Marco Chiaretti foi convidado pelo curso de Especialização em Jornalismo Científico do Labjor
Por Cristina Uchôa, Eduarda Moreira, Juliana Vicentini e Mariana Ribeiro
Foto: Paula Drummond
Idealizado pelo jornalista Alberto Dines, o Observatório da Imprensa foi criado para contribuir com o aprimoramento do jornalismo no Brasil, em uma iniciativa institucionalizada pela Unicamp por meio do Projor – Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo.
O Observatório seleciona notícias e publica textos de articulistas sobre crítica de mídia. Foi um programa semanal de televisão transmitido por uma série de TVs educativas, inclusive a TV Cultura, de São Paulo, e atualmente procura caminhos para se modernizar e reconstruir seu público, desejando conquistar uma audiência que vá além de profissionais, pesquisadores e estudantes da área.
O veículo foi impactado não só pela perda de Dines em 2018, mas também pelas mudanças no mercado de jornalismo nas últimas décadas, avalia o atual editor do Observatório, o jornalista Marco Chiaretti. Em conversa com estudantes da pós-graduação em Jornalismo Científico do Labjor, Chiaretti expôs que o veículo enfrenta desafios que vão da falta de investimento ao envelhecimento de formato e ausência de colaboradores com atuação na rua para a produção de reportagens de campo.
O editor lembrou que Dines trouxe como inspiração um projeto já existente em Portugal, também voltado à crítica de imprensa, para criar o Observatório no Brasil. Os principais objetivos da iniciativa eram identificar interesses explícitos ou implícitos no jornalismo, verificar o tipo de linguagem utilizada pela imprensa, levantar o acesso dos conteúdos pelos leitores e realizar uma crítica acadêmica ao jornalismo.
Atualmente Chiaretti é o único membro fixo da equipe, contando com dois colaboradores regulares e outras contribuições externas – em sua maioria, de professores da área de comunicação. Recebe em média 100 artigos mensalmente, dos quais cerca de 40 são publicados após triagem.
Vivência
Formado em filosofia e em direito, iniciou efetivamente sua trajetória no jornalismo após abandonar o cargo de professor auxiliar na Unesp e, em 1986, teve sua primeira experiência na Folha de S. Paulo. Naquela época, mesmo sem ser graduado em jornalismo, tornou-se editor adjunto do caderno Educação e Ciência. “O salário que o mercado oferecia na época era quatro vezes maior do que o que eu ganhava como professor”, contou.
Usou também o gancho do contrato com a Folha para contextualizar aos mais jovens que a empresa nunca foi discreta sobre sua posição contrária à obrigatoriedade do diploma de jornalismo no país, discussão finalizada em 2009, com a revogação da Lei de Imprensa pelo Supremo Tribunal Federal.
Chiaretti passou por diversos veículos de comunicação, com destaque para a revista Veja e portal UOL, vivenciando o boom da internet no país, coincidindo com os últimos momentos do que, hoje se vê, foi uma boa fase do mercado de jornalismo impresso. Era a década de 1990 e, entre as tentativas de buscar a consolidação de boas práticas da profissão, surgiam as iniciativas de autorregulação por meio da reflexão crítica – proposta do Observatório e ideia fixa de Dines.
“Naquela época, os jornais vendiam uma média de um milhão de exemplares aos domingos – uma quantidade enorme se comparada aos 45 mil vendidos hoje, quando a audiência prefere se informar por meio de podcasts e vídeos”, disse o editor, acrescentando que, nesse sentido, a equipe idealiza a criação de um podcast do Observatório. “Hoje, o envelhecimento do produto jornalístico se dá em ciclos de seis meses”, avaliou.
Chiaretti afirmou que o Observatório também foi impactado por esse “encolhimento” do jornalismo impresso e pelas mudanças na área, como a queda brusca de assinantes e patrocinadores, domínio das redes sociais e queda no interesse por conteúdos no formato de texto. Além disso, com o passar dos anos, outras instituições, como as universidades e cursos de áreas como sociologia, história e ciência política também passaram a se dedicar mais diretamente à análise de mídia. “Não era assim há 30 anos”, completou.
Imprensa e desinformação
Sobre as atuais discussões de mídia, em torno da desinformação e seus impactos sociais e políticos, o jornalista ponderou que, embora não seja uma prática recente, é amplificada pela internet e ferramentas de comunicação.
“O celular é o item mais comum da história depois do fogo, é o que mais tem no planeta”, brincou, sem muitas dúvidas de que o dispositivo tem contribuído para espalhar desinformação de uma maneira nunca vista antes. Chiaretti ressaltou ainda que o jornalismo científico, especificamente, exige um cuidado maior de comprovação e checagem.
Questionado sobre a melhor forma de controlar este fenômeno, ele pondera que é necessária alguma regulamentação, mas acredita que “a justiça não pode definir o que é informação e jornalismo”, que “onde se faz isso é ditadura”. Para ele, o poder judiciário só deve atuar depois da circulação da informação. “A justiça deve julgar o jornalismo quando sai algo que ofende alguém”, elaborou
Não caberia, no entanto, somente ao sistema de justiça essa apreciação. O Observatório, por exemplo, é o fórum em que os próprios atores do sistema podem fazer o exercício da reflexão, da autocrítica e do questionamento sobre a atuação – e sobre os silêncios – do jornalismo.
“Por que nenhum grande jornal deu ainda os principais nomes das empresas envolvidas no financiamento dos atos de 8 de janeiro? Por que a cobertura jornalística foi feita de um modo e não de outro?”, provocou. Essa é uma matéria que o Observatório, se tivesse mais estrutura profissional, poderia fazer, por exemplo, disse.