Por Luciane Borrmann
Praticar a leitura faz bem à imaginação, à memória e aos neurônios.
Um livro, um contador de histórias e um grupo de pessoas. Como isso pode influenciar a vida e a saúde de um indivíduo? Uma história ao ser lida, narrada ou dramatizada pode fazer surgir vários sentidos nas pessoas, estimular emoções, aliviar angústias pessoais, promover a empatia e identificação com os personagens, ver as coisas de outra maneira. As palavras têm o poder de transformação, tem conteúdo e significado, estruturam as nossas ideias e ajudam a desenvolver a nossa história como indivíduo. A leitura produz pensamento, gera oportunidades, aproxima pessoas e dá dignidade ao ser humano.
“A leitura é imprescindível para escrever, para interpretar e ser cidadão, entender o que está acontecendo no seu dia a dia, no universo”, diz Danielle Thiago Ferreira, bibliotecária e diretora técnica de serviços da Biblioteca da Área de Engenharias e Arquitetura da Unicamp. “A leitura traz esse tipo de perspectiva, de a pessoa se entender como cidadão do mundo. É ponto de partida para se compreender como gente e ter consciência do todo.”
Ler é um exercício para o cérebro que estimula novas ligações neurais, as sinapses, e pode ajudar a evitar algumas doenças degenerativas como Alzheimer. Para Danielle, quando se adquire o hábito de ler, independente do que for, da quantidade ou do tamanho do texto, o leitor sai do seu mundo, entra na história, e tudo isso requer mais da imaginação.
Quando a leitura tem a função terapêutica é conhecida como biblioterapia, que é uma forma de contar histórias com o objetivo de mobilizar as atividades dos leitores, ouvintes ou espectadores na tentativa de fazer surgir as emoções e apaziguá-las como uma catarse, além de proporcionar a identificação com as personagens ficcionais e ainda permitir a realização de uma introspecção. Segundo a docente Clarice Fortkamp Caldin, do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), doutora em literatura e autora do livro Biblioterapia – Um cuidado com o ser, a biblioterapia é uma forma de dar atenção ao desenvolvimento do ser mediante a contação de histórias.
A terapia com livros é uma técnica de aconselhamento realizado por um grupo de profissionais – psicólogo, educador, bibliotecário ou assistente social – e é conduzida baseada em comentários de leitura e avaliação dos resultados. A palavra só tem efeito terapêutico quando há seleção de livros e a prescrição é de acordo com as necessidades do ouvinte. Portanto o terapeuta prescreve material específico para dar assistência a uma pessoa, ou um grupo de pessoas, na solução de seu problema específico, além de entender como esse material pode ser impactante. O método biblioterapêutico baseia-se em seis componentes básicos: a catarse, o humor, a identificação, a introjeção, a projeção e a introspecção. Há todo um processo que envolve aspectos da terapia, como ter o primeiro contato e entender o que aplicar e depois como trabalhar o feedback dessa leitura.
Caldin, da UFSC, diz que “esse diálogo é bem proveitoso no sentido de compartilhar sentimentos, tristezas ou alegrias e isso é terapêutico. Sem constranger o público, tenta-se estabelecer uma conversa em que todos se sintam à vontade e exponham suas ideias, seus pontos de vista, fortalecendo a relação de amizade do grupo”. No grupo também é exercitado o acolhimento da diversidade.
Há dois tipos de biblioterapia, as quais Clarice faz questão de distinguir: a clínica e a de desenvolvimento. A biblioterapia clínica se preocupa com a doença e é aplicada por psicólogos. O público que recebe esse cuidado é bem variado: crianças de creche, de idade escolar, de casas de passagem, jovens, adultos, idosos. Os locais também são variados como hospitais, unidades escolares, asilos, empresas, condomínios, prisões, bibliotecas etc.
Já a biblioterapia de desenvolvimento busca aliviar angústias pessoais, estimular emoções, promover o diálogo. Assim, não se fala em pacientes. É aplicada por bibliotecários, professores e procura integrar e harmonizar as dimensões sensoriais, afetivas e sociais do ser humano. O cuidado do aplicador dessa modalidade de biblioterapia se manifesta na criação de um ambiente caloroso, de respeito às individualidades e sentimentos e na procura do restabelecimento do conforto psico-físico-social de todos e de cada um individualmente. É muito importante o diálogo após a história como meio de combater o desânimo e aumentar a autoestima das pessoas.
Geralmente a terapia com livros é realizada em grupos, mas também é muito comum a biblioterapia solitária, quando o leitor elege determinado livro como uma ajuda para lidar com seus problemas, para encontrar uma solução para eles, de forma inconsciente ou não.
A literatura possui a capacidade de funcionar como terapia mas não se pode dizer que todo livro é terapêutico. A leitura, a narração e a dramatização de um texto literário possuem desdobramentos terapêuticos que atuam no receptor de maneiras diversas, dependendo do momento, das circunstâncias e dos problemas que esse receptor está vivenciando. Por isso Caldin enfatiza que não é seguro organizar uma lista pronta de livros que se aplique a todos. Uma história que permite elaborar de maneira positiva eventos traumáticos para uma pessoa pode não ter esse mesmo efeito em outra pessoa.
Qualquer ato impensado, palavras duras, preconceitos, podem provocar ou instigar a violência, intolerância e depressão. A literatura não fica imune a isso. Por esse motivo, quando a biblioterapia é aplicada em grupo, o ideal é selecionar textos leves como crônicas, em que o humor predomina.
É bom ressaltar que livros de autoajuda não são literários, portanto não são recomendados na biblioterapia. E a terapia com livro não exclui medicamentos e terapias convencionais.
A contação
Os livros são aplicados para diferentes situações e faixas etárias. Há certos livros que cativam por suas histórias de ficção, romances, contos, poesias e que tocam profundamente. “A literatura tem esse poder de encantar, de seduzir pela palavra, pelo enredo, pelo desfecho, pela conduta das personagens. A metáfora presente na efabulação permite interpretações diversas, o que é terapêutico, pois lemos na história o que gostaríamos que tivesse acontecido de fato” afirma Caldin. “Cada leitura é uma releitura, uma retomada – por esse motivo cada vez que lemos a mesma história vemos coisas diferentes nela e sentimos coisas diferentes também, dependendo de nossas expectativas ou lembranças.”
Elaine Villalba de Moraes, psicanalista e biblioterapeuta, trabalhou durante sete anos como voluntária de uma ONG contando histórias em hospitais. Atualmente também forma contadores. Para ela, o papel de um contador de história, de um mediador é ficar atento para que as pessoas continuem a extrair o que realmente aquela história está querendo dizer. “Quando a história é montada em cima de fantasia, conto de fadas, ficção, fábulas, não fica velha nunca. Ela guarda uma essência que é válida para sempre.”
Luciane Borrmann é jornalista e cursa especialização em jornalismo científico do Labjor/Unicamp