Por Marcos Vinícius R. Ferreira
Missões espaciais Aldebaran-I e AlfaCrux são atuais estudos que desafiam as fronteiras de nossa produção acadêmica.
Os satélites vêm se tornando cada vez mais compactos, leves e de fácil produção, surgindo as classificações de micro, nano ou mesmo picossatélites. Esses pequenos dispositivos chegam a ser mais de mil vezes menores que os satélites convencionais – que podem pesar toneladas. Isso significa que muitos pequenos satélites colocados em órbita ao redor da Terra ajudam em diversas medições e coleta de informações, transmissão de dados, triangulação de áreas geográficas, análise climática, fiscalização de áreas de preservação, telecomunicações, entre muitas outras aplicações.
O Brasil tem destaque frente a essa tendência de miniaturização, com a criação de nanossatélites. Esses pesam entre 1 e 10kg, e comumente seguem um padrão chamado cubesat (do inglês, “satélite cubo”). Essa arquitetura foi primeiro proposta em 1999 por uma colaboração entre professores da Universidade Politécnica do Estado da Califórnia e Stanford. Desde então, tem sido muito explorada por seu baixo custo.
Segundo Carlos Brito Júnior, professor do curso de engenharia aeroespacial da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), “pode-se pensar que um cubesat é mais fácil de montar e controlar por conta do tamanho diminuto. Mas você está trabalhando ali com pelo menos uns três subsistemas que precisam se comunicar entre si, e também operar em conjunto para gerar um bom resultado. Então não é que você simplesmente vai conectar alguns cabos e vai funcionar”.
Brito Jr. também coordena o projeto Aldebaran-I, de desenvolvimento de um nanossatélite na UFMA. Segundo ele, “o projeto surgiu em 2020 quando a agência espacial brasileira se reuniu com os coordenadores dos cursos de engenharia espacial do país”, e o nome foi uma maneira de fazer referência à cultura do Maranhão. “Aldebaran é uma estrela que aparece em algumas constelações regionais, e está na ‘testa’ da constelação de touro. Isto representa a festa do Bumba meu Boi”, disse em entrevista.
O professor explica que “todo satélite ou artefato espacial carrega uma missão”. Assim, a missão do Aldebaran-I é a de providenciar “um sistema de satélites para resgate de pequenas embarcações”. Brito Jr. contou que próximo à São Luís, no município de Raposa, existem muitos pescadores. “É comum que barcos sofram algum naufrágio, já que várias são embarcações artesanais feitas de madeira e pequenas” afirmou.
Assim, como os pequenos pescadores não têm condições de ter um rastreador ou um localizador em seus barcos, os pesquisadores envolvidos no projeto Aldebaran-I pensaram que seria possível fazer um resgate, ou pelo menos ajudar na localização dessas embarcações em casos de acidentes.
“O nosso dispositivo de transmissão é em nível de rádioamador, ou seja, qualquer radioamador no mundo que visualizar o nosso satélite pode fazer um sinal. Ele está codificado de uma forma que o satélite consegue entender que é um pedido de socorro, e assim vai retransmitir a mensagem para alguma autoridade competente, de forma que o salvamento ocorra da maneira mais rápida possível”, contou o coordenador.
O processo de desenvolvimento desse nanossatélite é extenso. O pesquisador conta que foram feitos vários experimentos do tipo spin-offs (testes independentes). “Fizemos dois lançamentos, um em forma de sonda estratosférica, que é justamente um balão. Tentamos a transmissão até as nossas antenas – que os próprios alunos construíram em sala de aula. Eles conseguiram captar o sinal na antena, e também coletar dados de pressão e de altitude. Outro foi feito lá em Raposa utilizando um barco de turismo que enviava um sinal para o que seria o receptor do nosso satélite, posicionado em um local alto”. O Aldebaran-I está passando por suas últimas revisões e testes e seu lançamento está previsto para este ano.
AlfaCrux
Segundo Renato Alves Borges, coordenador da missão AlfaCrux, esse grande projeto sediado na Universidade de Brasília (UnB) começou há quase 10 anos. “Primeiro foi desenvolvida uma estrutura em laboratório para pensar e conceber missões espaciais de pequeno porte, especificamente com nanossatélites”.
Ele também conta que foram realizados testes preliminares com balões estratosféricos. “O que é interessante nesses voos são duas variáveis bem críticas: pressão e temperatura. Você começa a lidar com algumas funcionalidades e pode estar conectado com outros sistemas de apontamento”, comentou.
Assim surgiu a missão AlfaCrux, com parceria da Fundação de Amparo à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF). O lançamento do satélite foi realizado em abril de 2022, e “hoje, o que está sendo testado do ponto de vista tecnológico são sistemas de coleta de dados e retransmissores de informação”, afirmou Borges.
O AlfaCrux sobrevoa o Brasil em média duas vezes por dia e, nesses momentos, “as medidas de todos os subsistemas permitem ilustrar e complementar as pesquisas de liderança de sistemas e controle de atitude, determinação e controle da orientação desse objeto em rota” mencionou o professor em entrevista. Além disso, o pesquisador comenta que: “consideramos a nossa missão um sucesso completo pois conseguimos colocar o satélite em órbita, operá-lo e ter o total controle sobre os seus dispositivos”.
Uma das pesquisas feitas por esse nanossatélite chama a atenção, pois busca analisar o fenômeno de cintilação ionosférica. “A cintilação ionosférica ocorre em uma camada da atmosfera na qual a propagação de uma onda eletromagnética pode sofrer alterações quando o sinal atravessa ‘bolhas’ no plasma (uma bolha no plasma é uma variação de densidade) fazendo ela difratar”, explicou o professor.
Essas flutuações podem atrapalhar o canal de comunicação com o satélite, gerando problemas nos serviços que dependem dessa tecnologia. Isso é ainda mais crítico para os brasileiros porque “a cintilação ionosférica é mais predominante nas regiões de baixa latitude (próximas à linha do Equador) como a nossa região tropical. Isso tem a ver com a física do clima espacial e com fenômenos solares “, diz Borges.
Assim, ele defende que desenvolver maneiras de contornar esse problema da cintilação é essencial para a área, em especial no Brasil. “Os grandes players no cenário espacial estão localizados em países de certas latitudes que não sofrem tantas interferências (altas latitudes, longe da linha do Equador), enquanto os países em baixas latitudes, como o Brasil, precisam lidar mais com essa questão. Por isso este é um estudo crítico pra gente”.
Com o sucesso da missão, o coordenador da missão AlfaCrux contou que “um desdobramento da nossa missão será o monitoramento de ativos estratégicos via satélite na região amazônica, em parceria com a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e com o Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa)”.
As implicações do advento dos nanossatélites
Ambos os professores consultados destacaram os benefícios dos pequenos satélites. Para Borges, a tendência de miniaturização é “muito natural, não diferente do que a gente já experimentou em outros segmentos tecnológicos como nos computadores ou celulares”. De forma parecida, Brito Jr. explica que “a proposta dos nanossatélites é reduzir os custos fazendo a mesma coisa que os satélites grandes”.
Conseguir trazer soluções de forma compacta é um avanço, por gerar uma produção em escala mais rápida e mais barata, uma demanda constante do setor de comunicação e transmissão de dados. Além disso, outros aspectos positivos destacados por Borges foram a “mobilidade, praticidade, além de fazer a cadeia produtiva evoluir. E claro, os nanossatélites dão acesso ao espaço”.
Todavia, também apontaram para os problemas associados ao crescimento da quantidade de satélites em órbita. “Começa a ser uma questão ambiental, a poluição. Vai chegar a um ponto em que não será possível colocar mais nenhum satélite em órbita. Tem que lembrar que eles estão se movimentando, têm suas trajetórias. Hoje são necessárias soluções no campo do direito espacial, como normas em cima dessas questões”, disse o professor da UFMA, Brito Jr.
Marcos Vinícius Ribeiro Ferreira é formado em ciências exatas (USP) e cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp).