A gestão da água e resíduos em ambientes baseados na quíntupla hélice

Por Luana Mattos de Oliveira Cruz, Maria Gabriela de Oliveira Nascimento e José Gilberto Dalfré Filho

imagem: Sapiens Park SC

Em meados do século XX, parques tecnológicos surgiram de forma espontânea com o objetivo de incentivar a inovação da indústria (STTEINER, CASSIM E ROBAZZI, 2012). A primeira geração (1960–1970) foi marcada pela proximidade desses parques às universidades para haver maior facilidade na troca de conhecimentos entre as universidades e as indústrias. Esses parques muitas vezes eram em locais distantes dos centros urbanos, como o The Research Triangle Park, localizado no subúrbio de Durham, na Carolina do Norte. (TEIXEIRA et. al, 2017)

Já a segunda geração (1970-1980) teve auxílio de governos locais em seu planejamento, o que resultou em localizações mais estratégicas, de acordo com os interesses das cidades, universidades e empresas (TEIXEIRA et. al, 2017). Essa geração de parques acabou por se fixar em regiões que permitiam uma reurbanização, reindustrialização e valorização local, porém, ainda em lugares próximos das fontes de geração de conhecimento, tal como o Cambridge Science Park.

A terceira geração de parques tecnológicos, que coincide com o início da década de 1990, foi marcada pela atuação de mais um investidor, os governos federais (TEIXEIRA et. al, 2017). Ela foi baseada em maior planejamento, isto é, com base em políticas públicas que definiam setores específicos como foco dos projetos de inovação em escala nacional.

O The Biomedical Research and Innovation Park, criado em 1991, em uma parceria público-privada-universitária, é focado principalmente no desenvolvimento da biotecnologia dos Estados Unidos. Isso demonstra o interesse da nação em desenvolver uma área considerada importante e, por isso, há o investimento federal em um parque voltado apenas para esse determinado tema.

Nessa mesma época, a interação entre universidades, governo e indústrias buscando inovação tecnológica foi o que embasou o conceito de hélice tríplice de Etzkowitz e Leydesdorf (1995), em uma alusão aos três atores atuando juntos em prol da inovação.

Também na década de 1990 sugiram preocupações da sociedade sobre questões ecológicas e ambientais, o que evoluiu o conceito de hélice tríplice para hélice quádrupla e quíntupla em parques tecnológicos (MORAIS et. al, 2022). Tais desenvolvimentos conceituais, respectivamente, referem-se à adição da sociedade (4ª) e do ambiente (5ª), de modo que a quíntupla hélice, ao incluir o ambiente, fomenta a inovação pela resolução de problemas e desafios da sociedade de forma sustentável.

A quádrupla hélice, segundo Mineiro, Castro e Souza (2019), está mais consolidada e com os seus agentes mais definidos que a quíntupla hélice. No quarto modelo, a sociedade ou a comunidade participa de forma ativa e passiva na criação e na recepção de conhecimento dos parques científicos tecnológicos. Porém, por ambos serem temas eminentes, há limitações na definição dessas hélices para parques e ambientes de inovação afins e, por isso também, a quíntupla hélice é abordada em propostas sustentáveis divergentes entre essas instituições de inovação.

O principal conceito da quíntupla hélice é prezar pela preservação do ambiente e do uso racional dos recursos naturais. Assim, na geração mais recente de parques, é possível ver parques científicos e tecnológicos que adotam alternativas construtivas e o gerenciamento mais sustentável de seus recursos a partir de preocupações com questões globais, incluindo a emergência climática, a manutenção dos recursos hídricos, a geração e correta destinação de resíduos. Todos esses tópicos são abordados em parques em escolhas mais sustentáveis para minimizar problemas ambientais recorrentes, tais como poluição, aquecimento global, escassez hídrica, desperdício de recursos.

No entanto, quando se verifica o teor dessas propostas sustentáveis adotadas nos parques, percebe-se que a preservação do ambiente é representada majoritariamente e apenas por adoção de energia solar, uso de modal elétrico e implantação de espaços verdes. Essas propostas são justificadas pela preocupação com a pegada de carbono, com as áreas arborizadas e com a meta de uma matriz energética limpa e autossuficiente, aspectos que podem atrair empresas a esses parques.

Em uma análise simples de 25 parques científicos-tecnológicos, 16 possuem alguma proposta de desenvolvimento sustentável (74%) e desses apenas 3 preveem soluções para o desperdício e a má gestão das águas. A gestão de águas é exemplificada pelo aproveitamento de águas pluviais, tratamento de esgoto e efluentes para reúso.

Quando se analisa apenas parques tecnológicos brasileiros, é mais raro ainda ver propostas de desenvolvimento sustentável. No Brasil, a hélice do meio ambiente é solucionada por meio do incentivo ao uso de automóveis movidos a energética elétrica (fonte renovável), adoção de jardins e geração de energia solar para uso local no parque.

MINEIRO, CASTRO e SOUZA (2019) concluem que a quíntupla hélice brasileira possui propostas para meio ambiente a partir da visão das empresas e não da sociedade. Isso explica porque o teor da sustentabilidade em ambientes de inovação é voltado para eficiência econômica e atratividade do parque tecnológico para empresas, em detrimento da visão da comunidade para o meio ambiente.

Entretanto essa é uma abordagem que não atende o que deveria ser considerado em um ambiente baseado na quíntupla hélice. Seria fundamental ter propostas e projetos para a gestão de águas e de resíduos sólidos bem como para a drenagem de águas pluviais. Um bom exemplo é o Sapiens Park em Santa Catarina, onde o Laboratório Fotovoltaica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), produtor de hidrogênio verde, utiliza a água da chuva tratada em seus processos, permitindo que água fornecida pela concessionária seja utiliza apenas para fins nobres. Esse laboratório é autossuficiente em energia e água.

A sustentabilidade das águas visa o menor desperdício possível. Esgotos que vêm de pias, torneiras e chuveiros, chamados de águas cinzas, podem ser tratados e utilizados em, por exemplo, descargas de bacias sanitárias, um uso que não expressa a necessidade de uma qualidade potável. Na irrigação de jardins e vegetações também pode ser utilizado um tipo de água com qualidade inferior àquela demandada pelo consumo humano.

Em relação aos resíduos, é raro que os distritos do conhecimento, incluindo os de quarta geração, adotem modelos mais modernos de tratamento de esgoto e dos efluentes. Também são poucos os que realizam o aproveitamento e reúso de efluentes tratados ou de resíduos sólidos e que realizam a reciclagem de materiais e nutrientes. A gestão desses resíduos acaba adotando a destinação convencional para aterros, incineração ou programas de reciclagem já existentes no município.

Portanto, para fazer jus ao conceito de quíntupla hélice, os parques tecnológicos e ambientes de conhecimento precisam avançar na adoção de modelos mais modernos da gestão da água e de resíduos, incluindo mudanças que envolvem a sua matriz energética, os espaços verdes, as águas e os resíduos, devem ser abordadas amplamente na esfera do ambiente em conjunto com a inovação tecnológica.

Luana Mattos de Oliveira Cruz é professora livre docente na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FECFAU) da Unicamp e pesquisadora do Ceuci. Possui graduação em Tecnologia em Saneamento Ambiental Unicamp, mestrado e doutorado na mesma universidade. Trabalhou como pesquisadora em seu pós-doutorado (2013 a 2015) no “Institute for Water Education” (IHE – Delft) na cidade de Delft, Holanda. Tem experiência na área de Engenharia Sanitária, com ênfase em Águas Residuais. Atua principalmente nos temas: tratamento de águas residuais, reúso, remoção de nutrientes e saneamento decentralizado.

Maria Gabriela de Oliveira Nascimento é estudante de graduação em Engenharia Civil na FECFAU Unicamp. Tem interesse em projetos com viés social e sustentabilidade e na área de saneamento e ambiente.

José Gilberto Dalfré Filho é professor livre docente na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FECFAU) da Unicamp. É engenheiro civil, com pós-graduação na área de Recursos Hídricos, Energéticos e Ambientais da Unicamp. Realizou pós-doutorado na University of Toronto, School of Applied Sciences and Engineering (2007) e no Politecnico di Milano, Dipartimento di Ingegneria Civile e Ambientale (2017). É pesquisador do Ceuci, presidente da Divisão Latino-americana da IAHR e Diretor de Comissões Técnicas e Científicas da ABRHidro. Atua em temas da Hidráulica e de Recursos Hídricos.

Referências

STEINER, João E.; CASSIM, Marisa Barbar; ROBAZZI, Antonio Carlos. Parques Tecnológicos: Ambientes de Inovação. São Paulo: Institutos de Estudo Avançados da Universidade de São Paulo, 2012. 41 p. Disponível em: www.iea.usp.br/artigos. Acesso em: 16 mar. 2024.

MINEIRO, Andrea Aparecida da Costa; CASTRO, Cleber Carvalho de; SOUZA, Thais Assis de. A Hélice Quádrupla e Quíntupla em Ambientes de Inovação (Incubadoras e Parques Científicos-Tecnológicos). São Paulo: XXLIII Encontro da Anpad – Enanpad, 2019. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/343656002. Acesso em: 16 mar. 2024.

MORAIS, Yasmin Martins; OLIVEIRA, José Victor Faria; SILVA, Ivana Aparecida Ferrer; SOUZA, Patricia Cristiane de; COSTA, Pâmela Ingrid Simioni. Quíntupla Hélice subsidiando o Ecossistema de Inovação: uma revisão sistemática. Engema XXIV, 2022.

TEIXEIRA; Clarissa Stefani; EHLERS, Ana Cristina de Souza Tavares; TEIXEIRA., Milena Maredmi Correa. Parques científicos e tecnológicos: Alinhamento conceitual. Florianópolis: Via, 2017. Disponível em: http://via.ufsc.br/. Acesso em: 16 mar. 2024.

ETZKOWITZ, Henry; LEYDESDORFF, Loet. The Triple Helix—University-Industry-Government relations: A laboratory for knowledge based economic development. Amsterdã: Easst Review, 1995. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=2480085. Acesso em: 16 mar. 2024.

UFSC INAUGURA PRIMEIRA USINA DE HIDROGêNIO VERDE DE SC. Florianópolis: Notícias da Ufsc, 25 ago. 2023. Disponível em: https://noticias.ufsc.br/2023/08/ufsc-inaugura-primeira-usina-de-hidrogenio-verde-de-sc/. Acesso em: 8 mar. 2024.