Por Bárbara Fernandes Silva e Patricia Bellas
A propagação de desinformação durante campanhas eleitorais é um processo antigo, porém tem tomado novas proporções. O que antes exigia um esforço extensivo hoje pode ser realizado e difundido em questão de segundos.
Em 2016, durante o período de eleições presidenciais nos Estados Unidos, o então candidato Donald Trump popularizou o termo fake news como uma forma de ataque à imprensa e à adversária, Hillary Clinton. Para o doutor em comunicação e semiótica Deusiney Farias, esse processo de desmoralizar os meios formais da informação fez crescer uma desconfiança sobre essas instituições, fazendo com que a busca por conteúdo sem a apuração jornalística correta aumentasse.
A disseminação de desinformação em eleições para desmoralizar adversários e obter ganho eleitoral se mostra presente como estratégia no debate político. Os canais de comunicação digitais facilitam a propagação do conteúdo, seja esse verídico ou não. Antes do ambiente on-line este processo precisava traçar uma longa trajetória para alcançar a população em massa. Na primeira metade dos anos 2000 era comum a disseminação de fake news através de jornais tendenciosos espalhados por regiões onde certos candidatos eram mais populares, com apologias degradantes e sem fundamento, comenta o doutorando Afonso Verner, integrante do Grupo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
“Em cidades médias até o início de 2010, candidatos colocavam uma pessoa no ônibus que fazia o percurso de uma via específica para espalhar uma desinformação de maneira casual. O que há de novo não é o fenômeno, é a escala. Porque se antes esse sujeito tinha que percorrer ônibus por ônibus para conseguir transmitir essa pequena informação, hoje isso ocorre em escala industrial, é um serviço profissionalizado, permanente e digital”, diz Verner.
Fake news no ambiente digital
Em 2018, as eleições presidenciais foram marcadas pela fake news. “Da mesma forma que Trump, Jair Bolsonaro fez aqui com a Folha e com a Globo. O termo fake news foi usado para desacreditar os veículos de imprensa”, comenta Deusiney Farias, que é também pesquisador do Centro Interdisciplinar de Pesquisas em Comunicação e Cibercultura da PUC-SP. De urnas eletrônicas supostamente comprometidas até o “kit gay”, as fake news encontraram meios de propagação principalmente dentro de plataformas quase não mediadas.
Com a aderência de boa parte da população às redes sociais, esse processo passou a utilizar os algoritmos que colhem informações para criar um espaço moldado sob as preferências do indivíduo. Assim, e se mesclando ao entretenimento oferecido pela as redes, as fake news alcançaram grande público. “Criou-se o efeito que a literatura chama de echo chambers, que são as câmaras de eco: eu penso aquilo do mundo, e se quando abro meu celular eu vejo notícia sobre aquilo, então o mundo é assim mesmo”, comenta Verner.
Sérgio Lüdtke, jornalista e editor do Projeto Comprova, explica que os agentes de desinformação investem em diferentes estratégias de acordo com a agenda pública. “Nas eleições de 2018, talvez como forma de teste, víamos narrativas muito singelas e diretas e também algumas muito sofisticadas, completamente enviesadas. Da mesma forma que fazemos uso das técnicas e métricas das redes sociais para analisar o conteúdo jornalístico, eles também as utilizam para aperfeiçoar as narrativas, que podem interferir nas eleições de 2022. A desinformação é um processo. As pessoas recebem uma dose diária desse conteúdo que forma uma convicção difícil de desconstruir com uma notícia verdadeira”, explica.
Próximas eleições
A pandemia tornou-se um termômetro do que pode acontecer nas próximas eleições, uma vez que os atores de desinformação puderam testar novas estratégias.
Taís Seibt, colaboradora da Fiquem Sabendo, agência de dados especializada em Lei de Acesso à Informação e criadora da Afonte Jornalismo de Dados, confirma que as “notícias” falsas se tornam mais atraentes ao público e podem interferir nas eleições presidenciais de 2022. “É possível observar que, não só no Brasil, mas nas referências que a gente tem de outros países, há cada vez mais um apelo aos discursos preconceituosos, de ódio, medo e questionamentos de instituições, especialmente aos jornalistas, sempre de cunho emocional como principal característica das especulações de desinformação nas mídias sociais. Todo o processo de algoritmização é muito calcado no apelo sensacionalista. As pessoas compartilham, porque elas sentem que mexe com as emoções e os estrategistas políticos perceberam isso”.
Taís, que pesquisou a prática de fact-checking no Brasil em sua tese de doutorado, alerta que as postagens enganosas têm uma programação e são orquestradas para atingirem o público desejado, e pensar que as plataformas tomarão atitudes cabíveis é complexo, porque significaria interferir no lucro das redes. “O Facebook percebeu que, se mudar o algoritmo para ser mais seguro, as pessoas passariam menos tempo no site, clicariam em menos anúncios, e eles ganhariam menos dinheiro”, disse Frances Haugen, ex-funcionária que denunciou a empresa.
Para Taís, a situação se torna mais complexa por envolver autoridades. “Quando uma pessoa que exerce o principal cargo da nação reproduz um discurso que não é considerado adequado, as pessoas se sentem empoderadas e livres para fazer o que quiserem. O uso da lei de segurança nacional e o aumento dos casos de apologia ao nazismo no Brasil não surgiram por acaso. O que estamos vendo é um desrespeito à democracia”, finaliza.
Bárbara Fernandes Silva é formada em jornalismo (Unip). Cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp)
Patricia Bellas é formada em farmácia (Estácio), pós-graduada em produção jornalística (Cásper Líbero). Cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp)
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