Por Carlos Vogt
O fado “Olhos castanhos”, de Francisco José, que também, como muitos outros cantores, o interpretou, distribui a cor dos olhos por um espectro associativo de luz, som, poesia, música e sentimentos:
Teus olhos castanhos
de encantos tamanhos
são pecados meus,
são estrelas fulgentes
brilhantes, luzentes,
caídas dos céus,
teus olhos risonhos,
são mundos, são sonhos,
são a minha cruz,
teus olhos castanhos
de encantos tamanhos
são raios de luz.
Na segunda estrofe, menos longa que a primeira, o fado passa em revista a mitologia das cores dos olhos para exaltar a lealdade serena dos olhos castanhos:
Olhos azuis são ciúme
e nada valem para mim,
olhos negros são queixume
de uma tristeza sem fim,
olhos verdes são traição
são cruéis como punhais,
olhos bons com coração
os teus, castanhos leais.
Os olhos azuis, tristes e profundos de Marlene Dietrich fisgaram o mundo, através do cinema, o professor Immanuel Roth, no cabaré O anjo azul (1930), o diretor Josef Von Sternberg, de quem foi companheira, amante, mulher e parceira numa série de filmes americanos.
E os olhos de Rita Hayworth no fundo ruivo dos cabelos ondulados, Elizabeth Taylor com os olhos de esmeralda e vinho, e Sean Young como Rachel em Blade runner, androide evanescente e fatal dos olhos verdes da ilusão e da inocência?
Que cor teria o segredo de seus olhos ao revelarem pela foto antiga o olhar obsessivo do assassino, para sua vítima, no filme argentino de Juan José Campanella?
As cores, é claro, têm significado e dão sentido e plasticidade às relações entre os homens e destes com as coisas no mundo.
Há estudos e tratados sobre a correspondência das cores, a musicalidade, a sonoridade e os estados termais de nossos corpos, mentes e percepções.
As cores das bandeirinhas de Alfredo Volpi não são as cores do impressionismo, embora possam ter a ver com elas, e certamente não são as cores do expressionismo alemão.
As cores significam em si, por si e na percepção que temos delas, que também é cultural.
A nobreza se atribuía sangue azul para dar materialidade biológica, ainda que metafórica, à sua pretendida distinção de classe.
Há convenções universais para o sentido das cores, tanto que chegam a parecer naturais, como no caso dos sinais de trânsito em que o verde é para “siga”, o amarelo para “atenção” e o vermelho para “pare, não siga”; ou ainda no caso da oposição entre branco, preto e cinza para significar uma nuance de intermediação entre posições contrárias categóricas.
Nestes casos, como em outros, de outros domínios e sistemas de valores, o que subjaz à convenção das cores é uma estrutura lógico-cognitiva em que o jogo triangular dos contrários permite a expressão, nas cores, do sentido convencional do sinal de trânsito, ou da modulação do categórico, adotados universalmente.
O filme francês La vie d’Adèle (2013), no título brasileiro O azul é a cor mais quente, optou por enfatizar a cor azul dos cabelos de Emma, uma das protagonistas, na saga de descoberta de Adèle, do amor, do sexo e de suas solidões.
O technicolor, desde os fins dos anos 1940, coloriu, em definitivo, os filmes e a vida, ao menos aquela parcela da vida retratada na ficção do cinema. Nos colorimos e a nossa percepção do colorido da vida ficou mais perto do cinza da dúvida ou do amarelo da indecisão.