Por Peter Schulz
Em tempos de “comunicação estratégica”, “comunicação como vantagem competitiva” e “impacto [da ciência] nas redes”, faz-se necessário voltar a um papel fundamental na boa comunicação e jornalismo científicos, o da boa e velha fonte. Fonte é, no caso, o pesquisador ou cientista, ou especialista, sobre o assunto colocado em pauta pelo jornalista. Um bom jornalista precisa buscar várias fontes. Caso contrário, a informação passada é, no mínimo, capenga, pode levar à desinformação e, tão ruim quanto, não desperta novas perguntas ao leitor atento.
Aqui, sem querer, acabo compilando os três atores essenciais nisso: o jornalista, a fonte e o leitor. Em adaptação parca da teoria de comunicação, o jornalista, junto com as fontes, é o emissor; o leitor, o receptor; e o texto, vídeo, podcast, tuíte são os canais de comunicação, sempre sujeitos a ruídos, que atrapalham a comunicação.
E esses ruídos podem ser vários e estão sempre presentes, já dizia o pai da teoria matemática da comunicação no longínquo ano de 1948. Não tem jeito. O texto pode ter suas imprecisões e assim o ruído é gerado aqui no próprio canal. Tuítes, por exemplo, podem gerar mais ruído do que informação, ruído amplificado pelos retuítes. No bom jornalismo, científico ou não, o ruído é diminuído pelo conjunto de fontes diversas, mas depende de o leitor refletir sobre o que elas dizem. Todas elas.
Mas voltemos então à fonte, figura a qual é dada menos atenção do que se deveria. No caso quero dizer a fonte raiz, não a fonte de si mesmo, que aparece nas tais comunicações estratégicas ou para vantagem competitiva.
Se alguém é convidado para ser fonte é preciso ser honesto: tenho mesmo algo a dizer sobre o assunto ou quero só aparecer? Se a fonte tem algo a dizer, ela precisa pensar sobre o assunto e checar se sua resposta está correta mesmo, afinal a memória de bate-pronto pode trair. Ou seja, a fonte também tem que pesquisar para não dizer bobagem. E pensar bem no texto da resposta, tarefa que pode demorar tempo. Responder bem um pequeno número de perguntas pode (e deve) levar algumas horas nesse processo de buscar subsídios às respostas, que a fonte julga inicialmente como corretas. Às vezes, calha do jornalista acertar na mosca, quando a fonte e boas respostas estão na ponta da língua, mas mesmo assim…
O jornalista não faz o que o mundo acadêmico conhece por revisão por pares. Ele ou ela (jornalista) vai confiar em você, afinal é a fonte. Não adianta reclamar depois que o jornalista não entendeu o que você disse ou escreveu. No caso, jornalismo sofre dos mesmos problemas da execução de códigos de computação, que no jargão é resumido em “garbage in, garbage out”. Mas o bom jornalismo se autocorrige, recorrendo, exatamente, a várias fontes.
Uma fonte fazendo bem o seu trabalho deve, se possível, recomendar outras fontes. Se o jornalista percebe o comprometimento de suas fontes com a informação dada, seu texto também fica mais apurado. O resultado de horas (várias vezes muitas horas) de trabalho da fonte não aparece tão destacado no artigo final, que, afinal é do jornalista, que segue o editor do veículo de comunicação.
Enfim, aparecer mais não é o objetivo, a fonte não deve pensar na sua “comunicação estratégica” ou na busca “de vantagem competitiva”. Cada fonte faz parte de um coletivo de outras fontes, um conjunto que deve buscar melhor informar, através do jornalista.
Uma fonte, além de seu comprometimento com repostas acuradas e checadas, precisa aplicar também um ou outro princípio, que empresto de Alexandre Soares Carneiro em um artigo no Jornal da Unicamp:
“Em outro aforismo, ‘Escrever e querer vencer’ (152), ele nos lembra que essa atividade ‘deveria sempre indicar uma vitória, uma superação de si mesmo’, a ser comunicada para benefício dos outros. Não se trata de impor-se ao mundo, mas a si mesmo. O torna-te aquilo que és se traduziria em: triunfe sobre si, no discurso, e supere o próprio desejo de convencer. Diria La Bruyère: ‘Deve-se buscar apenas pensar e falar com precisão, sem desejar conduzir os demais ao nosso gosto e a nossos sentimentos; é um empreendimento demasiado grande’.” [clique aqui para ler o artigo "Escrever é querer vencer" na íntegra]
Enfim, pensar sobre o que é fonte no jornalismo é coisa que não se aprende com coaching, preocupado em impor-se ao mundo e não a si mesmo.
Peter Alexander Bleinroth Schulz foi professor do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp durante 20 anos. Atualmente é professor titular da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira. Além de artigos em periódicos especializados em física e cienciometria, dedica-se à divulgação científica e ao estudo de aspectos da interdisciplinaridade. Publicou o livro A encruzilhada da nanotecnologia – inovação, tecnologia e riscos (Vieira & Lent, 2009) e foi curador da exposição “Tão longe, tão perto – as telecomunicações e a sociedade”, no Museu de Arte Brasileira – FAAP, São Paulo (2010). Foi secretário de comunicação da Unicamp.