que esse vai ser um esforço gigantesco; vai ter sim alunos que ficarão sem acesso às atividades não presenciais. Em compensação, eu defendo que no retorno às aulas seja feito não só um acolhimento importante desses alunos, mas também uma espécie de avaliação diagnóstica para ver como cada um está, né. E nós vamos encontrar, principalmente no caso da rede pública, desníveis bastante significativos do ponto de vista de aprendizagem. Por isso que eu defendo muito a gente trabalhar de maneira articulada 2020 com 2021. Eu acho que vamos precisar fazer uso do contraturno, vamos fazer uso dessas atividades não presenciais pós período de isolamento social. Eu acho que vamos precisar criar muito, [inaudível], mas principalmente entender que é um momento diferente e , que todos os alunos vão precisar de uma atenção, cada um deles, para que a gente saiba como eles estão, inclusive no aspecto emocional. A gente sabe também que o aspecto econômico, principalmente para as famílias sócio-econômicas menos favorecidas vão…
Paulo Markun: Mozart, nós estamos com problema de áudio de você, ele está sendo prejudicado aqui na transmissão. Não sei se é por causa do modem que você está usando e se não é o caso de você recorrer ao celular aí para a gente tentar ver se melhora, porque pode ser que não resolva, não sei se o seu celular é outro caminho, né…
Mozart Ramos: Eu vou fazer isso, então. Eu vou entrar pelo celular para ver se ajuda.
Paulo markun: Talvez a gente possa tentar uma forma híbrida que é você entar pelos dois e ver se a gente bloqueia o áudio do celular e fica com a imagem de você pelo zoom aí. Mas, se não der vamos direto pelo celular porque está dificultando a compreensão das pessoas. Vamos ver, fala aí.
Mozart Ramos: Deixa eu desligar.
Paulo markun: Está funcionando. Só está dando um eco porque algum áudio… Vamos lá.
Mozart Ramos: Bom, é porque agora eu desliguei o do computador. Eu não sei como está agora o som.
Paulo markun: O áudio está ótimo, você só precisa…só precisa aparecer a sua imagem. Vai te dar um certo trabalho, mas… eu peço desculpas.
Mozart Ramos: Não, nenhum trabalho, Markun. Então, eu queria retomar essa pergunta..
Paulo Markun: Só corrige a sua imagem para você ficar mais visível. Aí, beleza. Isso aí. Vamos lá.
Mozart Ramos: Eu queria retomar essa pergunta, porque eu acho que ela é relevante. Eu acho que enquanto que os alunos das redes particulares de alguma maneira se reorganizaram rapidamente para ter essas atividades não presenciais, seja síncronas ou assíncronas, pelas redes particulares de ensino, pelos sistemas, pelas escolas particulares, no caso da rede pública de ensino o problema é ainda muito grave. Eu diria que a larga maioria dos alunos estão sem receber atividades não presenciais. Eu lia hoje, dois meses depois de iniciada essa crise da pandemia, os alunos da rede de Recife ainda não tinham iniciado as suas atividades não presenciais. Quando a gente vê São Paulo, São Paulo é um ponto fora da curva, mas mesmo São Paulo com apoio da TV Cultura, com apoio de aplicativos e teles oferecendo para os alunos que dispõem de celulares, em condições de realizar atividades síncronas e assíncronas, juntamente com o centro de mídias que rapidamente foi montado pelo Estado de São Paulo, isso não acontece na maioria do país. E mesmo em São Paulo, saiu ontem exatamente na Folha de S.Paulo, na primeira página, mostrando que boa parte dos alunos da rede estadual de São Paulo estava sem acesso às atividades não presenciais.
Por isso, no meu entendimento, vai ser fundamental que o retorno às atividades duas coisas terão que ser feitas: um acolhimento muito importante dos alunos e professores no aspecto social, emocional, psicológica; e também uma avaliação diagnóstica. Essa avaliação diagnóstica, no meu entendimento, não é para saber se desenvolveu todas as aprendizagens essenciais previstas no início do ano para esses meses que nós vamos ficar sem atividades presenciais. Não, eu acho que tem que definir quais são as habilidades possíveis, que poderão ser desenvolvidas nesse período pelas atividades não presenciais oferecidas, checar como cada aluno conseguiu ter acesso ou não para que a gente possa aproveitar no retorno e integrar o resto desse ano com 2021. E aí nós vamos ter que fazer uso de contraturno, fazer ter que fazer uso de atividades não presenciais, vamos ter que fazer um investimento forte para que de fato essas atividades não presenciais possam ser asseguradas efetivamente após o retorno dos alunos. Então, eu acho que vai ser um momento de grande aprendizado e, por isso mesmo, Markun, que achamos um absurdo o Ministério da Educação não querer adiar o ENEM. quem é que vai avaliar, meu deus do céu, o ENEM, com a matriz que originalmente foi construída para um cenário de regularidade, num cenário como esse que nós estamos vivendo? É uma falta de bom senso total do Ministério da Educação.
Paulo Markun: Agora, essa coordenação, esse acolhimento, esse diagnóstico ele se dá no âmbito das secretarias estaduais? Não no MEC…
Mozart Ramos: Não exatamente. A questão da avaliação, diagnóstico, caberá a cada rede de ensino se organizar; todas as redes de ensino. Isso pode ser feito, inclusive, Markun, também em colaboração a estados e municípios. Por exemplo, o Ceará faz muito bem esse trabalho colaborativo com os municípios. Eu vejo aí, em São Paulo eu acompanhei também, muito municípios se engajaram nessa proposta aí de São Paulo. Então, eu acho que quem vai… Será de obrigação, será de responsabilidade das redes de ensino elaborarem esses instrumentos para que possam, exatamente, dentro de seus projetos pedagógicos das escolas, de cada ano escolar, saber como cada aluno voltou após esse período de pandemia.
Paulo Markun: Entendi. Aqui em Portugal, como lhe falei, na próxima segunda-feira o décimo primeiro e décimo segundo ano do ensino aqui voltam, assim como voltam as creches. E está havendo um enorme debate e um esforço gigantesco para tentar equacionar os espaços físicos das escolas para cumprir as regras da OMS. Em certos casos, como é o caso das creches, os gestores têm dito o seguinte “olha, é absolutamente impossível você impedir que as crianças cumpram o distanciamento social”, quer dizer, criança de quatro, cinco anos, seis anos vai se abraçar, vai brincar junto, enfim, vai coexistir. Mas, no caso das escola de ensino básico – não sei qual é o termo exato – no décimo primeiro e décimo segundo ano eles estão usando, inclusive, os espaços dos ginásios, e isso também tem acontecido em alguns países aqui da Europa, para garantir o distanciamento de dois metros entre uma carteira e outra. Como é que se faz isso numa escola que tem 30, 40 alunos em uma sala de aula, no caso do Brasil? Fala-se, inclusive, em uma espécie de rodízio, tem criança que vai para a aula na segunda e outra que vai na terça. Pode ser isso?
Mozart Ramos: Olha, essa é uma pergunta que eu acho que a resposta nós ainda não vamos ter com clareza, até porque nós vamos precisar compreender como esse cenário irá se desenrolar. Nós estamos ainda lutando, aqui no Brasil, para ter as pessoas em casa; com muita dificuldade exatamente porque a gente não tem uma coordenação nacional nesse sentido de liderança para ajudar esse isolamento que é tão importante para preservar e manter vidas no nosso país. Mas, eu diria o seguinte, eu tenho lido um pouco sobre o que está acontecendo com os países que estão voltando, principalmente lá na China, na Coreia.
Primeiro, eles estão voltando de maneira muito gradual e começando pela primeira infância, até porque é mais difícil você manter atividades não presenciais para educação infantil. Aqui no Brasil mesmo, 60% das atividades têm que ser presenciais na educação infantil pelo Artigo 31 da LDB. Então, eu acredito que nós vamos ter que fazer isso de forma gradual. Agora, quando retornar as aulas e eu acho que as aulas deverão ser talvez as últimas nesse retorno, a gente vai precisar, naturalmente, de tomar algumas precauções. Por outro lado, eu tenho visto como os alunos na China e na Coreia estão voltando: todos com equipamentos; mas isso é cultura coreana, chinesa, que eles têm o espírito próprio deles de disciplina que já vem das crianças. Aqui vai ser absolutamente impossível você, depois de tantos meses sem se encontrar, imagina, as crianças ficarem uma longe das outras.
A minha neta tá voltando agora lá em Orlando. Lá em Orlando eles estão fazendo como… Foi muito fraca a pandemia lá, pelo menos até aqui, então eles estão voltando às atividades já na educação infantil, mas estão deixando de uma forma bastante similar do que vai acontecer aqui no Brasil, sem ter aquele distanciamento que a gente tem visto nos países asiáticos.
Paulo Markun: Pergunta: vai ser preciso mexer no currículo da educação básica para que os alunos compreendam os efeitos da pandemia também? Quer dizer, a gente vai ter que de alguma forma incorporar os ensinamentos que essa questão está nos apresentando aí como sociedade?
Mozart Ramos: Olha, o currículo ele tem que, de alguma maneira, refletir a sociedade, os desafios da sociedade. Que currículo prepare as pessoas, pelo menos o currículo para o século XXI, e não apenas prepare para o mundo do trabalho, mas prepare as pessoas para o seu desenvolvimento pleno. Consequentemente, mais do que nunca, esse currículo ele vai ter que de alguma maneira trabalhar com o conceito da educação integral, que desenvolve não somente os aspectos cognitivos, mas também os aspectos sociais e emocionais, que nós estamos agora colocando tanto em marcha, tanto na prática no período da Covid-19. Mas, eu creio que o tema ela vai ser naturalmente transversal, né. Quando, por exemplo, a gente estiver estudando matemática a gente vai poder fazer várias simulações, equações, gráficos com os problemas gerados pela Covid.
Quando a gente estiver estudando geografia, a gente vai poder, por exemplo, como foi a evolução da pandemia nos diferentes países do mundo, onde eles estavam, por onde começou. Então, a Covid, na minha opinião, veio trazer, de fato, a transição do século XX para o século XXI. então, os currículos daqui por diante eles, naturalmente, vão ter que incorporar não como uma disciplina, mas como um tema transversal importante que precisa ser debatido, principalmente enquanto uma estratégia reflexiva de como melhorar e preparar melhor as pessoas para esse novo cenário que é um cenário do desconhecido.
Paulo Markun: Agora, Mozart, como é que fica… na questão do ENEM ela tem um importante papel que é, de alguma forma, ser uma porta de entrada para a universidade, né. Se a gente não realiza o ENEM, como é que fica isso? Quer dizer, você acha que também o acesso a universidade terá que ser postergado?
Mozart Ramos: Olha, Markun, não é uma questão de não realizar, é o tempo de realizar. Por que também não adiante…você pode fazer o seguinte: para os alunos que já fizeram o ENEM em outros anos, naturalmente as instituições – e as particulares já vêm fazendo assim – selecionam as melhores notas dos alunos, a melhor nota do ENEM num determinado ano como acesso à universidade. O problema são esses alunos desse ano que irão fazer pela primeira vez o ENEM. Ora, se você olhar, a maioria das universidades públicas na graduação estão sem aula. Quem já trabalhou, como eu, em uma universidade pública – durante 36 anos… Eu vivi vários cenários de greve, nós não estamos falando de greve aqui. Mas a greve causa, de certa maneira, se você não oferecer – que é o que está acontecendo nos sistemas particulares de ensino- as atividades não presenciais. As, as públicas, de uma maneira geral, na graduação, não estão oferecendo atividades não presenciais. E o ENEM só se efetiva, e o próprio Sisu, após o calendário das federais.
Paulo Markun: Quer dizer, no fim das contas vai atrasar tudo, né.
Mozart Ramos: A gente vai ter que de alguma maneira acomodar, né, acomodar o calendário de alguma maneira que responda aos desafios do atual momento. Não adianta querer atropelar, nem tentar medir algo que nós não vamos conseguir medir. E o que vai acontecer é que nós vamos de alguma maneira…para os alunos que vão fazer o ENEM esse ano, se fizer em outubro vai ser um desastre do ponto de vista de resultados, do ponto de vista de oportunidades. E aí a gente está deixando de fora um esforço notável que esses alunos fizeram ao longo de suas vidas escolares e que não serão retratadas devidamente se o ENEM for efetivado em outubro. E mais, vamos dizer que seja efetivado em outubro, mas no calendário das federais só vão se concluir lá para fevereiro – se retornarem as aulas em julho, que é mais ou menos o que está sendo previsto.
Paulo Markun: Entendi. Quando a gente se encontrou pela última vez, naquele seminário sobre a crise, na Unicamp, no final do ano passado, a situação era bastante diferente, inclusive, vamos dizer assim, na questão do reconhecimento da ciência como instrumento de avanço da humanidade – para falar uma frase pomposa aí -no caso do Brasil. E isso se refletia não só nas autoridades de plantão do Governo Federal, Ministro da Educação, outros ministros e o próprio Presidente da República, mas também num certo desinteresse dos estudantes e dos professores pelo setor da ciência. De lá para cá, com essa questão da pandemia parece que ficou claro para a grande parte da humanidade – há exceções lamentáveis, né – que a ciência é o único caminho para a gente sair desse enrosco que esse vírus colocou a humanidade. Você acha que isso pode se refletir no encaminhamento dos alunos para voltar a ter a ciência como um objetivo? E eu só emendo o seguinte: quando eu era jovem -e você um pouco por aí, embora tenhamos aí uma diferença de idade, acho que sou mais velho – a ciência estava na moda, você tinha publicações científicas na banca de jornal; você tinha a ficção científica, até mesmo na literatura, como uma espécie de prenúncio de novos tempos. Aí passou, isso avançou, mudou e nos últimos anos já não estava mais na moda. Você acha que a ciência volta a ter os holofotes e o reconhecimento que merece e necessita?
Mozart Ramos: Eu acho que nós nunca falamos tanto a palavra ‘ciência’ como falamos nesses últimos meses, a sua importância e o seu valor para salvar vidas. Naturalmente, somente aqueles que tem algum patamar de ignorância, que é incapaz de perceber o valor da ciência para o desenvolvimento das pessoas…mas, mesmo aquelas pessoas que não tiveram oportunidade de estudar e ter acesso a escola – mas têm bom senso -, elas perceberam que o valor da ciência é fundamental para lavar suas vidas. Eu acho que a gente tem que tirar de cada situação, de cada gravidade de momento o que é que a gente pode aprender para evoluir. Eu creio que nesse momento a ciências ganhou um lugar de destaque fantástico na humanidade. E mesmo aquelas pessoas, como eu disse, mais simples, começaram a entender o valor da ciência.
Agora, vamos olhar e fazer um outro dever de casa, que pe uma crítica que eu faço… Eu fui um cientista praticamente por toda a minha vida, publiquei muitos artigos científicos, fui pesquisador do CNPQ por vários e vários anos, mas eu acho que nós ainda temos uma grande dificuldade de se comunicar com a sociedade. Eu acho que nós precisamos ter humildade para reconhecer isso; precisamos encontrar uma linguagem que o outro lado da rua seja capaz de nos entender. Vou dar um exemplo bem simples para tangibilizar o que eu quero dizer. Eu dei uma entrevista para a Globonew e o final de semana seguinte eu fui almoçar na casa de minha mãe e como toda mãe orgulhosa de ter visto o filho na televisão, me deu um abraço e disse “você falou muito bem, meu filho, pena que eu não entendi quase nada”. Aí eu disse “como, mãe? Você disse que eu falei bem, mas não entendeu quase nada”, “é, porque quando você começa a falar ‘anos iniciais do ensino fundamental, anos finais do ensino fundamental’ o que é isso?”. Ora, e minha mãe é uma pessoa letrada, é advogada, defensora pública, mas quando eu usava esses termos ela perdia toda a lógica do raciocínio que estava fazendo com que ela compreendesse o que eu queria dizer.
Eu apenas citei esse exemplo porque muitas vezes quando eu ouço um cientista falando, ele se esquece que a pessoa que está do outro lado não teve acesso, nem teve conhecimento, nem acadêmico que ele tem. Então, eu acho que a gente precisa saber e aprender a se comunicar com a sociedade, para que a sociedade, compreendendo o valor da ciência, possa defendê-la perante principalmente os governantes que não são capazes de entender o seu valor.
Paulo Markun: Agora, eu sei que o seu foco hoje é a educação fundamental, é esse o alvo da cátedra que você comanda na USP e que vocês estão fazendo um trabalho interessante lá -ou estavam iniciando pelo menos, porque começou em fevereiro e logo veio a pandemia, né- em Ribeirão Preto, no sentido de tentar, vamos dizer, aplicar o conhecimento a essa rede pública de educação. Mas, eu queria falar um pouquinho da universidade. A universidade, se eu não estou enganado, ou pelo menos para mim – foi a minha experiência pessoal -, ela teve muito mais relevância ao que toca o convívio universitário do que efetivamente ao aprendizado específico do jornalismo; eu digo no meu caso, porque eu comecei a faculdade de jornalismo aos 18 anos e no mesmo ano que comecei a faculdade comecei a trabalhar nas redações, inicialmente no Estado de S. Paulo, e o jornalismo daquela época se aprendia muito mais na redação do que na faculdade – e também era uma época de ditadura, de censura, um outro momento do Brasil. Mas, o convívio universitário, seja de jornalismo ou de química quântica, eu imagino que ele tenha um peso muito importante. Como é que se resolve isso quando a educação ou se a educação virar algo à distância, digital, intermediado como esse que nós estamos vivendo agora?
Mozart Ramos: Olha, Markun, eu não acredito que as coisas sejam ortogonais. Eu aprendi com um cientista chamado Ricardo Ferreira que a coisa mais importante é a gente dosar a nossa ignorância. Ele dizia sempre “o importante é dosar a ignorância, Mozart”. E eu acho que é um momento importante da universidade se repensar, sabe, Markun. Eu acho que a universidade ela tem um papel muito importante para o desenvolvimento da humanidade, para as diferentes áreas do conhecimento. Entretanto, não obstante, a gente muitas vezes dizer..fui reitor por oito anos, eu falava muito “olha, a universidade faz muito pela sociedade, mas faz uma pesquisa dentro da sociedade: será que é isso que a sociedade percebe da universidade? Não vai ser não. Sabe por quê? Porque a larga maioria da sociedade não consegue ter acesso a essa universidade. Então isso, naturalmente, cria um apartheid entre a sociedade e a universidade. Então, eu acredito que está na hora da universidade se ampliar do ponto de vista da oferta dos seus conhecimentos. E não vai ser necessariamente só pelos cursos tradicionais de graduação, criar plataformas livres. A gente vai ter agora um enorme desafio, enquanto Brasil, enquanto país, que é achatar a curva do desemprego. O que é que as universidades vão fazer para isso? A gente vê hoje plataformas como a Coursera, o EdX, que são de várias importantes universidades, a USP e a Unicamp fazem parte da Coursera, por exemplo, né, que está lá pela Califórnia envolvendo universidades no mundo inteiro.
Hoje, precisamos de conhecimento. O diploma é ainda importante, mas não vai ser só o diploma que vai ser essencial para o acesso ao mundo do trabalho. Mas o conhecimento. E muita gente hoje está em busca desse conhecimento. Então, ter plataformas de cursos livres, de acesso à empregabilidade. A universidade, ela tem que ser menos acadêmica sem perder o lado acadêmico. O que eu quero dizer é que ela tem uma chance enorme de ampliar o seu espectro de atuação, de não ficar muitas vezes restrita àquela questão de natureza somente acadêmica. Isso nós vamos precisar. É muito importante. Agora, vamos precisar fazer mais; por isso que eu entendo que é hora da universidade se reinventar, que ela não vai perder prestígio acadêmico se ela ampliar o acesso de mais e mais pessoas ao conhecimento, e que pode não ser necessariamente pelos cursos de graduação e pós graduação, mas pode ser por cursos de aperfeiçoamento, cursos livres. Por exemplo, Markun, eu tenho encontrado com muitas pessoas da pirâmide demográfica do Brasil está mudando rapidamente; mais pessoas estão se aposentando, a longevidade está se ampliando e muita gente me pergunta “Mozart, como é que eu poderia me requalificar para ter novamente acesso ao meu trabalho? O mundo mudou em relação àquele período que eu me formei e eu preciso me requalificar. Muitas vezes eu não tenho acesso à universidade, não tenho dinheiro para pagar; as públicas, em geral, limitam muito a carga horária do ponto de vista de diploma e tudo mais”. Então, é hora de a gente ampliar. Eu acho que as plataformas de cursos livres, com as diferentes áreas de conhecimento, com diferentes universidade participando, criando muito mais a mobilização do conhecimento para promover o acesso das pessoas ao mundo do trabalho e a sua vida social.
Paulo Markun: Agora, você passou muito tempo dedicado a organizações da sociedade civil que trabalham com a área da educação, tanto o Somos Educação quanto o Instituto Ayrton Senna. Que papel essas instituições têm ou terão no cenário pós pandemia, no campo da educação? O que elas podem e devem fazer?
Mozart Ramos: Olha, para começar, eu começaria citando o artigo 207 da Constituição que diz o seguinte: é dever do Estado e da família a oferta da educação em colaboração com a sociedade. Então, trazer a sociedade para ajudar no desenvolvimento das políticas públicas de educação é muito importante. O terceiro setor tem crescido muito em termos de participação nas diferentes áreas, não somente da educação, na questão ambiental, na questão cultural. Eu tenho, naturalmente, acompanhado mais no campo da educação, como você bem disse. O importante é que o terceiro setor entenda que ele é um facilitador para que essas políticas aconteçam. A mim me preocupa muito quando o terceiro setor quer tomar o papel que tem que ser do Estado; essa é uma preocupação que eu tenho. Entretanto, eu diria que hoje o Brasil está atingindo um nível de maturidade tão bacana do ponto de visto dos secretários estaduais de educação, secretários municipais de educação e o terceiro setor que é graças a esse alinhamento que mesmo na ausência de um MEC desarticulado, sem realizar coordenação da política nacional de educação, a educação está sendo efetivada no Brasil.
Graças a essa articulação setorial ou intersetorial da Consed, que reúne secretários estaduais de educação; a Undime, que reúne secretários municipais de educação; e o terceiro setor. A base nacional comum curricular, naturalmente foi fruto dessa articulação; passaram diferentes governos, com diferentes matrizes políticas. E graças a essa articulação com a sociedade civil é que a base nacional comum curricular foi mantida, aprovada, homologada e hoje é uma política que está sendo implementada em todo o país.
Paulo Markun: Última pergunta – o nosso tempo está acabando.é o seguinte, da noite para o dia os pais, muitos delegavam para a escola a responsabilidade total da educação dos seus filhos em função ou de trabalho ou de falta de recursos, ou de se sentir incompetente para cumprir essa tarefa, passaram a ter que cuidar das crianças, dos filhos, também nesse campo – ou acompanhando as atividades quando há oferta pelas escolas ou mais do que isso…como é que segura uma criança dentro de casa, sem poder sair para a rua e tentando de alguma forma educar essa criança, no termo mais geral. Isso é um avanço?
Mozart Ramos: Olha, eu vou até corrigir: é o artigo 205 da Constituição; eu falei 207 na questão anterior. Mas, é bom que eu quero retornar com ele. Esse artigo, como eu disse, é dever do Estado e da família. E nesses últimos anos, os pais cada vez mais, talvez pela necessidade de trabalho do pai e da mãe que tem que trabalhar para a questão da renda familiar, cada vez mais eles foram delegando a educação dos seus filhos às escolas, terceirizando a educação. E eu acho que a pandemia trouxe de volta a beleza também de cuidar um pouco mais da atenção, da educação dos seus filhos. Eu acho que esse foi um momento em que nós vamos precisar repensar alguns dos nossos valores e a questão da educação dos filhos. O que eu estou falando não é fazer dever de casa não, Paulo. Eu sou contra que pai fique fazendo dever, a tarefa de casa dos filhos; quem tem que fazer a tarefa são os filhos. Se eles estão com dificuldade, o papel dos pais é ir até a escola e explicitar a dificuldade que o seu filho está tendo, mas não estar fazendo o papel que deve ser do seu filho. E o que eu me refiro é o interesse dos pais na vida escolar dos seus filhos. “Como você está? Você está gostando das aulas? Quem são os seus amiguinhos? Como são os seus professores?”. Essa atenção vários estudos mostram que quando mesmo pais que não são letrados, mas que de alguma maneira procuram acompanhar e ter interesse na vida escolar dos filhos, isso traz uma segurança, uma motivação que se retrata e se reflete na proficiência escolar dos seus filhos, no desempenho escolar dos seus filhos. Então, participar da vida escolar não é fazer tarefa de casa, é acompanhar, é ter o olhar em como está o seu filho na escola, ir até a escola do seu filho, saber como a escola e o projeto pedagógico está se desenvolvendo, conhecer os professores do seu filho. Então, o que eu me refiro hoje é que é papel do Estado e da Família educar adequadamente e plenamente os seus filhos. Tem um provérbio africano que eu gosto muito, que para educar uma criança é preciso toda uma aldeia.
Paulo Markun: Tá certo. Tomara que a nossa aldeia sobreviva a essa pandemia minimamente preservada e que a gente se reencontre em outros cenários. Mozart, muito obrigado pela sua entrevista, agradeço muito. Lembro que isso vai ficar no Facebook e no Youtube; quem gostou ou sabe de alguém que não viu, recomende, por favor. E voltamos na próxima quarta-feira com mais um Conversas na Crise – Depois do Futuro. Muito obrigado, Mozart. Até a próxima.
Mozart Ramos: Muito obrigado, Markun.