A farra dos dividendos na Petrobrás: rentabilidade obscena para os acionistas

Por Eduardo Costa Pinto

No primeiro semestre de 2022 a Petrobrás distribuiu para seus acionistas R$ 136 bilhões na forma de dividendos, valor maior do que a soma de dividendos distribuídos pelas seis maiores petroleiras integradas do ocidente – Equinor, Exxon Mobil, Chevron, Shell, TotalEnergies e BP. A companhia brasileira poderia estar investindo em energias renováveis, olhando a transição energética como possibilidade de geração de lucros no futuro. Mas está presa num circuito fechado que beneficia, em muito, os acionistas de hoje em detrimento tanto dos consumidores quanto da própria empresa e seus acionistas amanhã, uma vez que menor investimento hoje significa menor geração de caixa no futuro.

[Texto originalmente publicado em 21 de agosto no blog do autor]

No primeiro semestre de 2022 (1S22), a Petrobrás distribuiu na forma de dividendos para os seus acionistas US$ 27,2 bilhões (R$ 136 bilhões), valor maior do que a soma de dividendos distribuídos pelas seis maiores petroleiras integradas do ocidente – Equinor, Exxon Mobil, Chevron, Shell PLC, TotalEnergies e BP – que foi de US$ 25,3 bilhões (Tabela 1).

Não há dúvidas que a Petrobrás adotou uma política agressiva de dividendos e tornou-se líder mundial, entre as maiores petroleiras integradas ocidentais. Em um único semestre (1S22), a companhia vai distribuir em dividendos 31,7% do valor de mercado da empresa (média diária no semestre), proporção dez vezes superior à média das maiores petroleiras integradas ocidentais. Enquanto a Petrobrás distribuiu em dividendos quase 1/3 do valor de mercado da companhia, a TotalEnergies, por exemplo, pagou em dividendos 1/35 do seu valor de mercado (Tabela 1). 

A liderança da Petrobrás na distribuição de dividendos caminhou lado a lado com os baixos montantes de investimentos de US$ 4,1 bilhões, valor que representou apenas 15% dos dividendos distribuídos no 1S22. Situação bastante diferente quando se observa as maiores petroleiras, que adotaram estratégias de realização de maiores investimentos em relação à opção de distribuição de dividendos.

Esse menor investimento da Petrobrás é fruto de uma estratégia deliberada, em curso desde 2016, de focalizar os investimentos na exploração e produção (E&P) de petróleo no pré-sal e de vender ativos das outras áreas. Entre 2016 e o segundo trimestre de 2022, a companhia vendeu cerca de 48 ativos, dentre os quais campos de produção de petróleo, a BR Distribuidora, a NTS, a TAG, a Refinaria Landulpho Alves (RLAM), que proporcionaram receita de R$ 153 bilhões (ao valor de 30/06/2022 deflacionado pelo IPCA). No governo Bolsonaro, R$ 104 bilhões entraram no caixa da Petrobrás com a venda de ativos.

Com as restrições (menor diversificação) do plano de investimentos, desenhado no Planejamento Estratégico, e com a venda de ativos, aumentam os recursos sobrantes, após os pagamentos financeiros (financiamentos líquidos e amortizações de arrendamento), para a distribuição de dividendos. O valor distribuído de dividendos, nos últimos 6 meses, corresponde ao total de investimentos realizados pela Petrobrás no acumulado dos últimos 45 meses.

Não existe uma proporção ideal entre lucro retido e distribuído na forma de dividendos. No entanto, é pouco usual que as grandes petroleiras integradas distribuam dividendos, como fez a Petrobrás no primeiro semestre de 2022, utilizando, além do caixa livre (recursos gerados pelas atividades operacionais menos investimentos) de US$ 20,7 bilhões, recursos com venda de ativos (US$ 8,5 bilhões) e a redução de disponibilidade de caixa da empresa (em torno de US$ 8 bilhões).

Mesmo com os enormes lucros (US$ 19,6) e caixa operacional (US$ 24,8 bilhões), fruto, sobretudo, do aumento dos preços dos derivados nas refinarias, com a precificação via PPI, a Petrobrás tem adotado uma estratégia tímida no que diz respeito aos investimentos.

Com isso, a empresa não consegue construir uma estratégia em relação às alternativas ao petróleo no médio e longo prazo. A Petrobrás poderia estar investindo em energias renováveis, olhando a transição energética como possibilidade de geração de lucros no futuro. No entanto, ela está presa num circuito fechado que beneficia, em muito, os acionistas de hoje em detrimento dos consumidores [1] e da empresa e dos acionistas no futuro, uma vez que menor investimento hoje significava uma menor geração de caixa no futuro.

A atual estratégia de distribuição de dividendos, além atender interesses eleitoreiros do governo Bolsonaro/Guedes para aumentar gastos em período eleitoral – o governo federal receberá US$ 9,4 bilhões –, beneficia em muito os acionistas privados nacionais e internacionais que receberão US$ 17,8 bilhões, proporcionando enorme rentabilidade.

Vejamos uma simulação dessa enorme rentabilidade proporcionada pela atual política de dividendos:

Se um investidor pessoa física, por exemplo, tivesse comprado ações da Petrobrás, no valor de R$ 100 mil, no dia 03/01/2022, e tivesse vendido essas ações no dia 21/09/2022 ele receberia R$ 140 mil líquidos (descontadas todas as taxas e impostos), supondo que no dia da venda da ação o preço será igual ao preço do dia da compra (R$ 30,5 por ação). Uma enorme rentabilidade de 40% em apenas 9 meses (Tabela 2). 

Cabe observar que essa rentabilidade de 40% é fruto, exclusivamente, da distribuição de dividendos e juros sobre o capital que renderam 43,5% (R$ 13,3 por ação), em relação ao valor da ação em 03/01/2022, uma vez que não ocorreu ganho de capital (supondo mesmo preço entre 03/01/22 e 21/09/22), mas sim uma perda com pagamento de corretagem de taxas de -3,5% (Tabela 2).

Não é por acaso, que parte dos segmentos mais ricos da sociedade brasileira, da grande mídia, dos investidores em bolsa, defendem com afinco a atual estratégia de dividendos e de preços da Petrobrás. Tem muita gente no butim da Petrobrás. 

Essa expressiva rentabilidade, em 9 meses, para os acionistas da Petrobrás, fruto apenas dos dividendos, é obscena por vários motivos:

1) muito acima da média das grandes petroleiras integradas ocidentais, que distribuíram dividendos num montante bem menor do 1S22;

2) os dividendos foram viabilizados pela redução dos investimentos e pagos com venda de ativos e redução de caixa; e

3) os lucros obtidos, que pagaram parte dos dividendos, foram fruto dos aumentos dos preços dos derivados, que têm onerado os consumidores, sobretudo os mais pobres.

Em linhas gerais, pode-se afirmar que é preciso diminuir a distribuição de dividendos para os acionistas, possibilitando a ampliação dos investimentos e a redução dos preços [2], dado o papel desempenhado pela Petrobrás que é de economia mista e que possui interesses públicos. Nesse sentido, a Petrobrás precisa voltar a funcionar como um instrumento da política energética brasileira, combinando segurança de abastecimento e acesso barato aos derivados à população mais pobre, e do desenvolvimento nacional por meio da ampliação dos seus investimentos, gerando emprego e renda.

Eduardo Costa Pinto é professor do Instituto de Economia da UFRJ e Pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (Ineep), criado pela Federação Única dos Petroleiros (FUP) em 2018

Notas:

[1] Os preços médios do diesel, da gasolina e do GLP (gás de cozinha) cresceram, entre 2S21 e 2S22, respectivamente, 69%, 50% e 35%.

[2] Há sim possibilidade, no curto prazo, de mudanças na política de preços dos derivados da Petrobrás – considerando os custos de importações e produção nacional de derivados – que permitem, ao mesmo tempo, reduzir preços, criar valor econômico e aumentar os investimentos. Em Texto para Discussão 010/2022 (IE/UFRJ), denominado “Preços elevados, PPI e Petrobrás: há alternativas para reduzir os preços e aumentar os investimentos”, simulei um corte linear de 20% nos preços de venda nas refinarias da Petrobrás em 2021