Por Fernando Oliveira Paulino, Ágatha Camargo Paraventi e Danilo Rothberg
Este texto procura apresentar análises normativas, conceituais e práticas associadas à Comunicação Pública na expectativa de estimular reflexões sobre a relevância desse princípio e sua importância para o acesso à informação e à ciência. O artigo também pretende contribuir com a reflexão sobre a aplicação de tais princípios nas ações de entidades educativas e científicas em plano local, regional, nacional e internacional.
De maneira inovadora, a Constituição Federal de 1988 criou um capítulo específico para a Comunicação Social, dentro do Título da Ordem Social. Diferentemente dos outros capítulos deste importante trecho da Carta Magna (Seguridade Social, Saúde, Previdência Social, Assistência Social, Educação, Cultura e Desporto, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso e Índios), artigos constitucionais sobre a Comunicação Social não necessariamente se desdobraram em regulação específica e formulação, implementação e avaliação de políticas públicas para a área.
Um dos princípios determinados pela Constituição é a complementaridade dos sistemas privado, público e estatal na outorga e renovação de concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, principal tecnologia de comunicação no período de aprovação da Carta Magna e ainda hoje uma das principais fontes de informação para diversos públicos.
Tal postulado foi fundamental para a aprovação e criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e igualmente serve de parâmetro para a necessidade de outras tecnologias de comunicação. Para além da utilização de ondas via rádio e TV, os princípios da Constituição de 1988 permitem postular e compreender a necessidade de processos de produção, distribuição e acesso à informação abrangentes e propulsionadores de experiências de Comunicação Pública. Isto é, uma Comunicação não restrita ou priorizada por interesses privados (atendendo a compromissos e expectativas comerciais) ou por interesses estatais atrelados a ações estratégicas de ou por gestores vinculados ao Poder Executivo, ao Poder Legislativo ou ao Poder Judiciário.
Vinte anos após a aprovação da Constituição Federal, lei específica determinou a criação da Empresa Brasil de Comunicação, estrutura chave na Comunicação Pública brasileira, com a missão de “criar e difundir conteúdos que contribuam para o desenvolvimento da consciência crítica das pessoas” e, como visão, “ser uma empresa de comunicação relevante para a sociedade”. A norma estabelece como valores a credibilidade, o padrão de qualidade, o respeito à cidadania e a inovação[1].
Com a mudança da situação política em 2016, surgiram ações com interesses de enfraquecer, alienar, privatizar ou até mesmo extinguir a EBC. Tais medidas trazem consequências graves não apenas à autonomia necessária para uma comunicação pública desenvolvida pelos canais de rádio, TV e web administrados pela própria Empresa, mas também acarretam possibilidades de maiores prejuízos.
Historicamente, há precariedade, marginalidade ou até mesmo inexistência de experiências de Comunicação Pública em parte considerável do território nacional. Somado a tais características, o sistema mediático brasileiro pode ser caracterizado por uma significativa concentração de propriedade e dificuldades de exercício profissional motivadas por ameaças e práticas de violência contra comunicadores.
Órgãos e autarquias relacionadas aos outros capítulos da Ordem Social, mencionados acima, tais como a Educação, a Ciência e a Tecnologia, com frequência desenvolvem práticas de Comunicação Pública. Fragilizar ou acabar com a EBC pode fortalecer uma perspectiva governamental ou de viés minoritário sobre o público, significando ainda menos possibilidades de diversidade de vozes desatreladas de interesses de promoção da figura do(a) gestor(a), de grupos partidários ou, em síntese, daqueles que têm mais condições de comando e utilização dos ambientes de comunicação.
Ter como base princípios de Comunicação Pública contribui para que canais de comunicação de instituições de educação superior, como páginas na internet, rádios e TVs universitárias, tenham diversidade e pluralidade, proporcionando mais possibilidades de acesso à informação, ao conhecimento e à ciência. Medidas compatíveis com esforços históricos que dialogam com medidas referenciais como a criação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, posteriormente transformada em Rádio MEC, prestes a completar 100 anos de serviços essenciais ao país[2].
Mais do que um convite ou uma declaração de boas intenções, o esforço de comunicar ciência publicamente é vital e premente em função dos resultados das pandemias sanitárias e políticas em curso. Viver sob efeitos de vírus e intentos autocráticos e autoritários demanda ainda mais das instituições educativas e científicas e de seus profissionais no sentido de propagar informação correta, estimular a circulação de tais conteúdos e abertura ao diálogo com a sociedade, além do contato com os diversos públicos, que, afinal, financiam parte significativa do trabalho realizado.
Pensemos na força de malhas de Comunicação Pública desenvolvida com contribuições de entidades de educação superior, médio e fundamental e de entidades científicas e acadêmicas intercambiando conteúdos que poderiam ser compartilhados e disponibilizados por diferentes meios de comunicação, tais como as emissoras de rádio e televisão relacionadas com, por exemplo, rádios e TVs universitárias e, também, os portais na internet dessas instituições.
Por que não uma plataforma ou até mesmo plataformas de troca de materiais e também ambientes de visibilização de conteúdos científicos e tecnológicos resultantes de práticas que dialoguem com públicos diversificados, entendendo as diferentes necessidades e possibilidades daqueles que se informam mais pelo texto escrito até às pessoas que são alcançadas por conteúdos curtos, a exemplo de “cortes” e materiais com possibilidade de propagação por mídias sociais?
Fortaleçamos a possibilidade de produção e distribuição de conteúdos em diálogo com aqueles(as) que não apenas vão receber informações, mas também e principalmente podem ser alcançados com os princípios de Comunicação Pública para terem acesso a mais condições de Educação Científica e ao Direito à Comunicação. Além disso, impulsionadas pelos canais que a tecnologia oferece, as pessoas teriam mais condições de informar necessidades e propostas em escala inclusiva com o desafio de estabelecer contato com públicos diversificados e diferenciados em termos de origem, gênero, raça, idade e formação.
Como resultado desse esforço de Comunicação Pública, uma ampla Rede Universitária de Comunicação igualmente contribuiria com a transparência e exercício de direitos e deveres e de participação fundamental para formulação de políticas públicas (PAULINO; MARTINS, 2013), em processo de estímulo, conforme aponta Novelli (2006) de: 1. Compromisso dos agentes públicos; 2. Direitos à informação e participação; 3. Clareza para tomada de decisão coletiva (cidadãos e autoridades); 4. Prazo suficiente para discussões; 5. Objetividade nas informações, completas e acessíveis; 6. Recursos para mecanismos de governança; 7. Coordenação para consulta em várias esferas do governo; 8. Responsabilidade na prestação de contas para fácil fiscalização; 9. Avaliação dos mecanismos de governança e 10. Cidadania ativa por meio da legitimação dos cidadãos.
Outra medida importante a ser considerada é a realização de estudos e eventos que contribuam para a definição de parâmetros e práticas para promoção da Comunicação Pública, incluindo a necessidade de articulação, local, regional, nacional e internacional, e as práticas para promoção de Comunicação Pública e articulações dentro de ambientes acadêmicos.
Exemplos dessa preocupação estão em entidades como a Federação Brasileiras de Entidades Científicas e Acadêmicas da Comunicação (Socicom), a Associação Latino-Americana de Investigadores da Comunicação (ALAIC), a Organização Interamericana de Defensoras e Defensores de Audiências e a Associação Internacional de Pesquisadores em Mídia Pública, que tem realizado congressos internacionais, que poderiam ter ainda mais capilaridade com o contexto latino-americano e brasileiro. A SBPC e as pessoas e entidades científicas afiliadas têm igualmente muito a contribuir.
Estabelecer ainda mais contatos internacionais pode aprimorar ideias e práticas em escala nacional, regional e local. Esse esforço compartilhado pode trazer benefícios mútuos. Mais do que um convite a interessadas(os), fortalecer a Comunicação Pública se projeta como uma necessidade. Que tenhamos melhores momentos, fortalecendo o acesso à informação e à ciência.
Fernando Oliveira Paulino é professor da Universidade de Brasília (UnB), coordenador e pesquisador PQ2 (CNPq) do Projeto “Global Project of Media Accountability”, pesquisador do Projeto “Comunicação e Democracia” (Programa Probral Capes/DAAD). Presidente da Socicom e vice-presidente da ALAIC. Email: paulino@unb.br
Ágatha Camargo Paraventi é professora da Faculdade Cásper Líbero e diretora administrativa da Socicom. Email: aefcparaventi@casperlibero.edu.br
Danilo Rothberg é professor da Unesp, pesquisador do CNPq, coordenador do Projeto “Comunicação e Democracia” e vice-presidente da Federação Brasileira de Associações Científicas da Comunicação (Socicom). E-mail: danilo.rothberg@unesp.br
Referências
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SEMINÁRIO O FUTURO DA COMUNICAÇÃO PÚBLICA. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-06/pesquisadores-de-universidades-debatem-futuro-da-comunicacao-publica
[1] https://www.ebc.com.br/sobre-a-ebc/o-que-e-a-ebc/2012/09/historico
[2] Mais informações em: http://www.fiocruz.br/radiosociedade/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=2