Por Paula Penedo P. de Carvalho
Um século após experimento de Sobral, teoria de Einstein continua relevante para estudo de fenômenos astrofísicos
No dia 10 de abril de 2019 uma imagem desfocada, com uma silhueta escura envolta por um anel assimétrico de fogo, percorreu o mundo e mudou para sempre a história da astrofísica. Era a primeira “foto” de um buraco negro. No caso, um que se encontra a 55 milhões de anos-luz da Terra, no centro da galáxia Messier 87 e com uma massa 6,5 bilhões de vezes maior do que a do Sol. Divulgada pela Event Horizon Telescope Collaboration (EHT Collaboration), ela resultou de uma parceria internacional que envolveu mais de 200 cientistas, oito radiotelescópios espalhados pelo mundo e cinco petabytes de informação, o equivalente a cinco mil anos de reprodução mp3.
Mas, para além de seu ineditismo, a imagem revelada teve outro mérito: exatos cem anos após o eclipse de Sobral, ela representou mais uma comprovação das previsões de Albert Einstein. Em sua teoria da relatividade geral (TRG), o físico alemão defendeu que a gravitação é a manifestação da curvatura do espaço-tempo, ou seja, um objeto massivo deforma a geometria do espaço-tempo ao seu redor, o que, por sua vez, determina como os corpos em volta desse objeto se movem. Seria mais ou menos como colocar algo maciço no centro de um trampolim, que se curva sob aquele peso, fazendo com que os corpos em sua borda também “deslizem” em direção ao centro.
É uma mudança considerável em relação à teoria gravitacional de Newton, segundo a qual a gravidade é uma força que atrai os objetos uns em direção aos outros. “A relatividade geral, de forma pura e simples, é isso: matéria e energia dizem como a geometria é encurvada e a curvatura dessa geometria determina como os corpos se movimentam”, explica o astrofísico Jailson Alcaniz, pesquisador do programa de pós-graduação em astronomia do Observatório Nacional do Rio de Janeiro.
Mas o que os buracos negros têm a ver com essa história? Eles nada mais são do que uma deformação extremamente intensa no espaço-tempo, em que a massa e a densidade de um objeto são tão grandes que nada, nem mesmo a luz, é veloz o suficiente para escapar da gravidade. Como consequência, o buraco negro propriamente dito sequer pode ser visto. No caso da imagem histórica, a região central escura é a sombra desse buraco e o que está sendo efetivamente visualizado é a luminosidade vinda da acreção da matéria, ou seja, do acúmulo da matéria que é “atraída” pelo buraco e aquecida a milhões de graus, emitindo radiação antes de ser “canibalizada” por ele.
O astrofísico José Eduardo Telles, também do Observatório Nacional, explica que a fronteira entre o centro escuro e a região luminosa, chamada de horizonte de eventos, se aproxima muito do chamado raio de Schwarzschild, calculado com base nas equações de campo de Einstein. “É um raio que representa efetivamente o local de onde você só consegue escapar se você tem a velocidade da luz. Como não existe nada com velocidade maior do que essa, qualquer coisa dentro do raio não escapa”.
Foi Karl Schwarzschild, outro físico alemão, quem propôs pela primeira vez a solução dos buracos negros utilizando a teoria da relatividade geral. Em 1916 ele resolveu as equações de Einstein, descobrindo assim o conceito de singularidade no espaço-tempo, que ocorre quando um corpo muito massivo colapsa, atingindo um tamanho diminuto e densidade infinita e onde as leis da física e até mesmo o tempo deixam de existir. O termo buraco negro, no entanto, só foi conceituado em 1968, pelo físico norte-americano John Archibald Wheeler.
Curiosamente, Einstein nunca acreditou na solução dos buracos negros. De acordo com Bertha Cuadros Melgar, astrofísica na Escola de Engenharia de Lorena da USP, existem muitas coisas que a teoria dele previa, mas das quais ele não se convenceu até sua morte. “Ele também achava que não existia uma constante cosmológica, não achava que o universo podia estar acelerando, mas agora sabemos que está. E, de fato, a teoria dele admite a existência dessa constante cosmológica”.
Futuro da TRG terá papel fundamental dos buracos negros
Existem dois tipos principais de buracos negros. O mais comum é formado com a morte de uma estrela de massa muito alta e densidade dez vezes maior que a do Sol. Após alguns milhões de anos de evolução, elas não conseguem mais sustentar a própria gravitação e explodem em uma supernova, restando apenas uma estrela de nêutron com 10km de diâmetro e densidade tão alta que uma colher dela teria o mesmo peso da Terra inteira.
O segundo tipo são os supermassivos, que se hospedam no núcleo de galáxias e chegam a ter centenas de bilhões de massas solares, a exemplo do objeto na imagem da EHT. Embora sua origem ainda seja um mistério, a existência desses supermassivos já era conhecida desde a década de 1960, com a descoberta dos Quasares, núcleos de galáxias com luminosidade tão alta que só poderia ter vindo de uma fonte de energia muito mais potente que a estrelar. “Inclusive, já se sabia que a M87 tem esse buraco supermassivo e por isso ele foi o alvo desse experimento que buscava ver a região muito central do buraco negro, muito menor que o próprio disco de acreção, que a gente já não consegue ver com outras observações”, revela José Eduardo Telles.
Além dessa luminosidade, a presença de buracos negros costuma ser identificada pelos efeitos que eles causam ao seu redor. Bertha Cuadros exemplifica com um supermassivo localizado no centro da Via Láctea, descoberto quando se observou que as estrelas ao redor pareciam se mover em rotação, como se fossem um vórtice caindo em direção a algum ponto. “No lugar desse ponto aparentemente não tinha nada, mas fazendo as contas você deduz que deve existir uma massa muito grande, que está atraindo essas estrelas, e essa massa muito grande só pode ser um buraco negro”.
Já a comprovação experimental da existência desses corpos só veio em 2017, quando o Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (Ligo, na sigla em inglês) detectou pela primeira vez as ondas gravitacionais. Assim como aquelas geradas ao se atirar uma pedra em um lago, as ondas gravitacionais são perturbações na geometria do espaço-tempo causadas por algum fenômeno catastrófico e previstas pela teoria da relatividade geral. “Com a detecção de ondas gravitacionais, a gente não somente confirma que elas existem, mas confirma os objetos que produziram essas ondas, que no caso foram dois buracos negros que se fusionaram em um único buraco”, explica Bertha.
Conforme prevê a teoria, as ondas gravitacionais deveriam ter uma velocidade de propagação igual à da luz, o que foi confirmado pelo experimento. Mas isso não significa uma confirmação da relatividade geral, porque outras teorias também fazem previsões semelhantes. Essas novas teorias foram propostas porque, até o momento, a relatividade geral só consegue ser perfeitamente aplicada em pequena escala, como os buracos negros, ondas gravitacionais e deflexão da luz. No caso da cosmologia, que estuda o universo em grande escala, ela só é aplicável se for considerada a existência da chamada energia escura.
Isso porque, de acordo com o que se conhece da gravitação, a expansão do universo deveria estar desacelerando. No entanto, estudos realizados no final dos anos 1990 demonstraram que ele está em expansão acelerada e tem um tamanho maior do que seria esperado para a sua idade, o que levou os cientistas a suporem a existência de um componente atuando na direção contrária da gravitação. “Tem alguma coisa no universo funcionando como uma anti-gravidade, como se fosse uma energia assoprando o balão ainda mais forte. Essa energia escura é um dos maiores desconhecimentos da cosmologia atual e a coisa mais moderna para se compreender”, afirma José Eduardo Telles.
Na contramão disso, alguns cientistas preferiram propor teorias alternativas à relatividade geral, que explicassem essa expansão do universo sem ter que assumir a existência de um elemento desconhecido, embora eles representem um número reduzido da comunidade de pesquisa. O experimento do Ligo permitiu descartar algumas delas, que previam velocidade de propagação de ondas diferentes da velocidade da luz. Outras, no entanto, permanecem viáveis, e precisam de novos estudos para serem confirmadas ou rejeitadas.
A expectativa, esclarece Jailson Alcaniz, é que as recentes descobertas de ondas gravitacionais e o imageamento dos buracos negros permitam maior precisão na avaliação da relatividade geral, trazendo, na próxima década, respostas definitivas sobre a viabilidade dessa teoria. “Porque se você confirma, você tem uma teoria em que você confia, mas se você descarta, existe um grande campo de pesquisa para saber qual é de fato a teoria da gravitação que domina o universo em grande escala ou gravidades muito fortes. Então, independente do caminho, da resposta que a gente obtiver, certamente tem muita coisa para explorar”, finaliza.
Paula Penedo P. de Carvalho é jornalista com especialização em jornalismo científico pela Unicamp. Atualmente cursa o Mestrado em Divulgação Científica e Cultural (Labjor/Unicamp) e integra o programa Mídia Ciência da Fapesp.
Imagem de abertura: Buraco negro no centro da galáxia Messier 87. Crédito: EHT Collaboration