Por Fabricio J. Mazocco
Introdução
A Comunicação Pública é um conceito que, cada vez mais, vem ocupando espaço, não só nas discussões acadêmicas, como também na esfera institucional. Assim, como tantos outros, é um conceito em construção, porém com linhas definidas e com caminhos apontados. Isso é importante destacar, pois mesmo em pauta, a Comunicação Pública ainda é vista por muitos como a comunicação realizada exclusivamente por órgãos ou instituições públicas, mesmo que essa comunicação seja unidirecional, contrariando um dos princípios básicos da Comunicação Pública, que é a possibilidade de diálogo.
Este artigo, que tem como base parte do conteúdo da minha tese de doutorado, tem como objetivo trazer um pouco da discussão sobre o conceito de Comunicação Pública. As discussões têm como fonte o que vem sendo feito na área acadêmica brasileira, detalhando alguns aspectos considerados essenciais para o fortalecimento deste tipo de conceituação e discutir adequações, principalmente quando se trata da relação com a democracia deliberativa e com a esfera pública de Habermas, o qual Zémor utiliza como inspiração, e que vem marcando fortemente o campo no Brasil.
O artigo se estrutura no conceito inicial, com destaque aos estudos de Zémor. Em seguida são abordados os pilares fundamentais da Comunicação Pública, a cidadania, o diálogo e política deliberativa de Habermas. Também é abordada a relação entre a Comunicação Pública e a mídia.
Não é intenção deste artigo encerrar as discussões e fechar o conceito de Comunicação Pública. Ao contrário: a ideia é reunir as diferentes visões e apresentar mais um ponto de vista.
Conceito inicial
Para tratar da Comunicação Pública (CP), faz-se necessário inicialmente abordar os conceitos descritos por Zémor (1995), sendo esses a base para as demais conceituações que são discutidas, principalmente as desenvolvidas no Brasil.
Para Zémor, a Comunicação Pública tem seu domínio definido pela legitimidade do interesse geral. Não há um deslocamento da aplicação de normas e regras, tomadas de decisão pública. Ela ocupa um lugar privilegiado ligado aos papéis de regulação, proteção e questões relacionadas ao serviço público. Isso se estabelece na medida em que o interesse geral de indivíduos ou grupos inseridos na sociedade consente em um contrato social, que por sua vez se inscreve em leis, regulamentos e jurisprudência. Mesmo instalado em legislação, isso não significa que o interesse seja definitivamente adquirido. Por contribuir para a regulação e para que o sistema seja reconhecido, as mensagens públicas são complexas.
Segundo o autor, as finalidades da CP são associadas às finalidades das instituições públicas. São elas: informar, o que significa levar conhecimento e prestar contas à sociedade; ouvir as demandas, expectativas, interrogações e o debate público; contribuir para assegurar a relação social no intuito de gerar sentimento de pertencer ao coletivo, tomada de consciência do cidadão enquanto ator social; acompanhar as mudanças, sejam as comportamentais como as da organização social.
Assim, Zémor levanta cinco categorias da CP de acordo com sua missão: a obrigação das instituições públicas em comunicar com seu público; estabelecer a relação e o diálogo de forma a executar o papel que cabe às instituições públicas; promover cada um dos serviços oferecidos pelo poder público; tornar conhecidas as instituições; e realizar campanhas de informação e de comunicação de interesse geral.
A Comunicação Pública vem sendo usada com vários significados, dependendo do país, do autor e do contexto. Por abranger uma grande variedade de saberes, pode-se afirmar que é um processo em construção. Na literatura europeia a CP está relacionada à distribuição ou utilização de obras intelectuais. Nos Estados Unidos ela é interpretada como uma forma de comunicação organizacional: no ambiente interno atuando nas mudanças organizacionais, desenvolvimento organizacional e satisfação dos empregados; e no externo como atividades de publicidade, relações públicas, questões públicas e imagem organizacional (FONSECA JUNIOR, 2006).
Entendemos que este conceito está associado à Comunicação Empresarial (ou Organizacional) no Brasil, que pode ser definida como um conjunto integrado de ações, planos, políticas e produtos desenvolvidos por uma organização para estabelecer a relação permanente com seus públicos de interesse, carregando tanto a vertente institucional quanto a mercadológica (BUENO, 2009). Esse tipo de comunicação está relacionado à promoção, por parte de uma empresa ou instituição, de marca ou produto, em que o público assume posição de consumidor ou de sujeito passivo, diferente do conceito de CP formulado por Zémor. Para Brandão (2009), o conceito discutido no Brasil não apresenta diferenças significativas do que já foi formulado por Zémor.
Partindo de um conceito amplo, Matos (2009) relaciona a Comunicação Pública como modelo teórico-instrumental do sistema político mediando as interações comunicativas entre o Estado e a sociedade. Essas interações podem ser vistas como uma postura ativa neste processo por parte dos agentes, levando a um certo diálogo entre eles. Essa conceituação insere a CP como ferramenta no sistema político que reúne Estado, governo e sociedade, visando a comunicação entre eles e não somente de um para outros, de forma unidirecional (a comunicação como forma de manter o controle e o poder), por isso a interação comunicativa.
Duarte, J. (2009) entende que o conceito de Comunicação Pública se aproxima de uma postura de perceber, como também de utilizar, a comunicação como uma ferramenta de interesse coletivo visando o fortalecimento da cidadania.
Cidadania na Comunicação Pública
Um ponto em comum nos estudos da CP é a comunicação como instrumento para a construção da cidadania, um dos aspectos destacados por Zémor. O autor trata o receptor/emissor da comunicação pública como cidadão, preocupado com as questões públicas e como parte das ações do governo, ou seja, o processo é centralizado no cidadão (DUARTE, J. 2009).
Com foco no cidadão de uma democracia, sendo esse usuário e decisor legítimo das ações públicas, Zémor atribui à Comunicação Pública a expectativa de que sua prática alimente o conhecimento cívico, facilite a ação pública e garanta o debate público. Espera-se, então, que ao mesmo tempo que respeita e aceita as regras do jogo das instituições públicas, o cidadão protesta quando da falta de informação ou o não entendimento delas. Entre as funções da Comunicação Pública praticada pelo governo elencadas por Brandão (2009, p.5) está a de proteger e promover a cidadania, e outras funções estão relacionadas ao modo de exercer a cidadania, como “motivar e/ou educar, chamando a população para participar de momentos específicos da vida do país.”
Para Duarte, M. (2009) o novo cidadão reivindica os direitos de pertencer ao sistemas sociopolítico, bem como o de participar na reelaboração do sistema, e a comunicação é o ponto de partida e de encontro para o que pode ser considerado como um processo de reaprendizado da cidadania. Comunicação Pública coloca a centralidade do processo de comunicação no cidadão, não apenas por meio da garantia do direito à informação e à expressão, mas também do diálogo, do respeito a suas características e necessidades, estímulo à participação ativa, racional e co-responsável (DUARTE, J. 2009, p. 61).
Segundo Matos (2009), o cidadão que ignora o direito de expressão e que não se sente capaz de se comunicar na coletividade tão pouco terá condições de integrar o que a autora chama de rede social da Comunicação Pública. No Brasil, para Duarte, M. (2009), o problema da cidadania não se limita à dimensão política, aqui entendido como direito, mas sim na definição de quem pode exercê-la e em que termos.
A participação é indispensável para o processo de construção da cidadania, assim como as formas de garantir esse processo representam instrumentos estratégicos voltados ao desenvolvimento de um país. Ainda segundo a autora, as lutas mais recentes colaboraram para a ampliação da noção de cidadania não restrita a grupos ou classes sociais e a comunicação surge como uma ferramenta de grande importância na dinâmica da vivência da cidadania.
Duarte, J. (2009) afirma que o conceito de Comunicação Pública está ligado ao direito à informação, sendo que esse direito deve ser considerado um meio tanto para o acesso como para o uso de outros direitos inerentes à democracia. Já para Mainieri e Rosa (2012), a CP deve ser entendida como um dos mecanismos que efetiva os direitos do cidadão, pois ele se insere na defesa do direito à informação.
Em se tratando de direitos, Studart (2009, p. 120) vai analisar que: (…) certo é que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5°, resguardada, a um só tempo, a liberdade de manifestação do pensamento, ainda que vedando o anonimato (inciso IV), tanto quanto assevera invioláveis a liberdade de consciência e de crença, garantindo o livre exercício dos cultos religiosos (inciso VI) e a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. O autor ainda vai destacar o artigo 37, em que a administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União deve obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (no caso a propaganda deve ter caráter educativo, informativo ou de orientação social); e o artigo 220, que trata da manifestação do pensamento, criação, expressão e informação, sendo que esses não podem sofrer restrição. Os artigos 221, 222 e 223 vão tratar, respectivamente, dos princípios que devem ser atendidos pela produção e programação das rádios e televisão, da propriedade de empresas jornalísticas e de radiodifusão, e sobre concessão, por parte do Poder Executivo, para o serviço de radiodifusão. Para Studart, esses artigos representam o que ele chama de “minicartilha” básica do direito de comunicação, o que vai incluir o direito de informar, de se informar e de ser informado, garantindo o exercício de acesso às informações públicas.
Partindo da ideia que há uma estreita relação entre cidadania e direito, há de se considerar que há leis amplas no que tange à comunicação. Temos sim no Brasil um arcabouço legal que garante o exercício da cidadania referente ao ato comunicativo. Assim, Duarte, M. (2009, p.113) afirma que “comunicação e cidadania são conceitos interligados, cujo crescimento e aperfeiçoamento reforçam a existência mútua”. Ainda segundo a autora, a comunicação deve ser executada de tal forma que dê aos cidadãos condições de se expressar, incentivando a capacidade de organização coletiva, exercendo a plena cidadania.
Diálogo na Comunicação Pública
Outro ponto comum nos estudos da Comunicação Pública é a necessidade do diálogo no processo com a real e efetiva participação do cidadão também como emissor. Esse modelo altera o tradicional modelo dos meios de massa tradicionais (emissor – meio – receptor), ou fluxos de informações unidirecionais, que privilegia os detentores dos meios.
Para Duarte, J. (2009, p. 63) “a comunicação (…) se realiza plenamente na perspectiva interativa e dialógica, quando se oferece aos interlocutores a possibilidade de participar ativamente dos processos que os afetam”. Monteiro (2009, p. 39) coloca como uma das finalidades da CP “estabelecer uma relação de diálogo de forma a permitir a prestação de serviço ao público”. Zémor (1995) defende que, partindo da premissa de que a CP tem sua legitimidade baseada no receptor, no caso o cidadão ativo, ela é autêntica quando praticada nos dois sentidos. Ele argumenta que essa condição é necessária para um bom relacionamento entre instituições e usuários, afirmação de identidade por parte da primeira, bem como ouvir os cidadãos, respondendo às suas demandas. Zémor enfatiza o serviço público na relação entre instituições públicas e cidadãos, porém o diálogo pode ser entendido e estendido para questões de interesse coletivo, fazendo com que o Estado ouça o cidadão e responda por ferramentas da comunicação dialógica e/ou na aceitação de propostas por meio de ações políticas e sociais. Ele ainda defende a ambivalência do cidadão na relação com as instituições públicas. Para Zémor, a CP encontra seus fundamentos nesta ambivalência, que ele considera inevitável e essencial, e na utilidade contida nas mensagens públicas.
Na perspectiva da comunicação envolvendo o saber técnico, Freire (1983) diz que todo ato de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto que midiatiza o primeiro do segundo sujeito e a comunicação que se dá entre eles por meio de signos linguísticos. Sem o segundo sujeito, o primeiro não estabeleceria o processo. A coparticipação dos sujeitos nesse ato se estabelece na comunicação. “A comunicação (….) implica numa reciprocidade que não pode ser rompida” (1983, p.44). Para Freire, não há na comunicação sujeitos passivos. Ela é caracterizada pelo diálogo, assim como o diálogo é comunicativo.
Duarte, M. (2009) analisa que a comunicação abordada por Freire entende os homens não como objetos da natureza e sim como sujeitos criativos, consciente de si mesmo e em interação perene com outros homens e com o mundo. Ainda segundo a autora, Freire atribui à comunicação uma dimensão política da igualdade, excluindo a relação de poder desigual e de dominantes e dominados, pois a relação comunicativa se estabelece entre sujeitos iguais, sem relação de poder. A ideia de comunicação como diálogo de Paulo Freire se insere na perspectiva dialógica da comunicação pública. Nesse sentido e com foco na relação entre cidadão e Estado, Zémor afirma que a comunicação vinda de uma instituição pública deve supor uma troca com o receptor, no caso o cidadão, que deve ser entendido também como um sujeito emissor. Para isso o cidadão deve assumir uma postura ativa enquanto receptor, pois essa característica é que estabelece a comunicação, já que a passividade, segundo Zémor, pressupõe um distanciamento ou mesmo o fascínio do poder público.
Zémor, como já citado anteriormente, vai focar o diálogo da comunicação pública entre instituições públicas e cidadãos. Porém, como defendemos neste trabalho, podemos ampliar essa esfera. Matos (2009) afirma que a comunicação pública vai exigir a participação da sociedade como produtores ativos do processo de comunicação e não simplesmente como receptores. Na sociedade citada pela autora estão incluídos mercado, terceiro setor e também aqueles que não estão ligados formalmente a instituições ou associações, ou seja, um diálogo entre instituições públicas e privadas, terceiro setor e cidadãos.
Entendemos que o diálogo da CP está associado ao conceito de Freire, em que os participantes do processo são ativos, há interesse por parte dos agentes na mensagem, interagindo pelo diálogo. Isso não implica que o diálogo entendido aqui seja, consequentemente e necessariamente, deliberativo de Habermas. Projetar o caráter deliberativo tanto à cidadania quanto ao diálogo como fator-fim poderia normatizar a Comunicação Pública e, assim, inviabilizá-lo, tendo em vista que não temos uma política deliberativa, assim como conceitua Habermas. Desta forma, faz-se necessário debater a questão democrática relacionando com as premissas da CP.
Comunicação pública e a questão democrática
Para Lima, V. (2009), nos regimes democráticos a política é uma atividade pública e visível e é a comunicação quem define o que é público no mundo contemporâneo. Precisamos, então, referenciar a questão democrática que atende aos pressupostos inerentes à Comunicação Pública.
Antes vale destacar que por democracia entende-se, segundo Bobbio (2005), uma das várias formas de governo, em que o poder não está centralizado em um ou em poucos, mas sim na maioria, contrapondo-se assim às formas autocráticas, como é o caso da monarquia e da oligarquia. Para Sartori (1994) o significado de democracia passa os limites descritivos ou denotativos, abrangendo também os elementos normativos e persuasivos. Também podemos entender a democracia como sinônimo de auto-organização política da sociedade (HABERMAS, 1995) e a própria sociedade em funcionamento (LIPSET, 1967).
Zémor vai se inspirar na democracia deliberativa de Habermas ao pensar a comunicação pública como um processo que leva à participação efetiva dos cidadãos nas decisões públicas. A mesma linha seguem os autores brasileiros. Matos (2009) lembra que uma maneira de atender aos desejos universais da sociedade seria por meio do sistema representativo na perspectiva do elitismo democrático, assim como o defendido por Schumpeter. Porém, essa iniciativa põe em risco o cerne da Comunicação Pública, pois se entende que a participação representativa ou indireta não atende necessariamente às demandas, nem negociação e tomada de decisão. Como coloca Duarte, J. (2009), a participação indireta não representa necessariamente o acolhimento de demandas sociais. Assim podemos entender que a Comunicação Pública prepara a arena pública para a tomada de decisões e não como parte do processo decisivo. O Estado ouve o cidadão e vice-versa. Por isso a importância coletiva no processo.
Habermas (1995) indica três modelos normativos de democracia: liberal, republicano (cuja diferença está na compreensão do papel que cabe ao processo democrático) e o que ele vai chamar de política deliberativa, de concepção procedimentalista e desenvolvida pelo autor tendo com base a crítica aos dois modelos. Segundo o autor, na concepção liberal o processo democrático cumpre a tarefa de programar o Estado para que atenda ao interesse da sociedade. Neste caso o Estado assume o papel de aparato da administração pública; a sociedade como sistema de circulação dos cidadãos e do trabalho social deles, seguindo as leis de mercado; e a política tem a função de congregar e impor os interesses sociais em particular mediante o Estado, que por sua vez atua no uso administrativo do poder para fins coletivos. Os cidadãos, nesta perspectiva, como portadores de direitos subjetivos contam com a defesa do Estado, desde que eles defendam os próprios interesses sem interferências externas. Dessa forma os cidadãos podem controlar se o poder do Estado está na direção dos seus interesses. A política é uma luta por posições para dispor do poder administrativo, seja na conquista ou na manutenção dessas posições.
Nesta concepção o conceito de Comunicação Pública de Zémor se afasta tendo em vista que os indivíduos lutam por seus interesses particulares, tendo o Estado como instrumento de suas vontades, contrapondo à premissa do bem coletivo e do papel do Estado facilitando o processo comunicativo e interagindo de igual para igual dentro da esfera pública.
Na concepção republicana, defendida pelos comunitaristas, Habermas vai dizer que a política está relacionada a um processo de coletivização social, apoiada numa forma de reflexão sobre um contexto ético. A vontade política horizontal está voltada ao entendimento mútuo que, por sua vez, dá-se pela via comunicativa. Por aceitar-se uma base social independente do Estado e do mercado, resultado da autodeterminação dos cidadãos no que se refere ao Estado, a comunicação política desses cidadãos deixa de ser absorvida pela Estado e assimilada pelo mercado. Nesta concepção, segundo Habermas, os direitos de cidadania e de participação e comunicação política dos cidadãos são direitos positivos, garantindo a participação em ações comuns e, assim, tornam-se sujeitos responsáveis em uma comunidade formada por pessoas iguais e livres. Diferente da concepção liberal, os direitos subjetivos estão atrelados a uma ordem jurídica objetiva, garantindo a convivência de igualdade, autônoma e fundamentada sobre o respeito mútuo. Neste caso, os direitos são resultados da vontade política em vigor e o bem comum consiste na atuação política do cidadão em estabelecer os direitos que melhor atendam à comunidade a qual ele está inserido.
No que diz respeito à natureza do processo político, na concepção republicana a formação de opinião como também a vontade política estão ligadas às estruturas de uma Comunicação Pública orientada para a prevalência do entendimento mútuo. Habermas vai diferenciar o poder comunicativo do poder administrativo, sendo o primeiro resultado da comunicação via discursiva na forma de opiniões da maioria, e o segundo uma ferramenta do Estado. Ele vai destacar como vantagem da concepção republicana o sentido democrático de auto-organização da sociedade pelos cidadãos levando em conta o acordo mútuo que se dá pela via comunicativa. No outro lado, a desvantagem está na visão idealista e na dependência das virtudes dos cidadãos pensando o todo.
Com base nisso, a dependência de um agente dentro da esfera pública, no caso os cidadãos, pode comprometer a eficácia da Comunicação Pública. Sendo assim, Habermas propõe uma terceira concepção, de caráter procedimentalista, denominado política deliberativa, que vai se posicionar entre as duas e que vai se aproximar do conceito de CP defendida por Zémor. Esta concepção ganha relevância empírica quando do uso das formas comunicativas, em suas mais variadas formas, na qual se constitui uma vontade comum. Isso se dá pela busca de equilíbrio entre os interesses diversos e acordo, aspectos jurídicos pertinentes, instrumentos racionais e dirigidos a fins específicos e fundamental moral.
Segundo Habermas, quando as formas de comunicação estão institucionalizadas no sistema, a política dialógica e instrumental podem entrecruzar-se nas deliberações. O autor ressalta, porém, que isso depende das condições tanto da comunicação quanto de procedimento que devem conferir legitimidade à formação institucionalizada de opinião e de vontade dos cidadãos. Sendo assim, a política deliberativa de Habermas terá como base as condições de comunicação em que o processo político seja capaz de alcançar resultados racionais, concretizando-se de modo deliberativo.
Há um estreitamento entre a política deliberativa e as premissas da comunicação pública. Na política deliberativa tão pouco o Estado atende aos interesses individuais sob a influência do mercado, como defende a concepção liberal, como também não há uma autodeterminação coletiva. O Estado está, junto com o governo e sociedade, inserido em uma esfera pública em que ocorrerá o debate e as deliberações (MATOS, 2009).
A política dialógica e instrumental defendida por Habermas quando da institucionalização da comunicação no sistema político conversa diretamente com uma das bases da comunicação pública que é o diálogo. Em outras palavras, exclui-se a comunicação unidirecional representada pela verticalidade comunicativa do Estado sobre o cidadão e instala-se o diálogo entre os agentes, sem domínio de poder no processo comunicativo. Essas considerações legitimam não só o diálogo entre a política deliberativa de Habermas e a Comunicação Pública, como também indica a inclusão da CP como parte instrumental e procedimental necessária para a concretização deste sistema deliberativo.
Entretanto, associar a comunicação pública à deliberação como função-fim implica em não poder atender a uma realidade em democracias, como é o caso da brasileira, que se pauta no sistema representativo e não no deliberativo. Desta forma, poderíamos pensar esta relação em etapas. Matos e Gil (2013) dividem a deliberação em dois movimentos: o primeiro marcado pela pluralidade dos atores reunidos e interagindo na esfera pública; e o segundo, o mais longo a se atingir, envolve o processo de tomada de decisões. Já Habermas (2008) coloca que a deliberação precisa cumprir três funções: a de mobilizar os agentes e reunir informações necessárias, processar as contribuições recebidas no debate e gerar atitudes que tenham probabilidade de determinar as decisões. Tudo isso acontecendo dentro da esfera pública.
Zémor discute o espaço público enquanto local aberto a todos e que não deve ser opressor das liberdades, porém suscetível a interesses de atores ou de mídias que defendem seus próprios interesses. Para Matos (2009), se cabe ao Estado convocar ou incentivar a participação dos agentes no processo comunicativo, faz-se necessário caracterizar o espaço onde se dá esta participação, ou seja, a esfera pública. Habermas (2003) vai tratar a esfera pública como um local em que o setor público contrapõe-se ao privado. O sujeito da esfera pública é o público enquanto portador de opinião pública e a sua função crítica reside na publicidade, que na esfera das mídias mudou de significado: “de uma função da opinião pública tornou-se também um atributo de quem desperta a opinião pública” (HABERMAS, 2003, p. 14).
Rüdiger (2001) aponta que para Habermas a destruição da cultura enquanto constituinte de um processo de formação libertador refletiu no desinteresse da população tanto na ação política como na construção da vida democrática. Entretanto, uma parte das conquistas, como também das liberdades desfrutadas, deve-se à formação da esfera pública, um espaço em que sujeitos livres se reúnem para discutir interesses comuns a eles.
Matos (2009) vai dialogar com Habermas ao afirmar que a Comunicação Pública como processo de comunicação está instaurado em uma esfera pública que reúne Estado, governo e sociedade, sendo esse um espaço de debate, negociação e de decisões relativas ao interesse público. “A esfera pública é esse conjunto de espaços físicos e imateriais em que os agentes sociais podem efetivar sua participação no processo de Comunicação Pública” (MATOS, 2009, p. 52).
Mídia e Comunicação Pública
Para Habermas (2003), pensar numa refuncionalização do princípio da esfera pública é ter como base uma reestruturação da esfera pública enquanto um espaço que pode ser apreendido na evolução da imprensa, o que o autor considera a instituição por excelência nesta esfera.
Pode-se entender que é aqui que o público e privado se confundem e perdem-se os limites entre um e outro. É na imprensa que Habermas contrapõe o espaço público do privado. Foi a economia de mercado quem criou um espaço público sustentado pela mídia e que possibilitou à burguesia com acesso a esse meio o desenvolvimento de uma consciência crítica que atingiu as autoridades tradicionais, entre elas o Estado. Entretanto é no século XX que a expansão do poder econômico e do aparelho do Estado quebram o equilíbrio que sustentava essas relações sociais, ocasionando a transformação do papel dos meios (RÜDGER, 2001). Essa transformação, entretanto, não deve ser entendida como a efetivação dos meios de comunicação de massa no espaço público.
Habermas (2003) analisa que, se de um lado os meios conquistaram não só uma extensão como também uma eficácia superior se comparado com a imprensa da era liberal resultando na expansão da esfera pública; do outro os meios foram retirados desta esfera e reinseridos na outra esfera, a privada, a da troca de mercadoria. Na visão habermasiana quanto maior a eficácia dos meios no campo jornalístico-publicitário, mais vulneráveis eles se tornaram quanto à pressão de interesses privados, tanto no coletivo como no individual. Assim, a esfera pública passou a ser invadida pelo consumismo provocado por interesses comerciais, de partidos políticos e estados pós-liberais.
Dialogando com Habermas, Zémor avalia que o excesso do que ele chama de virtudes ou indignidades que são atribuídas às formas publicitárias e também midiáticas desvia as funções da Comunicação Pública que são informativas, didáticas, atendem ao debate de opiniões contraditórias e voltadas ao interesse coletivo. Essa modificação da esfera pública causada pelo mercado alterou a figura do cidadão, que passa a exercer a figura de consumidor e de contribuinte. Para Rüdiger (2001), a busca do consenso político no livre uso da razão individual retrocedeu, posto o papel da mídia atuando a serviço da razão do Estado e da transformação da atividade política em espetáculo midiático.
Segundo esse entendimento de Rüdiger da crítica de Habermas sobre os meios sob influência do mercado, em uma perspectiva contrária, a mudança de postura do Estado enquanto agente e facilitador da Comunicação Pública tem a possibilidade de desfocar a figura do sujeito consumidor, transformando-o no sujeito cidadão e preocupado com o interesse público. Se na perspectiva habermesiana a esfera pública está ligada ao uso da mídia pelo Estado numa dimensão de mercado e de lucro capitalista, uma mudança de postura do Estado pode desestabilizar essa perspectiva alienante e de formação do sujeito consumidor para o sujeito cidadão e preocupado com a coisa pública.
Há uma distinção entre a comunicação do governo e do Estado. Zémor referencia como agente ou facilitador da CP as instituições públicas. Em diversos autores nota-se o uso de governo como um dos elos deste tipo de comunicação, porém percebe-se que as funções atribuídas estão ligadas principalmente ao Estado, como o fomento à cidadania, haja vista que “governo” carrega a difusão de ideias e ideologias. Para Duarte, J. (2007) a comunicação governamental está relacionada aos fluxos de informação, assim como padrões de relacionamento envolvendo gestores e a ação do Estado e a sociedade. Ele esclarece que Estado, neste contexto, deve ser compreendido como conjunto das instituições, como empresas públicas, institutos, agências reguladoras e área militar, ligadas ao Executivo, Legislativo e Judiciário. Cabe ao governo a gestão administrativa e política do aparato do Estado. Então é a Comunicação Política que vai tratar do discurso e ação do governo, assim como partidos e agentes, visando a conquista da opinião pública. Duarte, J. vai diferenciar esse tipo de comunicação da CP, reservando à última o respeito à interação e ao fluxo de informação relacionados a temas de interesse coletivo. O mesmo autor vai afirmar que, principalmente com o crescimento do terceiro setor, a responsabilidade da CP não deve ficar restrita ao Estado.
Nesta direção, Matos (2009) amplia a responsabilidade da Comunicação Pública. Para a autora é necessário sair da centralidade em torno do governo colocado por Zémor e deixar que o Estado e a sociedade assumam aquela responsabilidade. “Sob regime de Comunicação Pública, todos os agentes envolvidos na esfera pública devem desempenhar as atribuições que Zémor atribui exclusivamente ao Estado” (2009, p. 54).
Matos e Gil (2013) vão colocar que é justamente na regulação desse fluxo de comunicação entre sociedade e governo apresentado por Habermas como modelo ideal por meio da descontaminação do debate público do poder político e de questões de ordem econômica é que vai preservar o interesse coletivo como normatizador da esfera pública. Porém essa proposta normativa é questionada pelas autoras, pois há a necessidade de condições propícias que irão não só capacitar os cidadãos para o debate como por em disputa as questões de direito de igualdade e de participação. A proposta delas é que uma política direcionada ao estímulo da CP considere os entraves para uma deliberação aberta, livre, ampla, plural e partidária. “É preciso, portanto, empoderar a sociedade para a participação, por meio de construção de vínculos entre projetos de redução de desigualdade e experiências de exercício político” (MATOS, GIL, 2013, p. 24).
Considerações
Essas conceituações e colocações reforçam a necessidade de não tratar a Comunicação Ppública amparada exclusivamente na deliberação, o que inviabilizaria qualquer tentativa de aprofundamento da questão em países como o Brasil, que não conta com tal sistema em sua base e em todas as instâncias decisórias de políticas públicas, e por consequência no tema tratado neste trabalho.
Na espera de uma efetivação de política de estímulo à CP relacionada à redução de defasagens sociais e culturais dos cidadãos aptos a definirem coletivamente as questões de interesse comum, além da necessidade do movimento social de base emergir e ter visibilidade (MATOS; GIL, 2013), é importante que os aspectos deliberativos sejam considerados em etapas ou funções apresentados, focando na realidade e centralizados no processo discursivo pautado no diálogo, aspecto informacional (HABERMAS, 2008; MATOS; GIL, 2013) e comunicação democrática.
Fabricio J. Mazocco é graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre em Ciência, Tecnologia e Sociedade pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e doutor em Ciência Política pela UFSCar.
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