Por Patricia Mariuzzo
O secretário de Inovação e Desenvolvimento Econômico de São José dos Campos fala do poder público impulsionando o ecossistema de inovação
A Secretaria de Inovação e Desenvolvimento Econômico de São José dos Campos está à frente da gestão do Parque de Inovação Tecnológica, o PIT. Instituído em 2006, foi o primeiro a ser credenciado pelo Sistema Paulista de Parques Tecnológicos, em 2010. O núcleo do parque tem 57 mil m2 de área construída, num terreno de 188 mil m2, onde sete mil pessoas circulam diariamente. O PIT se apresenta como um parque tecnológico de terceira geração, baseada no modelo de inovação interativa e na hélice quádrupla, na qual a sociedade participa como um dos atores ao lado de governo, empresas e universidades.
Desde sua criação até 2020, o parque já reuniu investimentos que somam R$ 2,7 bilhões, sendo R$ 2,1 bilhões privados e R$ 600 milhões de recursos públicos, oriundos de verbas do município de São José dos Campos, do governo do Estado de São Paulo e do governo federal. O PIT tem hoje mais de 300 empresas vinculadas de todos os portes, cinco laboratórios de uso compartilhado em áreas como manufatura digital e prototipagem; simulação e tecnologias 5G, sete institutos de ensino e pesquisa, cinco institutos de ciência, tecnologia e inovação e uma associação da sociedade civil.
Nesta entrevista o secretário de inovação e desenvolvimento social, Alberto Alves Marques Filho, fala sobre o papel do poder público para alavancar este ambiente de inovação, como ele impacta a cidade como um todo e como é impactado por ela.
Como vários parques tecnológicos do Brasil, o PIT está localizado próximo da Rodovia Dutra, em uma área que os urbanistas costumam chamar de franja urbana. Pode falar rapidamente da criação do Parque e da escolha desta área?
A partir da década de 1950, São José dos Campos começou a receber pesquisadores ligados à área aeroespacial. Eles vinham para trabalhar ou dar aulas em instituições como o Centro Técnico Aeroespacial (CTA) ou o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), por exemplo. Isso gerou um aprendizado junto ao poder público sobre a importância de ter um território que concentrasse atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Veio daí a ideia de ter um parque tecnológico na cidade. A escolha do lugar tem a ver com uma oportunidade que se desenhou nos anos 2000, com o encerramento da linha de produção de uma fábrica de componentes eletrônicos localizada às margens da Via Dutra. A prefeitura comprou o terreno, com cerca de 33 mil m² de área construída e área total de 188 mil m², e iniciou a instalação do Parque Tecnológico de São José dos Campos, o primeiro do Estado de São Paulo.
E como foi este processo de implementação, os primeiros anos do parque?
Além do polo de pesquisa, ensino e desenvolvimento ligado ao setor aéreo, que incluía empresas como a Embraer, também foi importante a presença de empresas do setor automotivo. Este contexto favoreceu a atração de duas grandes empresas âncora para o parque e, em seguida, universidades, como a Unesp, Unifesp e Fatec. Em pouco tempo, a área do parque foi se tornando uma pequena cidade universitária. Hoje são cerca de seis mil alunos. Estamos com uma ocupação de 95%, hoje são 400 empresas. O parque dobra de tamanho a cada quatro anos. No último chamamento de empresas interessadas em se instalar aqui tivemos quase 500 propostas de 21 estados do Brasil, ou seja, há um reconhecimento nacional sobre a efetividade deste ambiente para gerar inovações e desenvolvimento econômico.
Pode falar disso, do papel da prefeitura nesta articulação tanto como investidora de recursos como um ator capaz de atrair investimentos e entes privados para o ecossistema de inovação?
Desde o início a prefeitura tinha clareza de ser a mola propulsora no processo de implementação do parque. É ela que tem que dar o direcionamento para os demais atores, primeiro fator que fez (e ainda faz) toda a diferença. O segundo é que, de modo parecido, a prefeitura também entendeu que não tinha as competências necessárias para fazer a gestão do parque, para a parte executiva, a execução e gestão teriam que ser feitos por um ente privado. A partir daí, as universidades, associação comercial, governo do Estado e governo federal e grandes empresas se interessaram em participar da construção desse núcleo de inovação que, no final das contas, iria beneficiar todos os atores, em um ciclo virtuoso. Com o tempo foi estabelecido um modelo de governança no qual o parque existe como uma organização social de direito privado sem fins lucrativos vocacionada para a inovação e para o desenvolvimento tecnológico. Claro, não foi automático, foi um aprendizado, mas que hoje é um modelo para outras cidades. A organização tem profissionais especialistas contratados para a gestão do parque, que executa a política de inovação desenhada pela prefeitura, mas que mantém estabilidade, independentemente das alternâncias na gestão municipal.
Em 2019, foi aprovada uma nova de Lei de Zoneamento que criou um perímetro especial do parque, que abrange 15,8 milhões de metros quadrados. Como essa Lei dialoga com os propósitos do PIT?
Já há alguns anos, a partir do crescimento e demandas que temos acompanhado em relação ao parque e da sociedade, entendemos que temos que migrar para um modelo de distrito do conhecimento. Nós temos uma área da prefeitura da ordem de 1 milhão de m2 e, no entorno, outros 16 milhões de m2, onde já estão acontecendo investimentos privados tanto para receber habitações quanto para receber mais empresas. Aos poucos, esses investimentos vão consolidando o que talvez seja o primeiro distrito de inovação do país. A Lei de Zoneamento e uma série de operações urbanas (instrumentos de intervenção pública, reguladas pelo Plano Diretor da cidade, aprovadas por lei, com finalidade de reconfigurar uma determinada área do espaço urbano), elaboradas em conjunto pela Secretaria de Urbanismo e pela Secretaria de Inovação, são parte deste objetivo de transformar esta área em um ambiente com altíssima concentração de desenvolvimento tecnológico.
Em breve o PIT vai ter uma conexão com a cidade por meio de uma das linhas de VLP (Veículo Leve sob Pneus) que roda na Linha Verde, corredor sustentável com a utilização de ônibus 100% elétricos. Pode falar um pouco sobre as conexões do parque com a cidade como um todo?
Esta integração é um processo que vem sendo consolidado ao longo dos anos. No caso do transporte, isso ainda não está totalmente resolvido. Hoje circulam no parque cerca de sete mil pessoas todos os dias e a maior parte delas vem de Uber ou de carro próprio. Os estudantes usam transporte público, que ainda é um pouco escasso, demorado. O VLP é algo que está planejado para fazer a conexão do parque com o centro da cidade, mas deve demorar ainda alguns anos para funcionar. Neste momento estamos discutindo a possibilidade de adotar um ônibus elétrico para atender a circulação interna.
Como a sociedade civil participa das atividades e do dia a dia do PIT?
Nós temos uma orquestra filarmônica que faz apresentações para o público em geral. Temos em torno de 250 eventos por ano para diferentes tipos de público e com temas variados. Por exemplo, tivemos há pouco tempo uma feira rural. Há ainda vários projetos de capacitação profissional e para inserção nos marketplaces e no mundo digital para prestadores de serviços como cabeleireiros, manicures e tatuadores. Um programa do qual eu gosto muito é o “Empreenda”, voltado para a comunidade do entorno e que envolve os estudantes e as famílias, atendidos por uma escola municipal nas proximidades do parque. Também recebemos eventos esportivos como corridas e competições de triátlon. É claro que há espaços que não são abertos ao público em geral, mas temos avançado em incorporar a quarta hélice da inovação por meio da aproximação com a comunidade e com a cidade de São José, como um todo.
Patrícia Mariuzzo é especialista em divulgação de ciência, gestora de comunicação do Hids Unicamp e pesquisadora associada do Ceuci.