Por Carolina Medeiros
O canabidiol (CBD) é um medicamento feito a partir da planta da maconha, Cannabis sativa, que atua no sistema nervoso central, ajudando a tratar doenças psiquiátricas ou neurodegenerativas, como esquizofrenia, mal de Parkinson, epilepsia ou ansiedade. Feito a partir de substâncias selecionadas da planta, o remédio não causa vício, dependência ou alterações psicológicas e, por isso, pode ser utilizado de forma segura durante os tratamentos.
De acordo com Sandra Cerrato Tibiriçá, médica pediatra da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o que se sabe até o momento sobre os efeitos farmacológicos é que desempenham funções relevantes sobre a memória, o cerebelo (coordenação) e o hipotálamo (importante no controle do apetite e da temperatura corporal). Em outras palavras, pode-se dizer que o uso do canabidiol é positivo para as funções cognitivas.
Apesar de alguns estudos já terem comprovado os efeitos citados pela pediatra, existe uma enorme polêmica em torno do uso desse tipo de substância, uma vez que seu uso é associado diretamente ao consumo e dependência que a maconha provoca no organismo. Por conta disso, Sandra explica que os efeitos causados pelo uso da droga são diferentes, dentre os principais estão taquicardia, vasodilatação (particularmente marcante nos vasos da esclera e da conjuntiva, produzindo um aspecto de congestão sanguínea característico dos fumantes da droga), redução da pressão intraocular e broncodilatação.
Apesar dessa polêmica, existe consenso em relação à necessidade de se investigar ainda mais o efeito terapêutico do CBD, em função do potencial de ação ansiolítica, analgésica, anti-inflamatória, anticonvulsivante e antioxidante. Isso tem gerado um crescimento no número de estudos acerca dessa substância. Porém, em janeiro deste ano a Anvisa autorizou o registro do primeiro medicamento à base de canabidiol a ser produzido no Brasil. O Mevatyl é indicado para tratamento de adultos com esclerose múltipla. O medicamento já era aprovado em outros 28 países, como EUA, Canadá e Alemanha, onde é comercializado em forma de spray oral, e com o nome de Sativex (nabiximols).
Até o momento do primeiro registro, os pacientes brasileiros só tinham acesso aos remédios através de uma solicitação à Anvisa, através de um formulário no site da agência, onde está disponibilizada também a lista com os 11 medicamentos importados a que se tem acesso no país. Somente em 2015, a Anvisa recebeu 1.449 pedidos de uso do canabidiol no Brasil, dos quais 1.279 foram aceitos.
Alguns estudos com canabidiol
Ao todo, no Brasil 38 estudos controlados foram realizados para definir a eficácia do uso do canabidiol em tratamentos médicos. Segundo Gregory Carter, diretor médico do Instituto de Reabilitação de Saint Luke, nos Estados Unidos, ele é extremamente indicado para qualquer doença que cause inflamações, espasmos, distúrbios do sono e disfunções intestinais pois ajuda no alívio de dor e traumas cirúrgicos.
No Departamento de Gerontologia (DGero) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o professor Marcos Hortes orientará uma pesquisa que analisará os efeitos do canabidiol no combate à ansiedade em pacientes acometidos pelo Parkinson (caracterizado, principalmente, por prejudicar a coordenação motora e provocar tremores e dificuldades para caminhar e se movimentar), doença progressiva do sistema neurológico que afeta principalmente o cérebro de pessoas na terceira idade.
De acordo com Hortes, pesquisas anteriores já apontaram para o efeito neuroprotetor do canabidiol em idosos com Parkinson, uma vez que houve registro de relatos de melhora na qualidade de vida, do sono, de sintomas de depressão e ansiedade. O diferencial da pesquisa a ser realizada na UFSCar é que se trata de um estudo que irá analisar se a substância pode reduzir os tremores que acometem esses pacientes. Um efeito que é potencializado em caso de pacientes que, além do mal de Parkison, sofrem de ansiedade.
Já o campus da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto irá inaugurar ainda este ano o Centro de Pesquisas em Canabinoides, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP). O projeto, pioneiro no país, será um local voltado para pesquisas e desenvolvimento de medicamentos contendo canabidiol. O projeto tem ligação direta com o Departamento de Saúde Mental da faculdade e terá como primeiro estudo um teste envolvendo 120 crianças e adolescentes que sofrem de epilepsia.
Em entrevista ao Jornal da USP, o professor Antonio Waldo Zuardi, do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da FMRP e coordenador do centro, ressalta que a “a comunidade científica vem creditando ao CBD grandes possibilidades terapêuticas, com muitas pesquisas em fases pré-clínicas (testes em laboratórios)”. Segundo o professor, espera-se que, com esse novo centro, aumentem os estudos colaborativos e os pesquisadores possam levar rapidamente resultados desses conhecimentos para a sociedade, “com redução de sofrimento e melhora da qualidade de vida de pacientes e suas famílias”.
As principais doenças tratadas com canabidiol
Câncer – São duas as substâncias encontradas na maconha que podem contribuir no tratamento do câncer e, principalmente, combater os efeitos adversos das sessões de quimioterapia: o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabidiol (THC). Apenas o CBD encontra-se legalizado no país mas é ele o maior responsável pelo combate ao mal-estar provocado pelo tratamento intensivo e, diferente do THC, não carrega tantos malefícios. A quimioterapia é um tratamento invasivo e acaba por provocar muitas dores, enjoos, náuseas e mal-estar generalizado em seus pacientes. Remédios com base em canabidiol já são muito utilizados em países como Estados Unidos e Canadá no combate a esses efeitos adversos, permitindo que os pacientes na luta contra o câncer possam viver de maneira mais confortável durante o período de tratamento.
Esclerose múltipla – A esclerose múltipla é uma doença crônica inflamatória que compromete o funcionamento do sistema nervoso. Costuma acometer pessoas jovens e seus surtos surgem na forma de fortes espasmos musculares, dor e mal funcionamento da bexiga e intestinos. Acredita-se que remédios com base em canabidiol auxiliem no alívio da dor e na diminuição dos espasmos.
Ansiedade e fobia social – Estudo realizado pela USP de Ribeirão Preto (SP) revelou que uma dose de 600 miligramas da substância provoca uma sensação de “segurança” em pacientes com fobia e crises de ansiedade. Isso acontece porque a substância consegue atuar no organismo de forma que amortece os sinais de estresse no cérebro.