Por Renan Augusto Trindade
Às vésperas de a expedição tripulada ao ponto mais profundo do oceano completar uma década, pesquisadores discutem as dificuldades e a importância desses estudos
Imagem: Pixabay
Em 26 de março de 2012 o cineasta James Cameron desceu ao Challenger Deep, na Fossa das Marianas, Oceano Pacífico, a 10.898 metros de profundidade. Especialistas da ciência, tecnologia, engenharia e matemática do Instituto Sripps de Oceanografia da Universidade de San Diego na Califórnia apoiaram a difícil tarefa de dar luz, câmera e ação ao misterioso fundo do oceano.
O professor Vanderlei Bagnato, responsável pelo Centro de Óptica e Fotônica (Cepof-USP), explica que a água só é transparente quando está pura. Se nela existirem algumas substâncias, parte da luz é absorvida e, além disso, partículas microscópicas turvam a água ao promoverem o espalhamento da luz, tornando o fundo do oceano escuro e mais frio.
A temperatura cai, e o peso da coluna d’água eleva a pressão hidrostática. É por isso que quem mergulha a algumas centenas de metros precisa usar vestes especiais, pois sequer os instrumentos ópticos atuais aguentam tal pressão. “É como colocar os instrumentos sob placas de concreto imensas”, exemplifica o físico, ressaltando que poucos materiais – necessários para essa exploração controlada – suportariam a situação peculiar.
Cientistas têm lidado mais com baixas pressões do que com altas no Cepof, um dos 101 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), que pesquisa átomos em ultra alto vácuo, sob pressões cerca de 1 bilhão de vezes menores que a do ar.
Para Bagnato, a tecnologia avançou na exploração desses extremos, porém, quando se trata do fundo do oceano há outros obstáculos, como a dificuldade de propagar radiação eletromagnética, forçando a substituição de radares por sonares, que usam ondas acústicas para transmissão dos sinais. Para isso, veículos autômatos têm sido planejados para explorar e regressar com informações seguras.
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Além do oceano, o espaço é outra fronteira interessante de exploração, no qual um veículo pode ser teleguiado aos limites do universo com antenas poderosas trocando sinais à distância. “A natureza foi generosa conosco fazendo com que a luz se propagasse bem no vácuo, pois podemos assistir todo o universo distribuído no espaço e no tempo de forma magnífica. Isto não ocorre com os oceanos. Teremos que investir muito ainda”, compara o cientista.
Dos baixos comprimentos de onda (raios-X) aos altos (ondas de rádio), instrumentos precisos usam radiação eletromagnética para investigar matérias vivas ou não, interagindo e se espalhando no meio delas para caracterizar sua constituição. O professor explica que da mesma maneira que sondas espaciais levam equipamentos para analisar a atmosfera e o solo de outros astros, o mesmo deverá ocorrer com as sondas que irão às profundezas do oceano. Bagnato explica que a exploração tanto no espaço quanto nas profundidades das águas ou da terra envolve o desenvolvimento, a preparação e também saber como lidar com as condições anômalas.
Biofotônica: o estudo e uso da luz para as ciências da vida
A professora Cristina Kurachi trabalha com a biofotônica no Cepof, que une geração, manipulação e detecção da luz para entender desde as biomoléculas aos organismos como um todo. Equipamentos e técnicas importantes são desenvolvidos na interação da luz com os sistemas biológicos para identificar estruturas e componentes de interesse no tecido biológico, como métodos de diagnóstico, ou para induzir efeitos bioquímicos e biofísicos com finalidade terapêutica, explica a doutora.
Desde o combate a células cancerosas à regeneração de tecidos, há muita pesquisa recente na área envolvendo a interação da luz. Diagnósticos vêm sendo realizados a ponto de a biopsia óptica ser uma realidade para os pesquisadores da área. A ação microbicida da luz na região do ultravioleta tem sido estudada para romper parte do material genético de vírus ou bactérias, sanitizando instrumentos e ambientes.
Na zona afótica do oceano, na qual não há luz solar, existem espécies desconhecidas. Para a professora Cristina não é exagero se preocupar com isso. Identificar, caracterizar e entender a interação de seres desconhecidos entre si e com o ambiente interessa à microbiologia. “Além do maior conhecimento do planeta e da biota na qual vivemos, novos microrganismos podem ter comportamentos de interesse ao ser humano, podendo ter uso em biotecnologia ou serem potenciais causadores de infecções humanas, de outros animais ou de plantas”, afirma a doutora.
“Estas formas ainda desconhecidas estão lá há muito tempo, e continuarão lá se não causarmos uma perturbação tão grande quanto a que causamos agora, diretamente com poluição das águas e indiretamente com alterações climáticas. Infelizmente, continuando na rota escolhida pela humanidade, o futuro pode não ser muito promissor, pois teremos que nos defender de espécies microbiológicas desconhecidas e dormentes há muito tempo. Essa é uma fronteira importante para nós, e deveríamos explorar de forma ordenada e inteligente. Correntes marítimas fazem com que danos causados nas águas rasas atinjam as profundezas e aí surge o perigo, cujas consequências ainda não estão previstas”, pondera Bagnato.
Satélites e sensoriamento remoto: obstáculos e avanços
O pesquisador Bruno César dos Santos estuda a dinâmica do comportamento de chuvas ao longo do espaço e do tempo. Na climatologia, área de seu doutorado na Escola de Engenharia de São Carlos (USP), há certas limitações na qualidade dos dados de precipitação das estações de superfície, desde a dificuldade de encontrar séries históricas com mais de trinta anos até falhas nos registros.
Dados de satélites meteorológicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), entretanto, permitem analisar e entender o comportamento das chuvas em décadas passadas, trazendo estatísticas de índices e tendências temporais. Essas ferramentas auxiliam tomadas de decisões voltadas ao planejamento e desenvolvimento socioeconômico do país, considerando as mudanças climáticas que estão em curso para entender a dinâmica das chuvas desde seus eventos extremos até os impactos causados, como secas e enchentes e como elas podem ajudar a minimizar os prejuízos gerados na sociedade e na agricultura, explica o pesquisador.
Cerca de 70% da Terra é oceano e essa enorme região aquecida pela radiação solar importa na climatologia. Consequências dessa radiação, fenômenos climáticos como El Niño (aquecimento) e La Niña (resfriamento), influenciam a dinâmica da circulação atmosférica, episódios de cheias e estiagem em várias regiões. Entender os ciclos oceânicos ajuda no diagnóstico da dinâmica e da interação oceano-atmosfera-continente dos modelos climáticos, na previsão do comportamento da variabilidade das chuvas ao longo das décadas e na compreensão da frequência de episódios climáticos extremos, avalia Bruno César.
Remotamente, sensores capturam e registram a energia refletida ou absorvida pela superfície da Terra e esses dados são armazenados, manipulados e analisados por meio de ferramentas chamadas SIG´s (Sistema de Informação Geográfica). Essas ferramentas auxiliam no geoprocessamento dos valores obtidos via satélite e depois, na interpolação espacial com a temperatura do ar em superfície, da precipitação e do índice de vegetação, explica Bruno.
A atmosfera pode atrapalhar, e a depender da localização dos alvos ou da distância do sensor, outras dificuldades surgem. “No caso da Fossa das Marianas, por exemplo, a característica geofísica é distinta do restante do planeta. Sua profundidade se torna um obstáculo para o sensoriamento remoto devido à ausência de luz e da limitação no registro de alvos muito abaixo da superfície dos oceanos. Para isso, sensores com sonares são capazes de registrar e mapear regiões por meio de navios ou submarinos, porém são necessários investimentos financeiros elevados para a sua execução”, comenta o doutorando.
Com imagens e técnicas de inteligência artificial, algoritmos identificam mudanças na superfície do planeta. A plataforma MapBiomas, por exemplo, conta com uma coleção de imagens da evolução histórica do uso e ocupação do solo no Brasil, permitindo analisar, calcular e identificar problemas ambientais como o total da área perdida pelas queimadas ou o desmatamento dos biomas, resume Bruno César, que vê avanços importantes nas técnicas de geoprocessamento e criação de sensores para uso em alvos cada vez mais complexos.
A luz, que não chega ao fundo do oceano, investiga regiões de difícil acesso, trata doenças e cuida de problemas ambientais. “Tanto o espaço quanto as profundidades do oceano são fronteiras abertas. Quem sabe as soluções que tanto procuramos para um melhor mundo e uma melhor humanidade estejam escondidas nas profundidades do nosso próprio planeta. Certamente, vale a pena explorar”, enaltece o professor Vanderlei Bagnato.
Renan Augusto Trindade é formado em física (USP) e aluno da especialização em jornalismo científico do Labjor/unicamp.