Por Christopher Cunningham e Liana Anderson
O clima é parte integrante das nossas vidas, afinal vivemos e morremos “mergulhados” na atmosfera. No passado talvez fosse possível viver sem tomar muito conhecimento dele, mas nas últimas décadas a questão vem ganhando rapidamente a atenção da população mundial. Todos já vimos notícias sobre grandes desastres climáticos mundo afora, desde grandes tempestades e furacões que matam e destroem até incêndios devastadores na Califórnia e Amazônia.
Em um mundo polarizado como o nosso atualmente, você pode ser negacionista do clima ou simpatizante da causa climática; só não vale ficar alheio a ela. No centro desse debate está a causa do aquecimento: o dióxido do carbono (CO2). Por que o CO2? Primeiro, porque é um dos chamados gases de efeito estufa, cujo principal efeito é acumular calor na atmosfera. Depois, porque os processos de industrialização, urbanização e crescimento populacional desde o século XVIII aumentaram, e muito, os níveis desse gás na atmosfera. Desde a revolução industrial a concentração de CO2 aumentou aproximadamente 40%.
Esse artigo não é, entretanto, para reforçar um dos lados, e sim para dizer que não podemos dar as costas aos fatos. Independentemente de acreditar se o planeta está aquecendo em consequência de atividades humanas ou naturalmente, quando somamos diversas evidências e indicadores eles nos mostram que o clima é apenas um aspecto de uma crise mais ampla: uma crise socioambiental. Plástico nos oceanos, florestas cortadas, pastagens improdutivas, poluição do ar, agrotóxicos nos alimentos e espalhando-se pelos grandes reservatórios de água doce, os aquíferos, e mesmo o impacto no meio ambiente devido a grandes desastres, como o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho e, por fim, óleo no mar. A seguir apresentamos resultados de estudos científicos, e esperamos que o leitor reflita e tire suas próprias conclusões.
Medições de longa duração vêm detectando que a atmosfera do planeta está se aquecendo rapidamente. A temperatura média atualmente está aproximadamente 1 grau mais quente do que era antes de começar a revolução industrial, no final do século XVIII. Esse grau a mais é como botar mais lenha em uma caldeira que já está trabalhando intensamente. Esta analogia é bem fiel, pois uma boa parte do problema do aquecimento global é o fato de que em um planeta mais quente temos mais vapor de água na atmosfera, que evapora principalmente dos oceanos. O vapor de água na atmosfera funciona como um meio para transportar energia de um lugar para o outro. Assim a água que evapora no meio do Oceano Pacífico pode estar relacionada às chuvas torrenciais na costa da Califórnia.
Um dos efeitos de a atmosfera estar mais quente e com mais vapor de água é que os eventos extremos estão se tornando mais frequentes. Isto vem sendo alertado pelos cientistas de mais de 38 países que compõe o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) há pelo menos duas décadas. Diversos extremos climáticos batem recordes mundo afora, e não são somente do ponto de vista meteorológico, mas de impactos na sociedade e no ecossistema. Em novembro de 2017, por exemplo, uma onda de calor extremo aniquilou milhares de morcegos na Austrália. Cientistas e moradores locais afirmaram nunca ter visto algo parecido antes. No Brasil, a seca que atingiu o Sudeste em 2014 foi a pior em mais de 50 anos, e levou à maior crise de abastecimento da história da metrópole de São Paulo.
Também já foi comprovado que as áreas de florestas tropicais que foram desmatadas, independentemente do tipo de uso subsequente, são mais quentes e seguram menos umidade que as áreas de florestas. Estudos demonstraram que as massas de ar que passam sobre essas áreas convertidas, na Amazônia, carregam menos água que as massas de ar que viajam sobre as florestas. Isso significa que essas massas de ar estão mais secas quando chegam à região central e sul do continente, potencialmente afetando as grandes áreas de produção de grãos do Brasil, Uruguai e Argentina. Os padrões de chuvas na própria Amazônia também estão se alterando. Nas bordas dessa grande floresta, seja na porção sul, seja na porção norte, há menos chuvas nos meses de inverno que há 30 anos.
Existem grandes discussões mundiais sobre a responsabilização tanto das emissões de gases de efeito estufa (GEE) quanto dos desastres ocorridos devido às mudanças do clima. Com o aumento da regulação sobre as emissões de GEE por empresas na Europa, muitas indústrias se mudaram para a China, Vietnã e mesmo para a Índia. Essa estratégia para diminuir as emissões, no fim das contas, apenas altera onde a poluição é gerada, sem atingir a raiz do problema. Na região tropical, temos desmatado as florestas, emitindo assim grandes quantidades de GEE, sob o argumento que precisamos de mais terra para produção agropecuária. No entanto, basta você viajar de carro, seja pela região Norte, seja pela região Sudeste ou em qualquer outro local, que poderá observar as grandes áreas de pastagens degradas e improdutivas que temos. Não seria mais racional utilizar de forma mais adequada e intensiva as áreas já abertas? Ao pensarmos sobre esses dois pontos extremos podemos encontrar algo comum: os atuais modelos de desenvolvimento econômicos não estão se mostrando como as melhores alternativas para a sustentabilidade, e talvez o desenvolvimento não esteja necessariamente acoplado ao crescimento econômico, como novos economistas sugerem.
Muitas vezes, os debates sobre as mudanças do clima e seus impactos tendem a apontar os erros ou caminhos adotados pelos diferentes países ou a dívida histórica que eles têm devido à sua maior contribuição na emissão de gases de efeito estufa. No entanto, gostamos de lembrar da primeira fotografia do planeta, tirada em 1968 pelos tripulantes da Apollo 8. Naquele momento, e ainda hoje, essa foto histórica revela nosso pequeno planeta, fechado em si mesmo, sem fronteiras e sem países, nossa casa compartilhada com milhões de outras espécies em um balanço dinâmico, interconectado, pulsante e vivo.
Para que ele continue saudável, precisamos avaliar cuidadosamente nossos padrões de consumo, o lixo que geramos e o que estamos deixando como legado para as próximas gerações. Podemos ser a geração que mudou o planeta, não para algo mais deteriorado que o encontramos quando éramos crianças, mas para algo melhor para todos, mais justo e com acesso a um meio ambiente preservado capaz de sustentar todos seus serviços dos quais dependemos, como o ciclo das águas e chuvas, a polinização de frutas, a diversidade biológica que, dentre muitas outras coisas, gera medicamentos. Para atingir este objetivo precisamos também respeitar as diferenças e ter a capacidade de dialogar, lembrando que, no fim das contas, estamos todos sobre a chapa que está esquentando.
Christopher Cunningham e Liana Anderson são pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). christopher.cunning@gmail.com e liana.anderson@gmail.com