Por Fabíola Junqueira, Patricia Bellas e Bárbara Fernandes
A forma como falamos sobre suicídio pode ser determinante para quem precisa de ajuda. A campanha de prevenção “setembro amarelo”, criada pelo Centro de Valorização à Vida (CVV) em parceria com a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e com o Conselho Federal de Medicina (CFM), trouxe visibilidade ao tema e abriu portas para o debate público. A recomendação dos especialistas é que os meios de comunicação devem disponibilizar informações sobre onde obter ajuda e serviços de saúde mental disponíveis – preferencialmente de forma regionalizada.
“Suicídio é um sério problema de saúde pública.” É com esta afirmativa que a Organização Mundial de Saúde (OMS) inicia a apresentação do relatório “Suicide Worldwide in 2019: Global Health Estimates”, publicado em 2021. A pesquisa, que considerou registros de 183 regionais da OMS entre 2000 a 2019, revela que cerca de 703 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos. O índice é maior do que a mortalidade por malária, HIV/AIDS, câncer de mama, guerras ou homicídios. Em 2019, mais de uma morte entre cem foram por suicídio.
A pesquisa Suicídio e covid-19 no Brasil, realizada pela Fiocruz, indica um aumento nas regiões Norte e Nordeste entre pessoas com 60 anos ou mais. A partir de dados coletados do Ministério da Saúde entre o período de março e dezembro de 2020, o estudo demonstra que, apesar de uma diminuição geral (13%) no número de suicídios no Brasil no período avaliado, grupos de idosos em regiões socioeconômicas mais vulneráveis tiveram um aumento no índice. Esse aumento foi de 26% entre homens dentro da faixa etária na região do Norte, e de 40% entre mulheres na região do Nordeste.
Falar sobre suicídio é importante e necessário, mas não é fácil. Há manuais, como o desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde e o do Instituto Vita Alere, que orientam sobre como abordar o tema. O objetivo é que seja uma comunicação segura, instrutiva e que apoie o cuidado à saúde mental. Cuidado e atenção são essenciais, uma vez que comunicações descuidadas podem gerar o Efeito Werther, um aumento do comportamento suicida em uma sociedade ou grupo de pessoas imediatamente após a divulgação de um caso. O efeito foi nomeado após a publicação, em 1774, do clássico romântico de Goethe, Os sofrimentos do jovem Werther. Após a publicação, se observou um aumento significativo de suicídios.
“Existem regras muito claras sobre a importância de usar uma linguagem adequada ao se falar sobre suicídio na imprensa, trazendo o que é o fenômeno em toda a sua complexidade, evitando achismos, vieses de visões religiosas ou políticas. Sabemos que esse tema envolve infindáveis tabus e preconceitos”, destaca a doutora em psicologia clínica e diretora de comunicação da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (Abeps), Daniela Reis.
É importante deixar claro que a maior parte dos suicídios pode ser evitada, e que se trata de um fenômeno complexo. Ações que promovam o bem-estar e a compreensão dos fatores de risco também são bem-vindas, com atenção também aos fatores de proteção. A abertura para uma conversa acolhedora e o compartilhamento de histórias de enfrentamento podem mostrar outras possibilidades de lidar com situações delicadas da vida.
É preciso também considerar que há leitores e espectadores que passaram pela morte de alguém querido por suicídio. A respeito destes enlutados a pesquisadora comenta: “o cuidado na escrita deve ser não só para as pessoas em crise suicida que leem as matérias, mas também para a parcela enlutada do público, que pode passar despercebida. Para essas pessoas há uma jornada de sobrevivência em que a cada notícia pode reacender o trauma”, lembra Reis. Segundo a diretora, deve-se evitar o uso de “qualquer adjetivo que possa trazer um holofote inadequado ao fato, uma vez que o objeto da notícia é uma pessoa que estava em sofrimento e que merece respeito, assim como sua família”.
Aspectos legais e suicídio assistido
Falar sobre suicídio se distingue de incitar suicídio, ação considerada criminosa no Brasil. Sobre isso, a advogada e doutora em ciências da saúde Luciana Dadalto esclarece que “incitar é dizer para pessoa como fazer ou auxiliar, oferecer os métodos para que ela cometa o suicídio. Falar sobre o suicídio tem a ver com a prestação de informação. Nós sabemos que há maneiras éticas de falar sobre suicídio e precisamos seguir essas diretrizes”.
Em abril deste ano, o ator franco-suíço Alain Delon anunciou que optou por um suicídio assistido, a ser realizado na Suíça, único país onde o procedimento é permitido sem que o paciente esteja com uma doença terminal. Delon sofreu dois AVCs em 2019 e, por se tratar de uma figura pública, o assunto teve grande repercussão.
“O suicídio assistido é o ato pelo qual uma pessoa abrevia sua própria vida sendo auxiliado normalmente um médico, que prescreve uma dose letal a ser administrada pela própria pessoa. Normalmente é permitido para pessoas com doenças incuráveis ou terminais”, explica Dadalto. O suicídio assistido vem ganhando espaços de discussão e projetos de lei em diversos países. No Brasil, é uma prática proibida, enquadrada no crime de auxílio ou instigação ao suicídio. Atualmente, há apenas discussões teóricas e acadêmicas sobre o tema, porém, sem nenhum projeto de lei para sua viabilização. Dadalto informa que, até o momento, não houve nenhum pedido de direito ao suicídio assistido que tenha chegado ao sistema judiciário.
Boas práticas na mídia
Paula Fontanelle é autora do livro Suicídio: o futuro interrompido e do blog Prevenção Suicídio, projetos iniciados após a perda de seu pai. Ela tornou-se mestre em terapia e saúde mental pela Universidade George Fox, nos Estados Unidos, e hoje conduz o podcast Understand suicide, entrevistando especialistas, sobreviventes e pessoas que tenham uma história sobre suicídio para contar. “Suicídio é um desses temas que, depois que você fala, todo mundo tem uma história. Eu estava no restaurante falando do meu livro e alguém, depois do jantar, vinha dizer: olha, se você quiser, eu dou entrevista porque isso aconteceu comigo”, comenta. De acordo com Fontanelle, falar sobre viver um suicídio é mergulhar na dor, mas o silêncio é um veneno.
A jornalista destaca a importância de compreender a característica multifatorial do suicídio e fala sobre um possível contágio positivo a partir da mídia. Como oposto ao efeito Werther, há o efeito Papagueno, quando se gera uma ação positiva de cuidado e prevenção.
Fontanelle fala sobre a importância de ressignificar a dor. “Eu entrevisto muitas pessoas que tentaram suicídio, mas, a partir dessa tentativa, tiveram um momento que fez com que ressignificassem a vida, encontrando algum novo propósito. O fato de terem sobrevivido mudou a vida deles para melhor”.
O jornalista de ciências Ricardo Zorzetto, um dos editores da Revista Pesquisa Fapesp, já abordou o suicídio em suas reportagens. Como os especialistas, ele também afirma que tema é sensível e, por isso, é preciso muito tato ao apresentar personagens e contar a história de alguém que já tenha se envolvido nessa situação. “Não é um tema a ser evitado, ao contrário do que muita gente pensa, mas costuma surgir a partir de uma demanda. Acho que, às vezes, a gente evita falar porque não é um assunto prazeroso. É um assunto complicado, algo dolorido e triste. Então, é preciso tomar alguns cuidados, mas deve ser abordado para as pessoas saberem que existe e como lidar”, comenta Zorzetto.
Prevenção e estudos
Muitas mortes por suicídio podem ser prevenidas. A redução dos altos índices é um dos objetivos da United Nations Sustainable Development Goals (SDGs), com metas relacionadas ao cuidado e atenção à saúde mental a serem conquistadas até 2030. O relatório “Live life implementation guide for suicide prevention in countries“, elaborado pela OMS em 2021 apresenta quatro principais ações que devem ser seguidas para reduzir esses números:
- Limitar o acesso aos meios de suicídio, como pesticidas altamente perigosos e armas de fogo;
- Interagir com a mídia para publicação de reportagens responsáveis sobre o tema;
- Fomentar habilidades de vida socioemocionais em adolescentes;
- Identificação precoce, avaliação, gestão e acompanhamento de qualquer pessoa afetada por comportamentos suicidas
No Brasil, a Abeps vem desenvolvendo um trabalho importante na ampliação do conhecimento. A entidade organiza, em agosto, o IV Congresso Brasileiro de Prevenção do Suicídio, com inscrições abertas ao público especializado e programação que inclui profissionais de diversas áreas.
Fabíola Junqueira é jornalista, psicóloga, mestre em psicologia clínica (PUC-SP) e cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp).
Patricia Bellas é farmacêutica, pós-graduada em produção jornalística pela Cásper Líbero e cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp).
Bárbara Fernandes é jornalista e cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp).