Por Gabriela da Silva Zago
A propagação de memes é uma dinâmica típica das redes digitais. Tal qual um gene é transmitido, um meme se refere a uma ideia que é transmitida por imitação. Os sites de rede social fornecem três elementos essenciais para um meme enquanto replicador: longevidade, fecundidade e fidelidade das cópias.
O estudo das redes sociais na internet pode envolver a análise da estrutura e da dinâmica das redes. Ao se olhar para a estrutura, estuda-se a rede congelada no tempo – como se estruturam as relações sociais, quem é amigo de quem, quem mencionou quem em suas atualizações. Já o estudo das dinâmicas considera a rede em movimento – quais processos de interação podem ser observados, quem costuma falar com quem ao longo do dia, quais mensagens são repetidas com maior frequência. Enquanto a análise estrutural vai se basear principalmente em dados quantitativos, como no caso daqueles obtidos através da análise de redes sociais (Recuero, Bastos & Zago, 2015), a análise das dinâmicas envolve principalmente dados qualitativos. Neste artigo, focamos nas dinâmicas que podem ser observadas nas redes sociais na internet e no principal “motor” dessas dinâmicas – o capital social.
Dinâmicas nas redes sociais
O conceito de dinâmica está relacionado aos comportamentos coletivos que podem ser observados numa determinada rede social. Para a pesquisadora Raquel Recuero (2009), o capital social, conceito que será detalhado a seguir, seria o motor dessas dinâmicas. Algumas dinâmicas passíveis de serem observadas nas redes sociais na internet são a propagação de memes e os processos de cooperação, conflito e competição.
A propagação de memes é uma dinâmica típica das redes digitais. Para compreendê-la, é preciso primeiro definir o que são memes. Embora o termo meme seja comumente empregado para se referir às mensagens compartilhadas na internet, sua origem está associada à biologia. Tal qual um gene é transmitido por complexos processos genéticos, um meme se refere a uma ideia que é transmitida por imitação (Dawkins, 2007). Os sites de rede social fornecem três elementos essenciais para um meme enquanto replicador: a longevidade, a fecundidade e a fidelidade das cópias. Assim, os sites de rede social permitem que uma ideia se propague no tempo (longevidade), inúmeras vezes (fecundidade) e em cópias iguais ou similares ao original (fidelidade das cópias), tornando-se um terreno fértil para a propagação de memes.
Cooperação e conflito também são dois processos associados às dinâmicas das redes sociais na internet. Enquanto na cooperação diversos usuários se unem em prol de um objetivo comum, no conflito os usuários discordam em algum ponto. Ainda que pareçam conceitos divergentes, para Primo (2007), cooperação e conflito não se opõem, mas sim se complementam. Para que haja cooperação entre participantes de uma determinada comunidade virtual, por exemplo, é preciso que essa cooperação emerja em oposição a um potencial conflito entre os indivíduos.
A competição é outra dinâmica associada às redes sociais (Recuero, 2009). A competição observada é, muitas vezes, por visibilidade. Quando um usuário é identificado como propagador de uma determinada informação, outros – incluindo, muitas vezes, o produtor original do conteúdo – acabam deixando de ser creditados numa típica competição por atenção. Como exemplo de competição por visibilidade, pode-se citar a economia do retweet (Recuero & Zago, 2012), e o dilema entre referenciar o autor original da publicação ou o último intermediário através do qual se tomou conhecimento do assunto.
Capital social
O conceito de capital social está associado a determinados recursos disponíveis para um grupo social. Para Coleman (1988), o capital social, definido por sua função, seria uma estrutura social que facilitaria determinadas ações por parte dos atores dentro dessa estrutura. Pode ser compreendido como os valores que podem ser obtidos pelos indivíduos ao fazer parte de uma rede social, como reputação e visibilidade, dentre outros (Recuero, 2009). Esses valores dependem não só da apropriação pelos usuários, mas igualmente dos recursos fornecidos pelas próprias ferramentas.
O capital social pode ser compreendido, assim, como um conceito metafórico, associado às vantagens de pertencer a um grupo social. Essas vantagens, produzidas pelo indivíduo, podem ser apropriadas pelo grupo.
Em uma pesquisa realizada em 2009, identificamos duas apropriações principais para o Twitter: informação e conversação (Recuero & Zago, 2009 fake Rolex). A conversação ocorre nas trocas entre indivíduos e provê acesso a capital de suporte social, laços sociais, reputação, visibilidade. Já a informação refere-se ao compartilhamento de notícias e links, envolvendo a mobilização de capital de acesso à informação, reputação, visibilidade, popularidade, conhecimento.
Dinâmicas e capital social – alguns exemplos a partir do atentado “na noite passada na Suécia”
Em comício realizado na tarde de sábado 18 de fevereiro de 2017, o presidente dos Estados Unidos Donald Trump procurava justificar uma maior restrição à entrada de imigrantes no país utilizando exemplo de atentados terroristas acontecidos recentemente em lugares como Paris, Nice, Bruxelas e… Suécia. O presidente comentou fatos ocorridos “na noite passada na Suécia”, o que acabou pegando até mesmo os suecos de surpresa. O que, afinal, teria acontecido na Suécia na noite anterior? A declaração acabou virando piada nas redes sociais e passou a ser discutida na imprensa. Esse caso é tomado como ponto de partida para obter exemplos ilustrativos de algumas das dinâmicas das redes sociais na internet.
Ainda no dia 18 de fevereiro, um tweet do ex-primeiro ministro da Suécia, Carl Bildt, busca esclarecimentos de Trump: “Suécia? Ataque terrorista? O que ele tem fumado? Muitos questionamentos. https://t.co/XWgw8Fz7tj”. Ao fazer perguntas e contestar a afirmação de Trump, Bildt mobiliza capital social relacional, estimulando um clima de conversação.
No dia 19 de fevereiro, o presidente Donald Trump postou um tweet esclarecendo: “Minha declaração sobre o que está acontecendo na Suécia foi feita em referência a uma história que foi veiculada na @FoxNews sobre imigrantes e Suécia”. Nessa mensagem, Trump busca esclarecer fatos e indicar fontes – mobilizando capital social de tipo cognitivo e um caráter informacional. Ao mesmo tempo que explica suas motivações, ele também busca compartilhar um conhecimento com seus seguidores. Muitas das respostas a seu tweet chamam a atenção para o fato de o presidente dos EUA ter postado uma correção, porém não um pedido de desculpas pelo equívoco cometido. A resposta mais popular, postada por Rob Szczerba, possui 766 respostas, 4,6 mil compartilhamentos e 11 mil curtidas. No texto, lê-se: “@realDonaldTrump Quando você diz que a mídia é FALSA ou uma ‘Inimiga da América’, olhe para alguns dos jornalistas que morreram simplesmente por fazerem seu trabalho”, seguido de um mosaico com a foto de jornalistas que teriam morrido em serviço.
Nessa resposta há uma preocupação em dar visibilidade a um fato considerado pelo autor mais importante do que denunciar notícias falsas – a morte de jornalistas em serviço. Há também a mobilização de capital social cognitivo, de caráter informacional, na medida em que dá a conhecer um fato que pode ser desconhecido por aqueles que acompanham o perfil de Donald Trump no Twitter. E também mobiliza assuntos paralelos relacionados, como o fato de o presidente poucos dias antes ter acusado a imprensa de publicar notícias falsas.
O humor também proliferou em resposta ao equívoco de Trump, como na mensagem reproduzida abaixo (No texto, lê-se: “Após os terríveis eventos #nanoitepassadanaSuécia, IKEA vendeu todo o estoque disso:”).
A piada mobiliza ainda outro assunto que faz parte da pauta de Trump – a construção do muro na fronteira entre Estados Unidos e México, uma das promessas de campanha do presidente. O muro e o atentado imaginário aparecem associados com a loja sueca Ikea, conhecida por vender móveis com instruções detalhadas de montagem. Essa imagem em particular se reproduziu como um meme – somente no tweet original foram 14 mil retweets e 19 mil curtidas, com diferentes reapropriações da ideia. Ainda que o meme se reproduza por imitação, muitas vezes pequenos ajustes ou modificações são feitas na mensagem. O próprio meme é na verdade um reaproveitamento. A sátira sobre utilizar material da Ikea para produzir o muro do México já havia sido sugerida no final de janeiro de 2017 pelo site satírico alemão The Postillon, como uma forma de economizar na construção do muro proposto por Trump.
Também é possível observar dinâmicas de competição e conflito na rede. Em comentários em resposta ao link para notícia sobre o caso postado pelo jornal Zero Hora no Facebook, por exemplo, leitores discutem outro problema que poderia estar sendo enfrentado pela Suécia por conta dos imigrantes.
O comentário de uma leitora, “A Suécia está se acabando. Vão se informar direito. Mulheres estupradas também é terrorismo” recebeu 113 curtidas (sinalizando apoio, cooperação) e inúmeras respostas, em sua maior parte, instigando o conflito de ideias. Em uma das respostas ao comentário é possível ler: “Queria saber de onde tiraram esses dados de estupros na Suécia… Até onde eu sei, as taxas de estupro lá se mantiveram estáveis mesmo com o maior fluxo de imigrantes: http://www.thedailybeast.com/articles/2016/07/11/are-migrants-really-raping-swedish-women.html”. Nesse caso, é possível observar uma espécie de conflito entre os participantes. Ao indicar a fonte, também se está lidando com o capital social cognitivo e o acesso a informações.
Não é só na discussão de grandes temas que o capital social e as dinâmicas de rede entram em cena. Eles também são acionados em nossas interações do dia-a-dia nas redes. Diferentes estratégias entram em cena em nossas trocas sociais – a ideia por trás do capital social não é que todas nossas ações sejam friamente calculadas e sim que normalmente se busca algo em troca. Mesmo com aquela mensagem aparentemente despretensiosa postada no Facebook, estamos à procura de suporte social (“como assim ninguém curtiu?”), de respostas ou de visibilidade. Queremos ser vistos como aqueles que possuem as respostas. Queremos dar visibilidade às mensagens – ao repassar, também emprestamos um pouco da nossa credibilidade ao conteúdo repassado. E é por isso que o capital social pode ser compreendido como o motor das dinâmicas sociais – é nessa ânsia por demonstrar ou buscar conhecimento ou o estabelecimento ou manutenção de relacionamentos que emergem competições, conflitos e cooperações. Essas dinâmicas só fazem sentido porque as estruturas de rede são diferentes – como cada um possui contatos, amigos e seguidores diferentes, faz sentido responder uns aos outros e compartilhar informações.
Gabriela da Silva Zago é jornalista, doutora em comunicação e informação e pesquisadora do Midiars – Grupo de Pesquisa em Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais.
Referências
Coleman, J.S. “Social capital in the creation of human capital”. American Journal of Sociology, n.94, p.S95-S120, 1988.
Dawkins, R. O gene egoísta. São Paulo: Cia. das Letras, 2007.
Primo, A. Interação mediada por computador. Porto Alegre: Sulina, 2007.
Recuero, R. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.
Recuero, R.; Bastos, M.; Zago, G. Análise de redes para mídia social. Porto Alegre: Sulina, 2015.
Recuero, R.; Zago, G. “A economia do retweet: Redes, difusão de informações e capital social no Twitter”. Contracampo, v.24, n.1, 2012.
Recuero, R.; Zago, G. “Em busca das ‘redes que importam’: redes sociais e capital social no Twitter”. Líbero, n.24, p.81-94, 2009.