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Podcast Oxigênio traz série sobre ciência, sociedade e pandemia

Quarentena, série dedicada a cobrir a Covid-19, chega a sua quarta edição com episódio sobre os bastidores da ciência

Por Carolina Sotério

Estreado em 16 abril como parte dos esforços do projeto Lab-19 na cobertura da Covid-19, o Quarentena é uma série mensal do Oxigênio podcast, produzida e apresentada por Carolina Sotério sob orientação de Simone Pallone de Figueiredo, pesquisadora do Labjor. No dia 23 julho, a série publicou seu quarto episódio com o tema “Os bastidores da ciência” e participação da bióloga Natalia Pasternak, pós-doutoranda na Universidade de São Paulo e presidente do Instituto Questão de Ciência, Altay Lino de Souza, estatístico, apresentador do Naruhodo Podcast e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Rafael Izbicki, estatístico e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). O diferencial da produção é, além da pitada literária, o fato de ser integralmente produzida em período de distanciamento social.

O fenômeno do podcasting tem se intensificado nos últimos anos e, de acordo com a Associação Brasileira de Podcasters (ABPod), se resume a uma forma de publicar arquivos de áudio ou vídeo por meio de um feed RSS, o que permite um acompanhamento instantâneo das produções na Internet além de downloads automáticos. Agora com a pandemia, produções que cobrem o cenário inédito têm surgido para transmitir informações por meio de um formato semelhante ao rádio.

Os bastidores da ciência

O episódio recém publicado traz para discussão o trabalho do cientista, seus impactos na sociedade, no estudo sobre o novo coronavírus e a forma como a ciência tem se adaptado ao mundo remoto. Com o intuito de “revelar” o pesquisador por trás dos feitos científicos, muito dos estereótipos são desconstruídos. A visão dos cientistas como pessoas geniais e solitárias que trabalham apenas com cérebro e papel está bem longe da realidade. “Não adianta você ser brilhante e você não ter uma boa equipe pra trabalhar, você não vai conseguir fazer nada sozinho”, diz Natalia.

Ainda, na contramão do ideal popular, o episódio também revela os cientistas que não necessariamente precisam de uma bancada e jaleco para trabalharem. Rafael, por exemplo, revelou detalhes da profissão de estatístico, que compreende desde o desenho de experimentos e coleta de dados até a transformação destes em informação útil. “recisamos criar métodos novos para resolver esses problemas e isso envolve muita matemática e muita computação”, reitera.

Altay, por sua vez, fez colocações sobre o método científico e o fato de que diferentes áreas do conhecimento produzem ciência de diferentes formas. Segundo o professor, o método é uma forma de testar as hipóteses que são levantadas. “Você não trabalha com a certeza, você reduz a incerteza.” Após discutir diferenças entre métodos indutivos e dedutivos, o entrevistado faz críticas aos métodos e colocações sobre as dificuldades que diversas áreas de estudo lidam para efetivamente fazer pesquisa. “Nenhuma área está incólume a esses problemas de crítica epistemológica de como o conhecimento é construído em cada uma delas”, enfatiza.

Com a pandemia, o trabalho dos cientistas ficou em evidência, assim como as dificuldades inerentes. Frente a falta de oportunidades, infraestrutura e as bolsas de pesquisa com valores não atualizados desde 2013, entre outras coisas, têm motivado a fuga de cérebros no país. Para Natalia, se continuarmos nesse ritmo, as consequências serão nefastas. “O futuro promete muito pouco para a ciência brasileira se a gente não mudar de atitude e se não tivermos um governo mais favorável também”, diz.

Episódios anteriores

Neste mês de junho, o Quarentena fez o lançamento da edição “Envelhe(ser)”, abordando questões sobre velhice e pandemia. Com informações a respeito dos cuidados necessários e políticas públicas para esta parcela da população, o episódio contou a participação de especialistas no assunto, entre eles Karina Gramani Say, professora do Departamento de Gerontologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e Marco Túlio Cintra, médico geriatra, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) em Minas Gerais, além do relato de experiência de Maria Santos sobre sua relação com a mãe de 81 anos.

Em episódios anteriores, a série abordou a migração para o digital e o envolvimento da sociedade em projetos científicos que utilizam o computador na busca por tratamentos para a doença. Entre os entrevistados estão nomes como Christian Dunker, Bernardo Sorj, Sarita Bruschi e Benilton de Sá Carvalho. Também marcaram presença pessoas com histórias impactantes, entre elas Carolina Marangoni, estudante que estava na Itália – país considerado epicentro da doença na época – e Nicole Flores, que concilia o trabalho no IBGE/Minas Gerais, a faculdade EaD e a maternidade.

Para acompanhar o conteúdo nas redes sociais basta procurar por @castquarentena (Instagram e Twitter) e Quarentena Podcast no Facebook. Os episódios ficam disponíveis no site do Oxigênio, na Web Rádio Unicamp e nos principais agregadores de podcast.

Pandemia aumenta abandono, mas também adoção de pets

Especialistas temem que o abandono de animais de estimação cresça ainda mais no pós-pandemia, apesar do aumento de adoções para mitigar a solidão durante o isolamento social

Caroline Marques Maia e Roberta Bueno

Os animais de estimação, também chamados de pets, somam cerca de 139 milhões no Brasil, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2018. A pandemia do novo coronavírus expôs a relação das pessoas com os pets, sobretudo cães e gatos, os mais populares. Se, de um lado, o medo de contágio da Covid-19 aumentou o número de animais abandonados – mesmo não havendo evidências de que se contaminem ou que sejam transmissores do vírus – de outro, o distanciamento social tem levado à adocão de um pet para driblar a solidão.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que só no Brasil existam mais de 30 milhões de animais abandonados, sendo cerca de 10 milhões de gatos e 20 milhões de cães. Nas grandes cidades, a cada 5 habitantes há um cachorro, dos quais 10% estão abandonados. Mas na pandemia o número de animais abandonados vem crescendo e pode piorar quando a quarentena acabar. “Infelizmente, penso que há uma possibilidade maior dos animais adotados agora serem abandonados após a pandemia, pois o ser humano tende a se voltar para os seus próprios interesses  e se esquecer dos bons momentos vividos juntos com os seus animais”, enfatiza Stelio Pacca Loureiro Luna, médico veterinário e docente na Universidade Estadual Paulista (Unesp) que coordena um projeto de pesquisas sobre dor e qualidade de vida em animais.

Com a pandemia, o abandono de animais tem crescido. Créditos: Pixabay

Parte do abandono durante a pandemia pode ser consequência da desinformação. Muitas pessoas, com medo de que os animais sejam transmissores da Covid-19, acabam por abandoná-los sem antes buscar informações adequadas. De acordo com a Organização Mundial de Saúde Animal, não há justificativa para tomar medidas contra animais de companhia que possam comprometer seu bem-estar. Um artigo recente publicado na revista Journal of Travel Medicine traz um alerta sobre o abandono de animais domésticos em função do pânico. “Um problema são as informações errôneas de que cães e gatos podem transmitir o coronavírus. Certamente esse não é o caso para cães e ainda não há comprovação definitiva para gatos”, aponta Stelio.

Outra possível razão para o abandono dos pets na pandemia é que muitas famílias estão lidando com a instabilidade financeira. Conforme lembra o veterinário, antes de adotar é preciso ter noção do gasto envolvido no cuidado de um animal. “Nas devidas proporções, adotar um animal é a mesma coisa que ter um filho, ou seja, passamos a ser responsáveis por aquele animal”, conclui.

Para Eliana Ferraz Santos, bióloga que trabalha com resgate e adoção de gatos abandonados no Departamento de Proteção e Bem-Estar Animal (DPBEA) da prefeitura de Campinas (SP), a probabilidade de abandonar o animal após a adoção, mesmo na pandemia, depende muito do cuidado ao avaliar as pessoas que chegam com intenção de adotar. “É importante gastar tempo fazendo uma boa entrevista e avaliando bem os prós e os contras em cada caso; adoção precisa ser algo muito bem avaliado por quem faz a entrevista com o possível tutor”, destaca a bióloga.

A adoção

Por outro lado, felizmente, a pandemia fez com que mais pessoas quisessem adotar um animal de estimação. Isso reflete como os pets podem ajudar as pessoas a lidarem melhor com o isolamento. De acordo com Caio Maximino de Oliveira, psicólogo e professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), a solidão causada pelo isolamento social é dolorosa e pode impactar tanto a parte física quanto mental das pessoas, afetando negativamente a saúde e a qualidade de vida. “Muitas vezes, as pessoas procuram formas de resolver essa solidão; algumas o fazem com ligações frequentes para as pessoas queridas, outras adotam animais de estimação”, comenta o psicólogo.

Caio ainda pontua que os pets ajudam as pessoas a enfrentarem situações difíceis, que envolvem muito medo, como o momento que vivemos agora. “Os animais de estimação são importantes em momentos de crise e desastre. A educadora Holly Travis sugere que isso acontece porque a relação com os pets parece dar um senso de estabilidade quando outros aspectos da vida cotidiana estão além do controle individual”, explica. Nesse cenário, a adoção de animais na pandemia é uma atitude natural, mas as pessoas devem trabalhar a expectativa antes de realmente adotarem um animal. “A imagem que as pessoas transmitem dos pets nas redes sociais é muito diferente da realidade desses animais, e essa disparidade pode gerar muita frustração. Mas se essa expectativa for trabalhada, os animais de estimação podem atenuar de maneira muito significativa o sentimento de solidão”, destaca o psicólogo.

Esse alerta também faz parte do dia a dia de Eliana no DPBEA. “No departamento [Proteção e Bem-Estar Animal], sempre tivemos a preocupação de falar sobre a posse responsável, independentemente da pandemia. Adotar um animal é um ato de muita responsabilidade. Não é simplesmente chegar e adotar um bicho, levá-lo para casa, ‘usá-lo’, enjoar dele e aí querer jogar fora e abandoná-lo. A posse responsável é um ato que tem que ser muito pensado”, enfatiza.

De acordo com Eliana, outra possibilidade para o aumento das adoções na pandemia é o ganho de tempo livre pela redução das atividades das pessoas na quarentena. “Acredito que muita gente, há muito tempo, estava querendo ter um animal de companhia mas, devido a vida ser muito corrida, as pessoas acabam sempre postergando isso. E agora, com as pessoas mais reclusas, talvez tenha dado ‘esse tempo’ para adotar um pet”, afirma. A bióloga aponta que as pessoas também tem indicado ou influenciado a adoção de pets. “As pessoas estão sendo multiplicadoras para que outros também tenham esse ato de adotar um animal”, comenta.

O gatinho Lilo foi adotado durante a pandemia por Jaqueline Messina no Departamento de Proteção e Bem-estar Animal (DPBEA) da Prefeitura de Campinas (SP). Créditos: Eliana Ferraz

Garantindo o bem-estar de todos

Para garantir uma convivência harmoniosa entre as pessoas e seus pets é importante levar em conta as necessidades de todos os envolvidos nessa relação. No momento, a maior preocupação com o bem-estar dos pets é quando a quarentena acabar. Eliana salienta que é preciso avaliar se aqueles que pretendem adotar terão disposição para dar a atenção necessária aos animais depois de um dia de trabalho ou estudos. Ela não recomenda a adoção de pets por pessoas que saem para trabalhar de manhã e que à noite ainda vão para a faculdade, porque vão chegar cansadas e, certamente, não terão disposição para interagir com o animal, que passou o dia sozinho. Nessa situação, o tutor pode até se irritar com o pet.

Quando os tutores precisam se ausentar em parte do dia, é necessário fornecer um ambiente adequado para que os animais não sofram com a separação. “Uma forma simples para melhorar o bem-estar animal é prover enriquecimento ambiental. Para os gatos, pode-se fornecer tecidos em que possam afofar os membros e tanto para cães e gatos, disponibilizar brinquedinhos como bolas de tênis”, orienta Stelio. Animais também precisam de companhia e distração.

Segundo a Lei Federal de Crimes Ambientais nº 9.605 (1998) e a Constituição Federal Brasileira (1988), o abandono de animais é considerado maus-tratos e é crime. As denúncias de abandono ou outros tipos de maus-tratos devem ser feitas junto ao órgão público competente do município, no setor de vigilância sanitária, zoonoses ou meio ambiente. No estado de São Paulo, também podem ser feitas pelo site da Delegacia Eletrônica de Proteção Animal (DEPA), um serviço da Secretaria de Segurança Pública criado para enviar denúncias de crimes ocorridos no estado.

A educação básica exige cuidados que vão muito além da quarentena

Enquanto assistimos à dança das cadeiras no Ministério da Educação, o cenário de desigualdade da educação brasileira é agravado pela falta de recursos e de planejamento. “É necessário que o Estado entenda e atue para diminuir o abismo”, afirma especialista

Por Luciana Rathsam

O Brasil ocupa hoje a segunda posição no ranking de países mais atingidos pela pandemia, o Ministério da Educação contou com duas demissões nos últimos 20 dias e o novo ministro já entra em confronto com a opinião pública, com depoimentos polêmicos nas redes sociais.  Enquanto isso, autoridades discutem a reabertura da economia e a volta às aulas para setembro próximo.

A suspensão das aulas presenciais e adoção de atividades pedagógicas remotas desde março esbarraram em inúmeros problemas, como dificuldades técnicas, limitações materiais e logísticas, despreparo de professores e de alunos. O prolongamento do isolamento e os desdobramentos socioeconômicos da pandemia colocam em xeque o acesso à educação com equidade e qualidade, e podem aprofundar as desigualdades sociais. Para enfrentar os impactos na educação pública será preciso enfrentar questões de ordem política e financeira, repensar o papel da escola e planejar as ações futuras.

“A pandemia criará novas perspectivas, ampliará as desigualdades e é necessário que o Estado, ator principal da política pública, entenda e atue para diminuir o abismo descoberto. Esse abismo é econômico, de infraestrutura, de condições humanas e sociais, tanto de professores como de alunos em qualquer nível ou modalidade”, avalia Luis Enrique Aguilar, professor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Coordenador do Laboratório de Políticas Públicas e Planejamento Educacional (LaPPlanE) da mesma instituição.

Ações emergenciais e (ausência de) políticas públicas

Ainda que a formulação de políticas públicas seja uma atribuição do Estado, outros órgãos têm assumido o papel de planejar ações, buscar soluções, orientar e dar suporte aos dirigentes de escolas da rede pública. “Não temos um Sistema Nacional de Ensino e isso acaba dificultando ainda mais a articulação e a realização das ações em cada rede de ensino nesse momento. Também estamos sem políticas públicas vindas do Governo Federal para o enfrentamento à Covid-19 no caso da educação. Por conta disso, os Conselhos Municipais, os Conselhos Estaduais e o Conselho Nacional (de Educação) estão cada vez mais unidos e articulados e, juntos com outros órgãos e instituições e colegiados, estão se fortalecendo”, pondera a pedagoga Márcia Bernardes, presidente da União dos Dirigentes Municipais do Estado de São Paulo (Undime-SP) e Secretária Municipal de Educação de Atibaia.

As redes públicas de ensino adotaram diversas estratégias para manter as atividades pedagógicas durante o período de isolamento, como a distribuição de materiais impressos, a veiculação de aulas em canais de televisão ou rádio, o uso de plataformas e aplicativos digitais e o estabelecimento de acordos com operadoras de internet para garantir a conectividade à rede de internet. Sem preparação prévia, escolas e professores procuraram ajustar suas práticas pedagógicas ao ambiente virtual, buscando manter os vínculos da comunidade escolar. Apesar dos esforços emergenciais, aproximadamente um quarto (24%) dos estudantes de escolas públicas não teve acesso a nenhum tipo de atividade não presencial, conforme pesquisa realizada pelo Datafolha em junho de 2020. A falta de acesso a atividades remotas é maior entre estudantes de escolas de menor nível socioeconômico.

Novos tempos, velhas desigualdades

Conforme o Censo Escolar 2019, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), o Brasil tem 47,9 milhões de alunos matriculados na educação básica e 80,9% dessas matrículas se concentram na rede pública de ensino. Esse contingente imenso de alunos apresenta condições de vida muito diversas, o que afeta as suas oportunidades de aprendizagem, as possibilidades de enfrentamento da crise e até a vulnerabilidade à doença. Para calcular o peso das variáveis socioeconômicas que afetam a saúde, um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e do Hospital Albert Einstein desenvolveu o Índice Socioeconômico do Contexto Geográfico para Estudos em Saúde (GeoSES), um índice que incorpora sete dimensões: escolaridade, mobilidade, pobreza, riqueza, renda, segregação residencial e acesso a  recursos e serviços conforme artigo publicado em abril na revista científica Plos ONE.

“Estamos com um problema de baixa adesão dos alunos. Não só porque falta aparelho para acessar os conteúdos e fazer as atividades, mas porque eles não estão motivados. Muitos alunos estão perdendo parentes próximos, muitos passam necessidades ou estão com medo de perder os pais, de perder o referencial. O estudo fica em segundo plano diante dessas questões”, explica a pedagoga e historiadora Sandra Heráclia, que ministra aulas em escolas da Brasilândia, na zona norte de São Paulo. O distrito de Brasilândia apresenta alto percentual de favelas (30% dos domicílios) e é um dos mais afetados pela Covid-19 no município, conforme mostra o Mapa da Desigualdade, elaborado pela Rede Nossa São Paulo em junho deste ano.

Distribuição dos óbitos por Covid-19 nos distritos do Município de São Paulo até 29 de jun. 2020.   (Imagem: Divulgação/PMSP

O acompanhamento das atividades pedagógicas remotas depende ainda de outros fatores, como a etapa da aprendizagem e a autonomia dos estudantes. Na educação especial ou nos primeiros anos do ensino básico, o estudante precisa da mediação de um adulto para acessar os conteúdos e receber as instruções das atividades. “Muitos adultos não têm condições de ajudar a aprendizagem das crianças, por falta de recursos materiais, por não saberem como usar a ferramenta, ou até porque estão preocupados com a própria sobrevivência. Nesses três meses, da minha turma de 33 alunos, só dois acessaram as atividades. É muito pouco”, lamenta Sandra.

Ficar longe da escola não implica apenas em um déficit de conteúdos aprendidos. Isolados, os alunos serão privados de contato social e de uma série de vivências que contribuem para seu desenvolvimento. Muitos enfrentarão também privações materiais, violências ou luto. “Outro dia li um artigo que tratava a cabeça da criança como um hard disk onde o conhecimento defasado seria reposto. Isso é totalmente equivocado. Essa ideia de depositar o conhecimento na criança corresponde ao modelo de ‘educação bancária’ denunciado por Paulo Freire.”, destaca Miguel Thompson, diretor acadêmico da Fundação Santillana no Brasil.

Investir na educação ou aguardar o seu colapso

A reabertura das escolas não será um processo simples. As decisões devem ser tomadas de forma articulada com a área da saúde pública, considerando riscos e benefícios associados. Em que pesem os fatores econômicos, não se pode desprezar que o fator demográfico é uma variável central na análise do contágio, conforme pondera Luis Enrique: “As escolas somente podem ser abertas quando a análise científica (e não econômica), outorgue plenas condições de segurança sanitária”. Eventualmente o retorno às atividades escolares demandará a compra de equipamentos, a adequação de espaços físicos, a ampliação da carga horária ou a contratação de novos profissionais. “Posso afirmar que municípios hoje não têm condições financeiras de retornar às aulas seguindo um rígido protocolo sanitário e pedagógico”, assegura Márcia.

O cenário se torna ainda mais crítico pela ameaça de redução da verba disponível para educação. Os gastos realizados para garantir o ensino à distância durante o isolamento já somam R$2 bilhões, e  os impactos da crise econômica na arrecadação de tributos podem levar a perdas de até R$28 bilhões nas redes estaduais de ensino, conforme aponta o estudo do impacto fiscal da Covid-19 na Educação Básica em 2020, elaborado pelo movimento Todos Pela Educação e o  Instituto Unibanco. A recomposição do orçamento da educação é imprescindível, para evitar o colapso das redes públicas de ensino. A principal fonte de financiamento educacional, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), expirará em dezembro de 2020. A votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC15/2015) que reformula o Fundeb foi adiada pela eclosão da pandemia e deve ser retomada com urgência. “Devemos evitar cair na falsa contradição entre economia x educação. A economia precisa da educação e é nesta ordem que devemos voltar”, lembra Luis Enrique.

Outro aspecto crucial a se considerar é o papel da escola na sociedade. Sandra observa que a discussão sobre a reabertura das escolas tem se pautado na necessidade de fornecer um local para os estudantes permanecerem enquanto os pais retomam seus trabalhos.  “A escola não é depósito. O cerne da questão não está sendo discutido, que é rever o papel da escola de formar cidadãos verdadeiramente conscientes do seu papel como sujeitos históricos”. Para Miguel, a escola também tem que se repensar enquanto agente social. “Vamos ter que rever aspectos emocionais, afetivos, trabalhar valores. Porque, além da pandemia, há uma crise política, uma crise econômica, uma crise ética, uma crise ambiental. E a nação precisa discutir a educação em uma sociedade do conhecimento”, enfatiza.

Plataforma agrupa reflexões de cientistas no Twitter para facilitar a divulgação do conhecimento

A ferramenta Science Pulse, desenvolvida pela parceria entre Volt Data Lab e Agência Bori, cria ponte entre cientistas e jornalistas

Por Camila Ramos e Júlia Ramos

Devido ao crescimento de movimentos de negação da ciência, principalmente durante a pandemia de Covid-19, e a busca por informações científicas relevantes, aumentou a necessidade de compreensão dos mecanismos da ciência. Neste contexto, acaba de ser lançada uma ferramenta gratuita que acompanha o debate e informações sobre ciência no Twitter, rede social chave para influenciadores e tomadores de decisão. Batizada de Science Pulse, a plataforma busca aproximar jornalistas e cientistas para acelerar a divulgação de informações de qualidade.

A ferramenta utiliza uma prática chamada de Social Listening, seu algoritmo acompanha tweets, retweets, comentários, palavras-chave e tendências para encontrar o debate na comunidade científica, de modo que o profissional de comunicação não precisa seguir milhares de perfis para acompanhar o que é dito nas redes sociais pelos pesquisadores. “O Science Pulse junta tudo isso de uma forma bastante fácil de visualizar e tem ferramentas que fazem uma pré-análise dessa discussão toda”, comenta Ana Paula Morales, fundadora e coordenadora da Agência Bori, colaboradora da iniciativa.

O Twitter foi escolhido como rede social inicial pois, apesar de não representar a população como um todo, é a rede social onde ocorre o debate entre influenciadores e tomadores de decisão, sejam eles jornalistas, cientistas ou políticos, especialmente no atual momento de pandemia em que as informações fluem de forma imediata. ”Muito das coisas que acontecem no Twitter repercutem na vida real, na política, em políticas públicas”, comenta Sérgio Spagnuolo, fundador e editor da Volt Data Lab, agência independente de jornalismo de dados que idealizou e desenvolveu a plataforma.

A função que torna o Twitter tão atrativo é sua instantaneidade. Para os jornalistas significa a possibilidade de divulgar notícias para um grande número de pessoas, a possibilidade de interagir com diversos interlocutores em tempo real e medir o impacto de notícias. Enquanto o uso de hashtags como #minhacienciaemumtweet e os Moments (um aglomerado de tweets sobre o mesmo assunto) permitem que cientistas e divulgadores compartilhem suas pesquisas, expliquem conceitos científicos e promovam debates na rede.

O Science Pulse conta com um banco de dados composto por mais de mil cientistas das áreas de exatas, biológicas e economia e por organizações de pesquisas que usam o perfil do Twitter principalmente para divulgação científica. A ferramenta monitora, analisa e agrupa as últimas discussões e assuntos levantados em contas da rede social e as torna disponível para busca de fontes e criação de pautas. Além de ser útil para os jornalistas, a ferramenta pode ser explorada por qualquer pessoa, já que o projeto filtra as últimas discussões com bases científicas.

Fonte: Reprodução da Plataforma Science Pulse com o rastreamento de debates no Twitter sobre Covid-19. Crédito: Science Pulse

No contexto da atual pandemia, a frequência de pesquisas e notícias aumentou, assim como a comunicação da ciência tanto por jornalistas quanto por cientistas. “Essa ferramenta [Science Pulse] é importante nesse aspecto, para ver o que está sendo discutido por fontes qualificadas, discussões em redes sociais baseadas em evidências científicas e que ainda não chegaram inclusive nos papers científicos”, afirma Ana Paula.

No começo do ano, trabalhos parecidos foram criados com o mesmo fim: dar mais visibilidade à produção científica nacional na mídia. A Agência Bori é um exemplo. A plataforma libera acesso antecipado (mas com política de embargos) aos artigos para jornalistas e sugere possíveis fontes especializadas para as matérias. Tudo isso para levar o conhecimento para fora da academia. Da mesma forma, o projeto Open Box da Ciência tem o objetivo de aumentar a seleção de mulheres cientistas como fontes para jornalistas.

Diante da grande demanda por entrevistas com especialistas, informações de qualidade e combate à desinformação sobre a Covid-19, iniciativas como essas aproximam ciência, mídia e sociedade trazendo benefícios que devem durar muito além da pandemia.

Sequelas em pacientes recuperados de Covid-19 podem persistir por longo período

De fadiga crônica a efeitos no sistema nervoso como dores de cabeça e problemas de memória, cerca de dois terços dos pacientes que tiveram a forma moderada da doença precisam de acompanhamento a longo prazo

Por Eliane Comoli

Desde o primeiro caso oficial de Covid-19 na China em dezembro de 2019 pesquisadores buscam desvendar o mecanismo de ação do Sars-CoV-2 (novo coronavírus) que ataca diversos órgãos além dos pulmões e provoca alterações na circulação, podendo levar à morte não apenas por insuficiência pulmonar. O Serviço Nacional de Saúde de países em estágios mais avançados da pandemia, como o Reino Unido, acredita que diversas sequelas físicas, cognitivas e psicológicas devem persistir em pacientes da Covid-19, principalmente as respiratórias se seguirem os padrões de SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave) e MERS (Síndrome Respiratória do Oriente Médio).

Publicações recentes nas revistas científicas New England Journal of Medicine e Brain documentam os sintomas neurológicos em pacientes com Covid-19. Variam de simples dificuldades cognitivas à confusão mental, além de dor de cabeça, perda de olfato e formigamento, assim como encefalites, hemorragia, trombose, AVC isquêmico, mudanças necróticas e Síndrome de Guillain-Barré, condições neurológicas nem sempre correlacionadas com a severidade de sintomas respiratórios. “O que mais impressionou os patologistas foram os sinais de isquemia e hipoxemia, mais que lesões inflamatórias. É extremamente intrigante e não sabemos porque o vírus causa tantos problemas neurológicos. A via olfatória é uma possível porta de entrada, mas não apenas ela justificaria os problemas psiquiátricos”, explica Clarissa Lin Yasuda, neurologista do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Patologistas avaliam lesões nos tecidos e órgãos e auxiliam no tratamento de casos graves. “Autópsias que realizamos nos últimos meses em pacientes diagnosticados com Covid-19 revelam que o vírus se espalha por vários órgãos como o coração e rins além dos pulmões e chega ao cérebro por meio do nervo olfatório”, disse Paulo Saldiva, patologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), durante a Reunião Anual Virtual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 13 de julho. Segundo Paulo em muitos casos as alterações cardiovasculares acontecem mesmo quando o pulmão está mais preservado.

O comportamento do Sars-CoV-2 a longo prazo é um enigma preocupante. O vírus varicella-zóster que causa a catapora, por exemplo, pode ficar inativo na medula espinhal por anos e reativar em situação de imunidade baixa provocando a herpes-zóster (cobreiro). Clarissa comenta dois casos de pacientes já recuperados da Covid-19, desde abril, que voltaram a ter sintomas em julho quando testaram novamente positivos no RT-PCR, teste usado ​​para análise da expressão gênica e quantificação do RNA viral. “Não estão com alterações neurológicas, mas com sintomas da Covid-19. Os infectologistas não sabem se eles se contaminaram novamente com o Sars-CoV-2 ou com outro vírus não detectado, ou se o Sars-CoV-2 ficou alojado no tecido. É impossível dizer pois não se sabe se as pessoas desenvolvem ou não imunidade a esse vírus”, alerta a neurologista.

Apesar do impacto do Sars-CoV-2 nos pulmões ser precedente e assustador, impactos duradouros no sistema nervoso podem ser maiores e até mais avassaladores devido à difícil regeneração do tecido nervoso podendo resultar em incapacidades gerais já que o sistema nervoso coordena as funções do organismo como um todo.

Rastros da Covid-19

No Brasil há mais de 1,6 milhão de recuperados da Covid-19. O Sistema de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde aponta que 50% dos pacientes mais graves sobrevivem. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) a chance de sequelas aumenta em pacientes graves que tiveram permanência prolongada em UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e necessidade de usar aparelhos respiradores. A recuperação pode levar de três a seis semanas ou mais.

Muitas podem ser as complicações pós-intubação decorrentes da intubação (respiração artificial) prolongada seguida de traqueostomia (procedimento que facilita a chegada de ar aos pulmões quando há obstruções), sendo os mais comuns danos laríngeos como lesões nas cordas vocais e estreitamento da laringe, e traumas nas vias aéreas. Podem causar prejuízos à vocalização, à respiração e à deglutição.

Luciana Castilho de Figueiredo, supervisora da fisioterapia da UTI do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp, enfatiza a necessidade de reabilitação multiprofissional e interdisciplinar dos pacientes pós-Covid-19 graves, envolvendo fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, nutricionistas e outros. “Sintomas como a perda de paladar e olfato já eram sinais de algo muito sério em relação ao hábito alimentar e agrava-se mais por causa da disfagia (dificuldade de engolir) decorrentes da intubação prolongada e traqueostomia”. Alterações da deglutição não tratadas adequadamente; podem acarretar em desnutrição, desidratação, broncopneumonia e até levar à morte. “Falar e comer fazem parte de hábitos de felicidade, faz parte do que é digno para as pessoas”, salienta a fisioterapeuta.

Processos embólicos podem ocorrer no desmame da ventilação mecânica ou devido à resposta inflamatória exagerada. Pequenos coágulos se desprendem e são transportados pelo sangue até vários órgãos onde podem obstruir vasos e impossibilitar a oxigenação das células. As consequências podem ser embolia pulmonar, tromboses, ataques cardíacos e AVC isquêmico (acidente vascular cerebral). “Um AVC isquêmico pode gerar uma infinita quantidade de comprometimentos como a paralisia de movimentos e perda da fala”, enfatiza Luciana.

“Percebemos uma polineuropatia (distúrbio dos nervos) que aparece de forma muito aguda, rápida e grave englobando fraqueza muscular e perda muscular e da motricidade”, comenta a fisioterapeuta. Pacientes menos graves estão manifestando desenvolvimento gradativo de sinais da polineuropatia: sensação de formigamento e dormência, dor semelhante à queimação e incapacidade de sentir vibrações ou a posição dos membros e das articulações. Foi o que relatou Alessandra Alday, 48 anos. “Há dois meses tive os primeiros sintomas da Covid-19 e ainda sinto fraqueza, dores musculares no corpo e forte indisposição, como uma fadiga crônica. Só depois vieram as sensações de formigamento e peso nas pernas. O médico suspeita de desordem neurológica periférica semelhante à Síndrome de Guillain-Barré”, revela Alessandra que testou positivo para a doença em maio.

Luciana salienta que a intervenção fisioterapêutica tem um impacto muito grande na reabilitação do paciente Covid-19 grave. “Visa fazer o paciente reaprender a respirar sozinho de forma espontânea e segura, pois só assim ele poderá sair da UTI para a enfermaria. Auxilia na mobilização precoce ao longo da internação com finalidade de auxílio no deslocamento. Nas sequelas respiratórias persistentes e que não evoluírem para fibrose (substituição do tecido pulmonar funcional por tecido não funcional, cicatriz) acentuada com dependência de oxigênio, a fisioterapia na reabilitação cardiovascular que envolve uma adaptação fisiológica ao exercício é fundamental”.

Por quanto tempo persistirão?

O cenário ainda é obscuro e será necessário o monitoramento das complicações nas vítimas da Covid-19. O HC-Unicamp avalia implementar um programa de telemedicina e telereabilitação. “O primeiro passo seria avaliar o prejuízo respiratório demonstrado pela fadiga na prova de função pulmonar, seguido de um programa de reabilitação individualizado em que o paciente pudesse receber um kit com um dispositivo de comunicação, um exercitador respiratório e um programa de atividade que ele possa fazer em casa”, informa a fisioterapeuta.

Dados preliminares coletados pela neurologista Clarissa através de questionário on-line apontam que cerca de 67% dos pacientes recuperados da Covid-19 sem internação apresentam algum sintoma neurológico persistente: fadiga crônica (30%), problemas de memória (25%), perda de olfato (20%), dores de cabeça (15%) e perda de paladar (10%). Apenas 33% se consideram sem sintomas. “É muito grave dizer que apenas 33% se consideram saudáveis e sem sintomas, sendo que nenhum desses pacientes foi internado. Imagine a situação dos pacientes graves como será”, enfatiza Clarissa.

O Laboratório de Neuroimagem do HC-Unicamp, associado ao Cepid Brainn (Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia vinculado ao programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fapesp) realizará um estudo de ressonância magnética em pacientes com quadros neurológicos pós-Covid-19 e que tiveram alterações neurológicas na fase aguda, em pacientes com poucas alterações neurológicas ou apenas alterações do olfato e paladar, e nos assintomáticos do ponto de vista neurológico. “No processamento de imagem conseguimos detectar alterações cerebrais sutis. Minha hipótese é que o vírus poderia causar alterações estruturais ou mesmo da função cerebral, ou até algum grau de atrofia”, explica a neurologista. O acompanhamento desses pacientes permitirá avaliar o impacto do Sars-CoV-2 no sistema nervoso a longo prazo.

Atualmente, o Brasil perdeu mais 82 mil brasileiros para a Covid-19 e há mais de 1,6 milhão de recuperados, dos quais boas parte poderá ainda precisar de cuidados médicos. “É difícil falar sobre as marcas da Covid-19. A quantidade de mortes é um impacto que não tem tamanho. O negacionismo da ciência e descuido com as vidas me impressiona. Senti tristeza, desânimo, medo de transmitir o vírus para a minha família, medo de morrer ou ter sequelas. Estou aprendendo uma nova forma de viver curtindo minhas flores e redescobrindo pequenas coisas que me dão alegria. A perspectiva de ressignificação me dá esperança. Aqui tem vida e ela está florescendo”, refletiu esperançosa Alessandra Alday.

Tecnologias de manipulação genética são aposta no combate às epidemias

Por Daniel Pompeu e Vinícius Nunes Alves, editado e revisado por Germana Barata

Uma das técnicas mais promissoras no combate à Covid-19 e a outras epidemias é a  “tesoura genética” que edita material genético de vírus e bactérias

 Manipulação genética. Imagem: Freepik

Lab-19, projeto de divulgação científica de um grupo de alunos do curso de especialização em jornalismo científico do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Labjor-Unicamp), engajados, como tantos, em contribuir para a disseminação de informações corretas e confiáveis sobre a epidemia de Covid-19 para públicos diversos. Ambos os autores são membros do Lab-19. Continue lendo Tecnologias de manipulação genética são aposta no combate às epidemias