Apego ao lugar e comportamentos pró-ambientais em ambientes urbanos

Por Zahra Alinam e Adriane Eloah

Há evidências de que existe uma relação significativa entre a formação do indivíduo e o apego ao lugar em que ele se insere. Com o desenvolvimento das sociedades humanas e a transformação dos estilos e das condições de vida das pessoas, arquitetos e urbanistas têm se concentrado cada vez mais na qualidade dos ambientes construídos e dos espaços urbanos. E esse ambiente engloba mais do que apenas elementos físicos: ele também inclui mensagens, significados e símbolos que as pessoas interpretam com base em seus papéis, expectativas e motivações. O sentimento que surge da percepção e do julgamento de um indivíduo sobre um ambiente específico é o que denominamos “senso de lugar”. Ele desempenha um papel vital em fomentar a harmonia entre os indivíduos e seu ambiente, levando à melhor utilização do espaço, à satisfação do usuário e, por fim, ao senso de apego e de presença contínua no ambiente.

O lugar também tem um impacto profundo na formação da identidade, o lugar é parte do que somos, do que nos tornamos, tendo a mesma importância de outros fatores como profissão, religião e os relacionamentos. Daí a mudança ser sempre desafiadora, porque o ambiente de vida está profundamente entrelaçado à identidade. Como resultado, os indivíduos geralmente desenvolvem uma ligação com a cidade em que residem. Esse comportamento denota a ideia de que há apego aos lugares da mesma forma que nos apegamos às pessoas, de modo que essa relação afetuosa se torna parte importante na maneira como se organiza a própria vida. Em Psicologia, o apego ao lugar refere-se ao vínculo emocional que uma pessoa desenvolve com ele (Low e Altman, 1992).

De acordo com Scannell e Gifford (2010), os fundamentos efetivos do apego ao lugar podem ser caracterizados segundo aspectos pessoais, ambientais e comportamentais. Os fatores pessoais referem-se à demografia e às relações interpessoais de um indivíduo ou de um grupo de pessoas que têm apego com o lugar. Estudos revelam variações nos níveis de apego com base no gênero, idade, escolaridade, ocupação, condição social e econômica, entre outras características demográficas. Já as relações se fortalecem nos laços comunitários e nas relações de vizinhança. Por sua vez, os fatores ambientais referem-se às características físicas e sociais dos lugares. As físicas são elementos do ambiente real, como o entorno natural e a infraestrutura. As sociais incluem segurança, gestão e cultura. Os fatores comportamentais dizem respeito à maneira como um indivíduo, ou um grupo de pessoas, interage com os aspectos físicos e sociais do lugar. Para os moradores da cidade, esses fatores incluem principalmente tempo de residência, mobilidade, tempo gasto procurando moradia, espaços ao ar livre para explorar.

Apego ao lugar e comportamentos pró-ambientais

Problemas ambientais ameaçam a existência de lugares considerados importantes para indivíduos e sociedade. Os pesquisadores das disciplinas de psicologia social e ambiental investigaram a influência do apego ao lugar nos comportamentos pró-ambientais. O apego ao lugar aumenta a probabilidade de condutas de proteção e pode gerar um senso de compromisso e responsabilidade em relação aos lugares aos quais os indivíduos estão mais ligados (Relph, 1976). É mais provável que os residentes se engajem na gestão ambiental quando as cidades dão prioridade à integração de ambientes naturais significativos, especialmente para aqueles que têm conexões emocionais com a natureza. Além disso, visitas frequentes a áreas naturais podem aumentar o apego ao local e a responsabilidade ambiental. O envolvimento com o voluntariado e o ativismo para restaurar o meio ambiente podem promover uma atitude positiva, o que, em última análise, leva a um comportamento ambientalmente responsável.

Cidadãos com diferentes perspectivas sobre questões ambientais e de desenvolvimento podem se unir, como partes interessadas coletivas, motivados por seu apego a um lugar específico. Esse vínculo compartilhado motiva ações coletivas voltadas para a preservação de lugares valorizados. No entanto, eventos como crime, realocação forçada e desastres ambientais, em princípio, prejudicam tanto o senso de lugar quanto o senso de comunidade. Consequentemente, o sentimento de perda e de alienação mobilizam cidadãos a participarem ativamente na reconstrução física e emocional das comunidades.

Como promover o apego ao lugar por meio do projeto urbano?

Embora o apego ao lugar aumente a probabilidade de comportamentos pró-ambientais, há evidências de que isso nem sempre acontece. De acordo com Jackson (2005), isso ocorre quando os fatores pessoais e ambientais não se apoiam mutuamente. Nesse caso, apesar do forte vínculo com o lugar, os indivíduos enfrentam oportunidades limitadas de comportamentos pró-ambientais dentro de seu ambiente. Para resolver esse problema, é fundamental entender como o nosso ambiente cotidiano apoia ou dificulta a expressão de nossos comportamentos pró-ambientais. Para isso, faz-se necessária uma análise abrangente tanto dos ambientes construídos quanto dos fatores pessoais.

Na verdade, a espontaneidade e o acaso são muito mais valorizados em ambientes urbanos, sendo muitas vezes mais propícios a gerar apego do que os ambientes planejados convencionais. Por isso, compreender os motivos pelos quais as pessoas desenvolvem esse sentimento a certos ambientes torna-se crucial para os projetistas. As decisões tomadas pelos projetistas com relação à estrutura do espaço público têm um impacto direto nas experiências cotidianas, nas emoções e até mesmo nas expectativas e nas avaliações das pessoas. Em outras palavras, as escolhas feitas no planejamento urbano influenciam muito o desenvolvimento de uma cidade e seu impacto sobre seus habitantes. O estudo do apego ao lugar não só tem a importância de explicar cientificamente o mecanismo da conexão entre as pessoas e o ambiente, como também estabelece o valor aplicado de reconstruir o “vínculo emocional positivo entre indivíduos e lugares específicos”.

Apego ao lugar em distritos do conhecimento e inovação

Os distritos do conhecimento dependem diretamente de atrair e reter pessoas talentosas para o desenvolvimento de um ecossistema de colaboração e inovação (Knight, 2011). Considerando que a classe criativa e de talento tem opção de escolher onde viver, o conceito de apego ao lugar torna-se essencial. Tradicionalmente, a atração de talentos baseava-se em oportunidades de emprego, instalações de pesquisa e perspectivas de avanço profissional. Embora esses fatores ainda permaneçam relevantes, eles representam apenas parte da solução. Essa abordagem puramente centrada no aspecto profissional falha na consideração do elemento humano – a necessidade de se sentir conectado, enraizado e integrado em uma comunidade vibrante.

O crescente interesse no apego ao lugar em distritos de conhecimento mostra uma mudança para uma abordagem mais abrangente na gestão de talentos. Reconhece-se a conexão humana e o senso de pertencimento como fatores críticos na retenção de mentes brilhantes que impulsionam a inovação. Ao fomentar o apego ao lugar, esses territórios se tornam mais do que apenas locais de trabalho: eles se transformam em comunidades prósperas onde o talento floresce e as ideias inovadoras se concretizam. Além disso, aumenta a diversidade de pessoas, reduz o custo com rotatividade de funcionários, estimula um ambiente criativo e inovador e estabelece um impacto positivo sustentável. Os funcionários que se sentem conectados à sua comunidade são menos propensos a buscar oportunidades em outro lugar, resultando em economias significativas de custos para as empresas dentro do distrito.

O apego ao lugar contribui para um ambiente de trabalho positivo, que estimula a criatividade e um senso de continuidade viabilizando a boa reputação e legado nos distritos de conhecimento que, por sua vez, vai atrair ainda mais indivíduos talentosos no futuro.

Referências

Jackson, T. (2005). “Motivating sustainable consumption”. Sustainable Development Research Network, 29(1), 30-40.

Knight, J. (2011). “Education hubs: A fad, a brand, an innovation?” Journal of Studies in International Education, 15(3), 221-240.

Low, S. M., & Altman, I. (1992). “Place attachment: A conceptual inquiry”. In Place attachment (pp. 1-12). Boston, MA: Springer US.

Relph, E. (1976). Place and placelessness (Vol. 67, p. 45). London: Pion.

Scannell, L., & Gifford, R. (2010). “Defining place attachment: A tripartite organizing framework”. Journal of environmental psychology, 30(1), 1-10.

Zahra Alinam, pesquisadora iraniana, realiza seu pós-doutorado na Unicamp, apoiada por uma bolsa internacional da Fapesp. Atualmente, trabalha em um projeto que aborda a percepção urbana em distritos de conhecimento e inovação por meio da utilização de Modelagem da Informação da Cidade e Realidade Virtual. Pesquisadora do Ceuci.

Adriane Eloah, mestranda no programa de pós-graduação em Arquitetura, Tecnologia e Cidade na mesma universidade e beneficiária de uma bolsa Fapesp, dedica-se ao estudo da Modelagem da Informação da Cidade com um enfoque na previsão da vitalidade urbana em distritos de conhecimento e inovação. Pesquisadora do Ceuci.