O envelhecimento populacional trouxe desafios para o futuro e jogou luz sobre questões de como se manter saudável em qualquer idade
Por Samuel Ribeiro dos Santos Neto
Imagem: Sabine van Erp/Pixabay
Não apenas viver mais, mas viver melhor. Esse é o mote que ocupa pesquisadores, governos e entidades internacionais no contexto do envelhecimento cada vez mais acelerado da população mundial. A imagem do velho que espera pelo fim da vida sentado na cadeira de balanço perdeu espaço para um novo imaginário: o idoso ativo e independente, que se exercita e vive com mais qualidade. Mas esse cenário ainda é repleto de desafios.
No final de 2020, primeiro ano em que o número mundial de pessoas acima dos 60 anos superou o de pessoas abaixo de 5 anos, a ONU proclamou a Década do Envelhecimento Saudável (2021 – 2030), visando reconhecer as demandas sociais trazidas pelo envelhecimento das populações e traçar diretrizes de políticas públicas para os países membros.
No documento, envelhecimento saudável é definido como o desenvolvimento e manutenção das habilidades funcionais que permitem o bem-estar na idade avançada, ou seja, o uso das capacidades físicas e mentais dos indivíduos para realizar tarefas e levar a vida de modo satisfatório. Para que isso ocorra, a atividade física é uma peça-chave, já que ela pode reduzir o ritmo dos declínios que ocorrem naturalmente no corpo ao longo do tempo.
“O maior fator de saúde do idoso é melhorar a aptidão física”, afirma William Serrano Smethurst, doutor em educação física e professor da Universidade de Pernambuco (UPE). Smethurst, que pesquisa o envelhecimento e atua em projetos com idosos há cerca de 20 anos, ressalta que as melhorias funcionais trazidas pela atividade física na capacidade cardiorrespiratória, agilidade, equilíbrio, aptidão muscular e amplitude dos movimentos são decisivas para um envelhecimento bem-sucedido.
A adoção de estilos de vida mais ativos, com a prática constante e moderada de atividades físicas, é um dos pilares das chamadas zonais azuis (blue zones), termo popularizado em 2005 pela revista National Geographic para denominar regiões do planeta onde as pessoas vivem por mais tempo e com mais qualidade. “Há um amplo espectro de possibilidades para o modo como envelhecemos, o que nos cabe é aprender a envelhecer de modo sustentável”, explica Smethurst.
Inspirada nas ciências ambientais, a ideia de sustentabilidade vem para caracterizar uma velhice mais saudável e independente. Nela o idoso é funcional para cuidar de seus interesses, se exercitar, ter lazer, viajar, estudar, trabalhar, se divertir e namorar. “Tudo isso é próprio da vida humana, não apenas da juventude”, comenta o pesquisador. “A questão não é a idade, que é apenas um número. A questão é a capacidade”.
As muitas velhices possíveis
Envelhecer não é sinônimo de fragilidade, nem significa parar de fazer as coisas que se fazia antes. “O termo idoso não tem o poder de transformar as pessoas em seres diferentes daquilo que eram antes de chegar aos 60 anos”, argumenta William Smethurst. Acreditar que pessoas mais velhas não possam fazer determinados tipos de atividade física, por exemplo, é um mito. Atletas de idade avançada, das chamadas categorias master, têm se tornado cada vez mais comuns.
“É precipitado dizer que um exercício intenso pode fazer mal ao idoso. De qual idoso estamos falando?”, afirma o professor, explicando que não é a idade em si que confere risco às atividades, mas sim as condições de cada indivíduo. Sendo jovem ou velho, o mais importante é que haja a orientação de um profissional qualificado, que saiba avaliar de forma segura as particularidades e necessidades de cada aluno.
Os modos de viver a velhice são tão variados como os modos de ser criança, jovem ou adulto. Com as transformações demográficas, preconceitos e estigmas sobre essa fase da vida vêm sendo superados. Idosos querem viver bem. “A ideia em nossa cultura de que o velho está mais próximo da morte é uma fantasia, porque qualquer um pode morrer a qualquer momento”, afirma o psicólogo e historiador José Clerton de Oliveira Martins, doutor em psicologia e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor).
Em todos os períodos da vida humana há potencial para aprender, experimentar, buscar realizações, fazer e descobrir coisas novas. Martins, que pesquisa a produção de novas experiências de velhice a partir do tempo livre, do ócio e do lazer, explica que as práticas realizadas por idosos são diversas e têm a ver com a história de vida de cada um. “Velho é algo que tem muito a narrar, a dizer e a oferecer, e as velhices construídas por cada um são muito diferentes”, comenta. É preciso olhar para o sentido que o indivíduo encontra em suas atividades, sejam físicas ou de outros tipos.
“Dependendo da história do idoso, se ele tiver sido mais ativo, ele vai querer continuar fazendo sua corrida, seus exercícios, estar com o corpo ativo e preparado, buscando essas atividades e sentindo prazer com elas”, explica Martins.
Políticas para uma velhice sustentável
Dados coletados pela Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo IBGE em 2019, apontam que quase 60% da população brasileira acima dos 60 anos é insuficientemente ativa. Informações ainda mais graves foram publicadas em um artigo do estudo epidemiológico SABE (Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento) em 2016, que mediu o grau de atividade física de idosos da cidade de São Paulo utilizando acelerômetros (equipamento que monitora os movimentos corporais) e constatou que 22,3% deles são insuficientemente ativos e 63,1% fisicamente inativos.
A falta de atividade física pode contribuir para uma velhice mais curta e com maior incidência de problemas graves, como quedas, demência e o agravamento de doenças crônicas. Idosos inativos tendem a se tornar mais frágeis e dependentes de maneira precoce. “As políticas médicas e de assistência social não bastam se o idoso está cada vez mais incapacitado”, afirma William Smethurst. “O grande desafio que temos pela frente é aprender a envelhecer com saúde e dignidade, porque as duas coisas andam de mãos dadas”.
Segundo o pesquisador, os gestores públicos precisam pensar o envelhecimento populacional pela lógica da capacitação, construindo políticas públicas que ajudem as pessoas a manterem ou até recuperarem suas capacidades e habilidades, como programas públicos de exercício e de reabilitação.
“O trabalho social com idosos é uma grande resposta para os desafios do envelhecimento, porque é uma tecnologia leve e uma política de baixo custo. Com um profissional e um salão é possível fazer maravilhas”, defende Eduardo Danilo Schmitz, profissional de educação física e doutor em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Além de pesquisador do envelhecimento, Schmitz é gerente em duas unidades do SESC-RS (Porto Alegre e Cachoeirinha) e atuou acompanhando grupos de trabalho com idosos no estado. Segundo ele, o idoso que participa nessas iniciativas tende a encontrar mais do que saúde física: ele se socializa, diminui a solidão e encontra um sentimento de pertencimento.
Os desafios do envelhecimento não são apenas de saúde física, mas sociais e psicológicos, ressalta Schmitz. É difícil desenvolver políticas efetivas sem considerar também as desigualdades do Brasil. O direito à atividade física, ao esporte e ao lazer também passa, por exemplo, pelas políticas de emprego e redistribuição de renda. “Não é possível falar de um país com envelhecimento bem-sucedido se nós não cuidarmos também dos jovens, especialmente as pessoas mais pobres. O sucesso do envelhecimento começa cedo”, explica.
Com a perspectiva fornecida pela ONU de que em 2050 o número mundial de idosos superará o de pessoas entre 15 e 24 anos, será mais que o dobro de crianças até 5 anos e corresponderá a um quinto da população na maioria dos países, a preocupação de que as pessoas envelheçam bem faz todo o sentido.
Samuel Ribeiro dos Santos Neto é mestre em educação física e especialista em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp.