Por Ana Maria Sperandio
O documentário Como viver até os 100: os segredos das zonas azuis é uma imersão profunda nas práticas e estilos de vida que definem as zonas azuis, áreas do mundo onde as pessoas vivem significativamente mais tempo do que a média. Este documentário da Netflix, inspirado no trabalho de Dan Buettner, não apenas narra as viagens e descobertas do norte-americano, mas também tece uma conexão intrínseca entre viver em família, a importância de uma alimentação baseada em produtos cultivados localmente, a prática regular de exercícios, a proximidade da morte dentro do círculo familiar, a valorização de ser útil e a capacidade de se relacionar com diferentes tipos de pessoas.
O espaço saudável é tecido constantemente por meio de políticas públicas, interações de saberes e ações coordenadas da gestão pública, universidade, representações sociais e empresas, de forma participativa, intersetorial, interseccional, inclusiva, avaliativa e solidária para alcançar os desejos coletivos, o viver bem e com mais tempo, respeito, dignidade, harmonia e felicidade. Assim possibilitaríamos a governança para um espaço saudável.
Refletir, aprender, reagir e agir coletivamente, integrando diferentes setores (político, social, econômico, cultural etc.) e competências para atuarem no processo de desenvolvimento da cidade/município/bairro saudável são desafios fundamentais, interdependentes e necessitam da transparência dos desejos individuais e comuns.
A integração direta da gestão pública, universidades e representações da sociedade civil
Indica-se aqui como trilha alinhar-se com as premissas e eixos estratégicos da promoção da saúde e reconhecer que o planejamento urbano oferece ferramentas importantes para o processo de implantação e implementação do espaço saudável. Sabe-se que o planejamento urbano depende da gestão pública, de ferramentas específicas e da participação social. Porém, seria fundamental incluir, ampliar, qualificar a participação da sociedade civil nas questões urbanísticas e nas soluções coletivas para as cidades saudáveis. E, por outro lado, ter a participação da academia como elo conector, indutor e distribuidor de formação e informações de práticas técnico-sociais que estimulem as pesquisas e políticas públicas saudáveis e movimentos de redes. É necessário valorizar instrumentos desenvolvidos nas universidades junto com os gestores municipais e representações da sociedade civil que valorizem o local e sejam experimentadas no global. Além disso, os elementos não materiais são abstratos, mas são fundamenteis e complementam os demais. Juntos eles são imprescindíveis para o desenvolvimento planejamento urbano saudável.
Viver em família
O documentário destaca como o tecido social e familiar nas zonas azuis contribui para a longevidade. A vida em família é caracterizada por fortes laços intergeracionais, em que respeito e cuidado pelos idosos é primordial. Essa estrutura de apoio não só proporciona segurança emocional como também promove práticas saudáveis transmitidas através das gerações.
Comer bem e o valor do cultivo próprio
A alimentação nas zonas azuis é predominantemente baseada em plantas, com foco em alimentos integrais, frescos e sazonais, muitos dos quais são cultivados nos próprios quintais das famílias. O episódio que aborda essa questão ilustra como a relação direta com a terra e o que ela produz não apenas nutre o corpo, mas também ensina a importância da sustentabilidade e do consumo consciente.
A importância do exercício
O exercício nas zonas azuis é muitas vezes uma parte natural da vida diária, em vez de uma atividade planejada. Caminhadas, trabalhos manuais, agricultura e outras atividades físicas são rotineiramente integradas, mostrando que a movimentação constante é chave para manter a saúde e a vitalidade. A rotina dos moradores é real e mais eficaz do que os treinos e dietas de muitos americanos.
Morar perto da família
O documentário aborda a vida transgeracional com uma perspectiva única, mostrando como viver cercado pela família é uma prática comum e respeitada nas zonas azuis. Essa abordagem para o fim da vida enfatiza a aceitação e a importância da proximidade dos entes queridos durante os últimos momentos. Há políticas públicas para que os idosos possam morar mais próximos de suas famílias (não na casa de suas famílias e muito menos em abrigos ou asilos).
Ser útil às pessoas
Ser útil é visto não apenas como uma contribuição para a comunidade, mas também como um fator que dá propósito à vida. O episódio mostra exemplos de indivíduos que dedicam seu tempo a ajudar os outros, seja através de trabalho voluntário, cuidando da família ou participando ativamente na comunidade, o que contribui para a sensação de bem-estar e satisfação. Um exemplo é o do avô que dá aulas de matemática para os netos e os leva para a escola, enquanto os netos ensinam computação para ele.
Relacionar-se com todo tipo de pessoa
A capacidade de se relacionar com diferentes tipos de pessoas é destacada como um componente vital da longevidade. A diversidade de pequenas interações sociais fortalece a compreensão, a tolerância e a conexão humana, promovendo uma comunidade coesa e na qual as pessoas ajudam umas às outras.
Além das tradicionais zonas azuis
Ao explorar Singapura, o episódio amplia o conceito de longevidade para incluir aspectos de planejamento urbano e sustentabilidade, mostrando como a criação de ambientes que promovem práticas saudáveis e comunidades mais coesas pode ser aplicada em diferentes contextos geográficos e culturais. Uma ideia a se pensar mais profundamente é a de que o ambiente precisa ser diferente para mudar as mentes. O episódio traz a perspectiva de que um ambiente totalmente mudado consequentemente muda mentes, formas de agir e os sentimentos, de tal forma que as pessoas querem fazer parte deste lugar, pois são incluídas e pertencentes ao espaço e acabam vivendo mais anos e com qualidade.
Ana Maria Sperandio é professora da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp, e pesquisadora do Ceuci – Centro de Estudos sobre Urbanização para o Conhecimento e a Inovação.