A linguagem das redes favorece a direita: surfar no senso comum e nos preconceitos exige menos elaboração e um público menos atento do que um discurso crítico. Mas não há opção.
O Facebook diz que minha conta existe desde 2011. Deve estar certo. Mas, nos primeiros anos, viveu quase sempre desativada. Seu único objetivo era permitir que meu filho cumprisse tarefas no Club Penguin, um “metaverso” infantil do qual ele foi aficionado por um tempo.
No finalzinho de 2014, a conta ganhou nova utilidade. Servia para que eu ajudar a administrar a conta do meu grupo de pesquisa, o Demodê (Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades da Universidade de Brasília, UnB). Pus foto no perfil e tudo, alguns amigos me adicionaram.
Com a escalada do golpe contra Dilma Rousseff, passei a escrever postagens. Mais um desabafo, já que quase ninguém lia. O tempo passou, mais gente foi entrando, começou a ter alguma repercussão – sobretudo depois que alguns sites de esquerda passaram a republicar coisas que eu escrevia aqui. (Volto a lembrar que não sou responsável pelos títulos.)
Ainda não gosto da dinâmica das redes. Não gosto das tretas, da agressividade, da lacração, da falta de disposição para a troca de argumentos, da submissão aos algoritmos. Mas reconheço que elas se tornaram um espaço de debate. E o Facebook me forneceu alguns interlocutores preciosos.
Nas eleições de 2018, arrisquei-me no Twitter, mas constatei que não é minha praia. Todas as características negativas do Facebook estão amplificadas lá. Ele parece exigir investimento de tempo e energia ainda maior que outras redes. O limite de tamanho favorece lacração e agressividade em vez de debate. Os “fios” que o burlam são um contrassenso e um pé no saco. Agora, em 2022, tentei voltar ao Twitter, embora com menos denodo, e confirmei tudo o que já pensava.
Mas entrei no Instagram, uma rede que sempre julguei repulsiva. Entrei porque comecei a orientar a tese de Alana Fontenelle, sobre campanha política no Instagram, e precisava conhecer o funcionamento.
O Instagram é uma rede visual, contrária a texto, e acabou sendo isso que me cativou. Apesar do pouco talento, eu me divirto mexendo com imagens, produzindo layouts. A própria Alana me indicou um software simples e eu passei a produzir uns cards para lá, sobre as pautas do dia. Uma espécie de distração matinal das tensões da campanha. O alcance é pequeno, já que tenho poucos seguidores, mas é um hobby.
Ele foi muito útil também para acompanhar a campanha. Sigo Jair, Eduardo, Michelle, Zambelli, Mourão, Kicis, Frias, a caquerada toda. Acho o Instagram a melhor rede para acompanhar os discursos deles.
Por fim, entrei no TikTok, que é, parece, a nova fronteira do debate público. No começo, só baixei o aplicativo, nem tinha conta. Mas o algoritmo insistia em não reconhecer minhas preferências. Eu recebia um cardápio de vídeos bizarros: moças com biquínis minúsculos pretensamente fazendo yoga e pastores discorrendo sobre os malefícios da masturbação, psicólogas de boteco dando dicas de relacionamento e sujeitos com cara de hipster ensinando “como ser um macho alfa”, dicas de como hackear o celular do cônjuge e advogadas falando sobre violência doméstica.
Então fiz a conta e deixei quieta.
O algoritmo logo percebeu que meu principal interesse era política, mas praticamente só me apresentava vídeos pró-Bolsonaro, na proporção de 10 ou 12 para 1 – o que é algo preocupante. Só depois de eu começar a seguir umas 30 contas lulistas a coisa equilibrou.
No desespero da reta final da campanha, me converti em tiktoker. Nos últimos cinco dias antes da eleição, postei cinco vídeos. Confesso que fiquei espantado com o alcance da coisa. Minha conta era nada, eu tinha zero seguidor. Mas um dos vídeos alcançou mais de 9 mil visualizações, outro mais de 7 mil.
(Fiquem tranquilos, não pretendo mais gravar vídeos.)
É uma coisa impressionante. Vamos ter que aprender a lidar com tudo isso. Já disse muitas vezes e continuo acreditando que a linguagem das redes favorece a direita: surfar no senso comum e nos preconceitos exige menos elaboração e um público menos atento do que um discurso crítico. Mas não temos opção.
A guerrilha de desinformação de Janones foi muito útil e creio que todos somos gratos a ele. Mas o desafio é fazer algo mais. É usar as redes para informação e formação. Para isso, acho eu, a esquerda ainda está tateando.
Luis Felipe Miguel é professor titular do Instituto de ciência política da Universidade de Brasília (UnB), onde coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê), e pesquisador do CNPq. Publicou, entre outros, os livros Democracia na periferia capitalista: Impasses do Brasil (Autêntica, 2022), O colapso da democracia no Brasil: da Constituição ao golpe de 2016 (Expressão Popular, 2019), Dominação e resistência – Desafios para uma política emancipatória (Boitempo, 2018), Consenso e conflito na democracia contemporânea (Ed. Unesp, 2017), Notícias em disputa – Mídia, democracia e formação de preferências no Brasil (com Flavia Biroli, Contexto, 2017), O nascimento da política moderna: de Maquiavel a Hobbes (Ed. UnB, 2015), Democracia e representação: territórios em disputa (Ed. Unesp, 2014), Feminismo e política: uma introdução (com Flávia Biroli; Boitempo, 2014) e Mito e discurso político (Ed. Unicamp, 2000).
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