Por Paulo César Ferraz
Com os recursos naturais do planeta se esgotando, corpos celestes se tornam objeto de desejo de exploradores e indústrias
À medida em que a humanidade evolui e novas tecnologias são criadas, o uso de recursos naturais como água, petróleo, carvão e metais aumenta drasticamente. De acordo com dados da organização World Wide Fund for Nature, a sociedade atual consome por ano 50% a mais de recursos do que o planeta consegue repor. Se nada for feito, no ano de 2050 precisaremos do equivalente a duas Terras para manter o mesmo padrão de consumo. Diante de tal esgotamento e da necessidade cada vez maior de substâncias raras e limitadas para a evolução tecnológica, alternativas como a mineração espacial ganham destaque.
A exploração de materiais além-Terra se caracteriza pela retirada de recursos específicos de corpos celestes, em especial de asteroides — objetos constituídos pelos mesmos materiais que formam os planetas, mas em escala menor. Willian Abreu, astrofísico e pesquisador de pós-doutorado do programa de engenharia nuclear da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que no passado dependíamos de um número limitado de substâncias para o dia a dia, mas “com o avanço da tecnologia, a transferência do conhecimento para servidores e o aumento de fontes de produção de energia, estamos cada vez mais dependentes de materiais raros e de difícil acesso na natureza”. Assim, corpos celestes como os asteroides podem significar a transformação da maneira como lidamos com a mineração e o uso de recursos naturais.
Apesar do potencial enorme, a mineração espacial envolve processos complexos e até mesmo tecnologias que ainda não foram criadas. O lançamento de uma sonda ao espaço necessita de condições específicas para acontecer, e cada missão espacial tem seus próprios desafios, que envolvem desde estudos da órbita terrestre até a composição do corpo celeste escolhido. Diferentemente da Terra, que sofreu ao longo de milhões de anos diversos processos geológicos que concentraram os minérios em regiões específicas, os asteroides apresentam os recursos naturais de maneira espalhada, indo desde a superfície até o interior. Assim, mesmo uma quantidade pequena de material precisaria de grandes esforços para ser coletada.
O impacto ambiental e econômico da mineração no espaço
Com o aumento de lançamentos ao espaço a cada ano, a preocupação com a poluição ambiental se torna mais presente. Apesar de a queima de combustíveis fósseis feita pela indústria espacial representar apenas 1% do valor total da aviação, cada lançamento de sondas ao espaço e produção de equipamentos exploratórios significa o uso de mais recursos naturais e novas pegadas ecológicas ao meio ambiente. Para Willian, essa nova fase da corrida espacial pode gerar impactos significativos no planeta, caso não sejam escolhidas maneiras corretas de fazê-la, com fontes de energia com baixa emissão de carbono e menores pegadas ecológicas em geral.
Para Filipe Monteiro, astrofísico do Observatório Nacional, o único ponto positivo da mineração espacial viria com a diminuição da extração de recursos naturais da Terra, já que esse tipo de exploração é pensado como um meio de driblar a escassez de minérios no planeta. “Considerando que as matérias naturais estão se esgotando rapidamente, buscar os recursos necessários para continuar o processo de evolução humana fora pode ser uma solução”, afirma.
Para além do valor financeiro que cada asteroide representa ao se tornar alvo da mineração espacial, questões que envolvem geopolítica e comercialização entre países também se fazem relevantes. Muitos dos materiais raros usados na fabricação de tecnologias recentes são majoritariamente controlados por nações específicas. A China, por exemplo, é responsável por 80% da exportação mundial de gálio e 60% da de germânio, elementos essenciais na produção de semicondutores.
Com a exploração de minérios espaciais, um país sozinho pode ter em mãos fontes enormes de um material raro no planeta ou que é comercializado por poucas nações. Em 2023, a agência americana Nasa lançou ao espaço a missão Psyche, que tem como objetivo viajar mais de 3 bilhões de quilômetros e chegar ao asteroide homônimo para estudá-lo. Composto principalmente por ferro, níquel e ouro, esse corpo celeste possui valor estimado em 10 mil quatrilhões de dólares. Ter controle de quantidades tão significativas de substâncias indispensáveis para a indústria — ou mesmo para a humanidade quando falamos de água potável — pode significar ainda mais desigualdade e conflitos humanos. “Esse assunto deve ser muito debatido, para, assim, se tornar algo que beneficie o planeta como um todo, e não apenas grupos poderosos. É preciso que a exploração seja, de alguma forma, compartilhada com todos”, explica Filipe.
Quando levamos em consideração a finitude das fontes terrestres, é possível perceber a importância dos recursos naturais espaciais para a humanidade. Com a mineração de grandes corpos celestes cada vez mais próxima, Filipe acredita ser indispensável “desenvolver melhores decretos para a exploração espacial, excluindo a ideia de que o primeiro a chegar tem prioridade sobre o objeto”. Para ele, o domínio de algumas nações sobre o processo traria apenas mais prejuízo ao planeta, “uma vez que somente as grandes corporações seriam capazes de explorar os recursos, visando sempre o benefício próprio”.
Paulo César Ferraz é jornalista e aluno da especialização em jornalismo científico do Labjor/Unicamp