Petróleo da floresta chama a atenção pela qualidade, mas sua exploração intensifica o debate sobre a necessidade da transição energética.
Por Job Batista Filho
O petróleo da região amazônica é considerado um dos melhores do Brasil. O Campo de Azulão é operado pela Eneva a 200 km a leste de Manaus, e o Campo de Urucu fica a 650 km a oeste da capital do Amazonas, operado pela Petrobras. Estão entre os mais leves do país, de melhor refino e maior valor também. De qualidade semelhante é o petróleo encontrado no Maranhão – pertencente à Amazônia Legal (conjunto de 9 estados brasileiros).
Para medir a qualidade do líquido há o grau API, que é uma escala criada pelo American Petroleum Institute. Quanto maior o número, mais leve e mais valorizado, pois produz mais derivados, como a gasolina. Outra característica buscada é o baixo teor de enxofre, por poluir menos o ambiente.
Como comparação, o petróleo Brent, do mar do Norte, referencial de preço no mercado mundial, contém API 37,5° e 0,4% de teor de enxofre. Na Amazônia, varia de 49,2° no Campo de Urucu a 65° no Campo de Azulão. O teor de enxofre também é baixo (0,039% e 0,012%, respectivamente). No Maranhão o API varia entre 47° e 62°, e o teor de enxofre de 0,07 a 0,2%, segundo o Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis de 2024.
As reservas do Amazonas, em terra, somam 44,7 milhões de barris, número não tão relevante se comparado com o do Rio de Janeiro (23 bilhões), mas o destaque é pela sua qualidade e pela grande quantidade de gás natural, com reservas de 44,6 bilhões de m3, atrás apenas do Rio de Janeiro (399 bilhões), segundo o Anuário do Petróleo. O gás natural é fonte de energia para várias termoelétricas da região.
A região da foz do rio Amazonas, conhecida também como Margem Equatorial do Brasil no oceano Atlântico, é atualmente o local considerado como a última fronteira da exploração e pesquisa de óleo e gás no Brasil, cujo interesse foi despertado após o descobrimento de reservas na Guiana, operado majoritariamente pela empresa ExxonMobil no campo de Stabroek. O petróleo encontrado lá tem API de 32° e teor de enxofre de 0,58%, e as reservas somaram 11 bilhões de barris em 2023. A produção atual é de 391 mil barris/dia, um aumento de 40% em relação a 2022, o maior crescimento no mundo, segundo o Anuário do Petróleo.
Ainda há muita especulação e curiosidade sobre o potencial petrolífero dessa região. “O ônus de conhecer os recursos minerais da Amazônia (e dos demais distritos minerais do país) é da União. Esse é o conceito de segurança mineral associado à questão de soberania mineral”, diz Giorgio de Tomi, professor do Departamento de Engenharia de Minas da Escola Politécnica. da USP.
Conhecer as reservas, suas dimensões e qualidade é importante para a soberania nacional. O Brasil alcançou a autossuficiência na produção de petróleo em 2015, no entanto ainda não é autossuficiente na produção dos derivados como a gasolina e o gás de cozinha, o GLP. Esses são importados da Bolívia, Argentina, EUA, Arábia Saudita e de outros países.
Controvérsias
A segurança mineral serve à segurança energética e também à econômica. Em 2023 o Estado do Amazonas recebeu R$ 257 milhões de royalties do petróleo, um recuo de 38% em relação a 2022, ano de maior receita registrada. Ao todo, o Brasil recolheu R$ 53 bilhões em 2023, um recuo de 9% com relação ao ano anterior. Os municípios do Amazonas recolheram no total R$ 207 milhões de royalties, aproximadamente, e os do Amapá R$ 204 mil. O estado do Maranhão e seus municípios receberam, respectivamente, R$ 35 e R$ 89 milhões de royalties do petróleo em 2023.
Apesar de a extração de petróleo e gás na Amazônia ter como uma de suas defesas a geração de desenvolvimento econômico e segurança energética, a questão levanta uma série de controvérsias e questionamentos.
A história de busca e prospecção do petróleo na Amazônia é antiga, gerando com isso inúmeros conflitos, segundo levantamento histórico elaborado por Beto Ricardo para o Instituto Socioambiental (ISA).
“A exploração não é estratégica para as populações tradicionais, nós do movimento social, os ambientalistas e as comunidades indígenas não vimos com bons olhos essa perspectiva”, afirma Aiala Colares, geógrafo e professor da UEPA (Universidade do Estado do Pará) e que também participa de movimentos sociais como o Instituto Mãe Crioula.
Há inclusive a escalada de conflitos geopolíticos e a obliteração dos modos de vida de povos originários, com “inúmeros casos de conflitos ambientais mapeados relacionados a essas novas demandas”, afirma Marco Paulo Franco, professor em Goldsmiths/Universidade de Londres.
Para compor interesses tão diversos, é preciso pensar em novas formas de desenvolvimento, como sugere Franco. “Há que se desenvolver modelos regulatórios robustos envolvendo recursos naturais, tanto aqueles do subsolo quanto commodities agrícolas. Uma combinação de proibições, cotas, e tributação com base não apenas em pressupostos econômicos, mas também nas capacidades de carga dos ecossistemas”.
Os recursos minerais, aponta o economista, são apenas parte do problema. “O ‘abismo’ não se refere à escassez de tais recursos, mas à poluição gerada pelo seu aproveitamento. Já resta claro que as reservas mundiais de combustíveis fósseis, por exemplo, são suficientes para abastecer níveis atuais de demanda por muitos séculos. Porém, não podemos efetivamente usar essas reservas devido aos efeitos climáticos de emissões de carbono” afirma o professor, que também faz parte da diretoria da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica. “O mesmo vale para qualquer outra atividade intensiva em energia e materiais. Como a agricultura, por exemplo. Nesse caso, a poluição, além de mudanças climáticas, inclui a exaustão de solos, contaminação de lençóis freáticos, e colapso de ecossistemas de forma irreversível”, diz.
“A questão em pauta é a defesa da Amazônia, então, se queremos manter uma região ainda preservada, que vem sofrendo agressões, em termos ecológicos e em função de uma crise climática global, é estratégico mudar o modelo de desenvolvimento”, finaliza o professor Colares, que também é pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e já foi consultor do Escritório das Nações Unidas Sobre Crimes e Drogas (UNODC) na pesquisa Crimes Conexos na Região de Garimpo no Vale do Tapajós.
Dependência fossilífera
Mesmo com inúmeros apontamentos desfavoráveis à prospecção de petróleo na Amazônia, é fato que a demanda por combustíveis fósseis continua crescente no mundo.
Os Estados Unidos ocupam o primeiro lugar no ranking de produção de óleo (19,3 milhões de barris/dia), à frente da Arábia Saudita (11,3 milhões), que detém o segundo lugar em reservas (267,2 bilhões de barris – 14,9% do total mundial), atrás apenas da Venezuela, a campeã em reservas. A produção do Brasil em 2023 foi de 3,5 milhões de barris/dia.
Em termos de refino, os EUA também lideram: foram 17,7% do total mundial. O país consumiu 19,7% do total produzido no mundo (23,5 milhões de barris/dia), quase 10 vezes mais do que o Brasil, que consumiu 2,5 milhões de barris/dia, quase a mesma taxa consumida pela Alemanha – com população três vezes menor que a brasileira (83 milhões de habitantes). Quanto mais desenvolvido, maior o consumo do combustível.
Assim, não será simples concretizar a transição energética. Mesmo fabricantes de equipamentos para geração de energia renovável, como as torres eólicas e as placas fotovoltaicas, ainda demandam grande quantidade de energia de origem fóssil nas linhas de produção, sem falar nos inúmeros outros minerais necessários para a fabricação desses equipamentos. O ponto de virada, com o mundo autossuficiente em energia renovável, ainda está distante.