Por Carolina Sotério
Referência no estudo da divulgação científica, o professor e ombudsman da Universidade de Cornell, Bruce Lewenstein, fala sobre as tensões entre ciência, mídia e sociedade em meio à crise da Covid-19.
[Imagem: Barker]
A epidemia de covid 19 fez com que a ciência ficasse no centro das atenções. Podemos dizer que a pandemia mudou de alguma forma os papéis dos cientistas na comunicação pública da ciência?
Acho que não. Claramente houve uma mudança de volume, e coisas que costumávamos ver apenas ocasionalmente, como um mal-entendido ou opinião conflitante, passou a estar mais em destaque. Na pandemia vimos muito mais alguns desses problemas.
Outra coisa que pode ser nova são as pessoas. Há escritores experientes de ciência e saúde que trabalham com o tema há 5, 10, 20 anos, mas sempre tem gente nova entrando no campo. E especialmente quando há algo como a pandemia, muitas pessoas novas entram na área – e com menos experiência.
A pandemia evidenciou muitos problemas de comunicação, desde a disseminação de desinformação baseada em pré-prints até a retratação de artigos publicados por periódicos de prestígio. Que medidas os jornalistas e cientistas podem tomar para equilibrar a necessidade de velocidade com a importância da precisão e verificação?
É um problema difícil porque tanto na ciência quanto no jornalismo existem incentivos para ser o primeiro, e não há nenhuma maneira real de contornar isso — todo mundo tenta, mas é incrível como o problema sempre volta.
Deveríamos ter uma melhor compreensão de que ser o primeiro não necessariamente significa estar certo — e esse é o preço de ser o primeiro. Por exemplo, é publicado um artigo e depois outro e eles não concordam entre si. E não é até o terceiro e o quarto artigo saírem que você decide “tudo bem, este é o que provavelmente faz mais sentido”. A maioria das pessoas não entende a natureza coletiva da ciência. O processo real não é o método dedutivo-hipotético, mas o fato de que há erros, ego e incentivos para ser o primeiro. Tudo isso é importante para saber que há coisas como o chamado “efeito gaveta”, que se refere ao ato de se fazer um experimento e, se os resultados não forem interessantes, o trabalho é guardado sem ser publicado. Isso significa que ninguém mais saberá que fazer tal experimento não será um sucesso – e esse é um dos desafios da ciência. Se tivéssemos histórias sobre esses processos e uma melhor compreensão dos percalços da ciência, isso seria melhor entendido quando houvesse problemas de precisão ou retratação.
Essa falta de compreensão contribui para o declínio da confiança pública na ciência? Como podemos enfrentar essa complexa crise de confiança?
A confiança não só nos cientistas caiu, mas em tudo. É uma questão de confiança entre diferentes grupos em nossa sociedade, isto é, em qualquer governo ou instituição. E temos que ter cuidado para não ouvir algumas pessoas barulhentas que dizem que o “céu está caindo”.
As pessoas não entendem que retratações são normais. Fazer ciência é um trabalho árduo e há erros envolvidos. Erros acontecem na fabricação de automóveis e onde os carros são recolhidos, ou na carpintaria quando percebemos que nosso sofá não teve o madeiramento montado como deveria. A ciência não é diferente, também erra. Um dos problemas é que cientistas têm tanta certeza de que têm a melhor maneira de abordar o mundo que se apresentam como melhores do que todos os outros. Mas as pessoas não são estúpidas, veem os erros, e aí surge a desconfiança. Mas se os cientistas fizerem um bom trabalho e reconhecerem quando cometem erros, as pessoas podem ver isso como parte do processo de todas as ciências, e as coisas começam a ficar mais naturalizadas.
Como construir relações mais fortes entre ciência, mídia e sociedade? Como esses grupos podem trabalhar para construir um público mais informado e engajado?
Muito do que o público lê não passa pela mídia tradicional. Cientistas possuem blogs, contas no Twitter, Instagram, TikTok e suas publicações vão direto para o público. Isso coloca uma responsabilidade para que sejam cuidadosos com o que divulgam. Há evidências de que muita informação equivocada não vem necessariamente de jornalistas, mas sim de cientistas e instituições científicas. Temos que ser cuidados e reconhecer os desafios existentes nesse processo.
Uma coisa que especialmente os cientistas podem fazer é se envolver mais em suas comunidades, seja dando palestras em suas igrejas locais, no centro comunitário, ou no clube de futebol, pois assim se tornam parte da comunidade. Isto é envolver-se com o público de uma forma que leve ao diálogo aberto — e a mídia pode fazer parte disso também. É nessa conversa que você constrói a confiança, mas não é uma solução rápida.
Quais foram as lições mais importantes aprendidas com a pandemia sobre a comunicação pública da ciência?
A primeira lição é que a comunicação pública é fundamental para produzir conhecimento confiável sobre o mundo natural, que é o que chamamos de ciência. No caso dos pré-prints, o processo de descobrir que alguns pesquisadores estavam errados foi mais rápido, e às vezes até mesmo o público levantava questões do tipo “espere um segundo, este artigo não concorda com este outro artigo. O que está acontecendo?”.
Esse processo público e aberto da ciência é, na verdade, parte do processo de decidir qual conhecimento é mais confiável. Isso significa que o erro e outras coisas que vieram a público são um problema, claro, mas também é verdade que obtivemos respostas mais rapidamente. O desenvolvimento das vacinas no espaço de um ano é praticamente inédito, mas se deu, em parte, porque havia dados sobre os quais as pessoas podiam falar a respeito. Portanto, acho que uma de nossas lições fundamentais é reconhecer a importância dessa discussão pública para o progresso da própria ciência.
A segunda lição é que vimos como o conhecimento científico é crítico para nossa sociedade moderna. Não vamos solucionar as mudanças climáticas, pandemias ou insegurança alimentar sem usar a ciência — e a pandemia nos mostrou isso.
Algum outro ponto?
Uma das questões que levanto é sobre onde as pessoas deveriam obter esse tipo de conhecimento, isto é, aprender sobre a verdadeira maneira como a ciência funciona. Algumas dessas formas deveriam ser por meio de histórias na mídia. Outras poderiam ser cientistas em suas contas de redes sociais mostrando todos os erros que cometem – e como isso faz parte do processo.
Para isso temos que olhar para o sistema educacional desde o ensino básico e pensar um pouco diferente sobre como ensinamos ciência. Nos Estados Unidos há muitos anos há um esforço para ensinar ciência de forma que tenhamos bons cientistas. E essa não é necessariamente a melhor maneira de ensinar ciência para pessoas que não serão cientistas. É necessário entender mais sobre essa complexidade do processo porque quando há uma pandemia, ou surge uma questão importante, isso exige uma grande mudança, requer realmente repensar o modo como ensinamos. Este não é um problema limitado à mídia ou redes sociais, envolve também a educação, que é uma das nossas maiores instituições sociais. É uma solução de longo prazo.
A curto prazo, como os cientistas estão mais dispostos a aparecer em público, têm que aprender o que será útil divulgar nas redes e reconhecer esse vínculo com a educação.
Carolina Sotério é química (USP), especialista em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp e doutoranda em comunicação pública de ciência e tecnologia (USP/Cornell).