Por Luciana Rathsam
É preciso discutir as potencialidades e limitações de usos da tecnologia na educação
Imagem: Wynn Pointaux/Pixabay
As tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) tornaram-se onipresentes. Na educação, têm sido mobilizadas como ferramentas em práticas docentes e como meio para a aprendizagem. Mas é preciso identificar o papel que essas novas tecnologias podem desempenhar.
Proliferam-se no mercado ofertas de aplicativos, softwares, plataformas de aprendizado e sistemas de ensino virtuais. Entre 2017 e 2018, enquanto o número de matrículas em cursos de graduação presencial diminuiu 2,1%, os cursos a distância apresentaram uma variação positiva de 17% conforme estatísticas do Censo da Educação Superior 2018 (Inep/MEC). Instituições particulares de ensino superior têm migrado seus cursos para a modalidade de ensino a distância (EAD) e alguns políticos defendem a generalização do EAD também para os anos iniciais de ensino. Mas o ensino mediado por tecnologia potencializa, de fato, a aprendizagem, ou garante o desenvolvimento de competências e habilidades socioemocionais necessárias para desenvolvimento integral dos estudantes?
“É preciso se preocupar com os rumos que a tecnologização da sociedade e a digitalização da realidade tendem a tomar no âmbito da formação das pessoas. E para isso, é preciso atentar para as bases afetivo-emocionais construídas na pequena infância, na infância e na juventude, dentro e fora das escolas”, afirma Florence Dravet, professora e pesquisadora da Universidade Católica de Brasília.
Tecnologias educacionais como ferramentas pedagógicas nas escolas
Em meio à pandemia, a possibilidade de acesso a aulas virtuais foi determinante para que milhões de estudantes dessem continuidade a seus estudos. Com efeito, na sociedade pós-industrial, a inclusão social demanda a inclusão digital e o uso de tecnologias educacionais como ferramenta pedagógica não pode ser ignorado. A compreensão e utilização de TDICs de forma crítica, significativa, reflexiva e ética é uma das competências gerais a serem desenvolvidas pelos estudantes, conforme preconiza a Base Nacional Comum Curricular, documento que define as aprendizagens essenciais para o ensino básico.
“As tecnologias digitais não têm condições de substituir o professor, mas podem servir para uma abordagem mais individualizada do ensino, de acordo com os interesses e necessidades de cada aluno, para ajudá-los a desenvolver competências condizentes com as demandas de uma sociedade digital. Penso que a educação no futuro deva caminhar nessa direção”, pondera José Armando Valente, professor do Instituto de Artes e pesquisador do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied) da Unicamp.
Um dos projetos de pesquisa de Valente relaciona-se aos sistemas socioenativos, que buscam ampliar a maneira como interagimos com as tecnologias digitais. A potencialização da aprendizagem, explica o pesquisador, não se dá por meio de programas ou softwares educacionais que se concentram na transmissão de informação. Em vez disso, a ideia é criar ambientes de aprendizagem baseados nas tecnologias digitais, de modo que as atividades mediadas por tecnologias sejam integradas às atividades disciplinares de sala de aula. Esses ambientes envolveriam, por exemplo, atividades de robótica ou a combinação de objetos tradicionais com ferramentas digitais de produção, como impressora 3D (educação maker), adotando uma metodologia pedagógica na qual o aluno assume o protagonismo, desenvolve produtos que podem ser analisados e compreendidos, em termos de conceitos e estratégias que foram utilizadas em sua produção, promovendo assim a construção de novos conhecimentos.
Dravet observa que os meios digitais de comunicação permitem oferecer tutores de aprendizagem individualizados, capazes de responder às necessidades da pessoa e, sobretudo, suas vontades e ansiedades. “Sabemos que cada pessoa tem formas próprias de aprender: racionalidade e emotividade são componentes que se conjugam no modo de aprender de cada um e são importantes fatores no sucesso ou fracasso da aprendizagem”. Mas o uso das tecnologias educacionais deve estar assentado em bases sólidas, no âmbito afetivo-emocional e no âmbito do saber viver, e essas bases são construídas por seres humanos. Portanto, defende a pesquisadora, não devemos tomar o rumo da subserviência à lógica das máquinas que atendem tão somente às aspirações econômicas de uma classe empresarial e seu discurso positivo e progressista, mas investir as ações educacionais no aumento da consciência das pessoas no âmbito individual e coletivo e na capacidade autorreflexiva que é própria da aventura humana no mundo.
Emoção, cognição e ensino a distância
Ainda que o EAD seja um segmento em franca expansão, essa modalidade levanta questões em relação à qualidade da formação e às consequências afetivo-emocionais do processo de aprendizagem em um ambiente virtual. E as dúvidas têm fundamento.
“É pouco provável que os políticos e setores econômicos que defendem a generalização do ensino a distância em todos os níveis estejam preocupados com as competências e habilidades afetivo-emocionais necessárias ao desenvolvimento das pessoas, infelizmente. Pesquisadores devem ter essa preocupação em mente ao pautar o assunto, porque todas as áreas de pesquisa produzem conhecimento e estão envolvidas com a questão de transformações na educação”, considera Dravet.
“Do ponto de vista tanto da neurociência quanto da psicologia, tem-se décadas de sólidas evidências acerca do papel imprescindível e insubstituível do contato humano e do convívio social nas diversas dimensões que compõe aquilo que se chama de aprender. Então, há poucas dúvidas de que o EAD não é capaz de substituir o ensino presencial sem perdas”, elucida Guilherme Brockington, pesquisador e professor do Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC.
De modo geral, as pesquisas sobre os impactos do EAD estão engatinhando e é provável que novos estudos surjam a partir do isolamento causado pela pandemia da covid-19. Há inúmeras evidências que as redes sociais apresentam efeitos deletérios na subjetividade, muitas vezes relacionados ao distanciamento emocional que vigora no mundo virtual, que culminam com comportamentos agressivos. A possibilidade desse mesmo distanciamento ser sentido no EAD é uma questão a ser tratada com seriedade e rigor, avalia Brockington, que em seu trabalho trata as emoções como parte essencial do desenvolvimento cognitivo no momento da aprendizagem.
Os benefícios da aprendizagem mediada por tecnologias são ainda desconhecidos, mas há evidências de seus efeitos deletérios. “De modo geral, não sabemos dos efeitos da tecnologia na aprendizagem de jovens e adultos, mas certamente os resultados não são tão bons como se propagam quando se trata de ensino infantil”, explica Brockington. Em uma pesquisa recente, dados de ressonância magnética evidenciam que a conectividade das áreas do cérebro que processam a leitura, considerando redes que processam os estímulos visuais, linguísticos e atencionais no hemisfério esquerdo do cérebro, era correlacionada positivamente com o tempo de leitura de livros impressos e menor com o tempo de exposição às telas digitais. Há também resultados que mostram que crianças na alfabetização aprendem mais palavras com uma professora ensinando de forma presencial do que crianças que assistem à mesma aula na tela de um computador.
“Não podemos ser ingênuos ao ponto de achar que essa pressão pela defesa do EAD por políticos e empresários não esteja fortemente ligada ao sucateamento do ensino público e ao crescimento vertiginoso das grandes corporações educacionais. São lucros bilionários, interesses enormes que levam cada vez mais a uma propaganda de desmerecimento do professor, da escola e das salas de aula”, considera Brockington.
Luciana Rathsam é bióloga formada pela Unicamp, com especialização em gestão ambiental pela USP. Aluna da especialização em jornalismo científico pelo Labjor.