Neurodesenvolvimento e adolescência

Por Bruna Bragança, Maria Isabel Chaves Araújo, Suely Mesquita e Leandro Fernandes Malloy-Diniz

Good night, good night! Parting is such sweet sorrow, that I shall say good night till it be morrow. 

Julieta, para Romeu (Cena 2, ato 2).

O trecho mencionado é extraído de uma das obras-primas literárias que delineiam a complexidade da natureza humana, especificamente durante a adolescência: “Romeu e Julieta” de William Shakespeare. Esta fase da vida, marcadamente volátil, tem sido historicamente retratada como um período repleto de paixões intensas, impulsividade e variabilidade emocional. A complexidade da adolescência é amplamente influenciada pela interação entre mecanismos biológicos e fatores ambientais, todos operando sobre um cérebro que ainda está em pleno desenvolvimento.

Contrapondo a percepção popular, o desenvolvimento cerebral na adolescência não é caracterizado por um aumento expressivo no volume cerebral (Casei et al., 2008). Em vez disso, o foco está no aperfeiçoamento e maturação de circuitos neurais específicos. Este refinamento prossegue até o início da fase adulta, quando o sistema nervoso alcança plena maturidade funcional, ainda que mantenha a capacidade de se adaptar através da neuroplasticidade. No término da adolescência, o esperado é que o indivíduo tenha desenvolvido a capacidade de moderar impulsos e volatilidade emocional, embora tal moderação seja relativa e varie entre os indivíduos.

Muitas características psicológicas observadas na adolescência derivam das transformações ocorrendo no sistema nervoso. Por exemplo, o aumento da impulsividade e oscilações emocionais podem estar associados à modulação de circuitos que envolvem o striatum ventral e a amígdala (Ernst, 2014). Entretanto, é também durante esta fase de transição que se nota uma predisposição acentuada ao surgimento de patologias neuropsiquiátricas, tornando a adolescência um momento crítico para a vigilância e intervenção em saúde mental (Ulhaas et al., 2023).

Compreender os mecanismos subjacentes ao neurodesenvolvimento durante a adolescência é crucial para formular estratégias efetivas na área de saúde e educação voltadas para este grupo demográfico. Um entendimento profundo, tanto dos processos normativos quanto dos patológicos manifestados na adolescência, é essencial para a formulação de políticas públicas mais precisas e ajustadas. Neste trabalho, propomo-nos a examinar minuciosamente os componentes-chave do desenvolvimento neural adolescente e suas repercussões funcionais. Ademais, analisamos os fatores que aumentam a susceptibilidade a distúrbios mentais durante esta fase e refletimos sobre como este conhecimento pode ser aplicado na criação de políticas voltadas para a população adolescente.

Neurodesenvolvimento na adolescência

As transformações cognitivas, comportamentais e emocionais durante a adolescência são notáveis. Embora as influências ambientais desempenhem um papel crucial nessas alterações, muitos comportamentos observados em adolescentes de diversas culturas e eras refletem mudanças na estrutura e função do sistema nervoso. Durante esse período, as conexões entre diferentes áreas do cérebro se intensificam e se aprimoram. Notavelmente, os circuitos na região anterior do cérebro, principalmente o córtex pré-frontal, estão em desenvolvimento intenso. Contudo, permanecem suficientemente imaturos, levando a comportamentos mais impulsivos e imediatistas.

Uma mudança neural significativa na adolescência é o fenômeno da poda sináptica, que elimina sinapses não funcionais enquanto fortalece as redes neurais essenciais. Como resultado, a densidade dendrítica dos neurônios pré-frontais tende a reduzir (Willing e Juraska, 2016) otimizando a eficiência do sistema nervoso.

A explicação para muitos comportamentos tempestuosos na adolescência reside na flutuação da atividade de dois sistemas neurais associados à impulsividade e instabilidade emocional (Ernst e Fudge, 2009). O primeiro, com ênfase no striatum ventral, está relacionado a comportamentos voltados para novidades e satisfação imediata. O segundo, centrado na amígdala, correlaciona-se com reações de medo, esquiva e explosões emocionais.  Esses sistemas, em sua hiperatividade, não são adequadamente moderados pelas funções executivas do córtex pré-frontal, que ainda estão em desenvolvimento nessa fase da vida. Esse é o terceiro sistema cujo papel será crucial para regular impulsos e paixões, imediatismos e medos, aproximações e esquivas.

E quais seriam os fenômenos explicados pelo modelo triádico de desenvolvimento do sistema nervoso? Alguns fenômenos que frequentemente observamos em adolescentes podem ser influenciados por essa dinâmica neural. A labilidade emocional, a busca incessante por recompensas, ambas já descritas coexiste com a reorientação social. Isso ocorre frequentemente expresso por uma mudança nos valores sociais, refletindo uma reatribuição de valores positivos e negativos a estímulos sociais (Ernst, 2014).

Usando “Romeu e Julieta” como analogia e considerando o modelo triádico de desenvolvimento neural na adolescência, observamos a seguinte sequência: em pouco tempo, impulsionados por tendências exploratórias e busca de novas sensações, o jovem casal desafiou convenções familiares e sociais, cedendo a uma paixão avassaladora que culminou em um ato trágico. O mais impressionante: toda a história ocorre em um intervalo de tempo de cerca de 5 dias. A ausência de uma regulação adequada, que poderia ser mediada pelos circuitos fronto-estriatais, resultou em decisões precipitadas, sem consideração das consequências a longo prazo. Para decisões mais ponderadas, essa rede neural precisa atingir maturidade, o que geralmente ocorre no final da adolescência.

Neurodesenvolvimento, períodos sensíveis e psicopatologia na adolescência

A adolescência é uma fase crucial do desenvolvimento humano, caracterizada por um aprofundado e gradual desenvolvimento cerebral. Durante este período, o cérebro se torna especialmente suscetível a influências externas, podendo ser moldado tanto por experiências positivas quanto negativas. Intrigantemente, cerca de 75% dos transtornos mentais têm seu início entre 12 e 25 anos, conforme destacado por Solmi et al. (2022).

Uhlhass et al., (2023) destaca que, para compreendermos a relação entre neurodesenvolvimento e psicopatologia na adolescência precisamos compreender dois conceitos. O primeiro deles é o de “períodos sensíveis”. Estes períodos são janelas de tempo durante o desenvolvimento onde o cérebro, graças à sua elevada plasticidade, é especialmente influenciado por fatores ambientais. Tais períodos são observáveis em diversos sistemas neurais e cognitivos relacionados à emergência de psicopatologias. Um exemplo evidente é a capacidade de responder a ameaças e estresse, modificada pelas mudanças ambientais e biológicas da adolescência. Os transtornos de ansiedade, por exemplo, tendem a surgir na primeira década de vida e voltam a aumentar a incidência ao redor dos 15 anos.

Um outro conceito destacado pelo autor é o de cascatas de desenvolvimento. Segundo ele, a juventude, com seu início da puberdade e marcos psicossociais como separação da família e estabelecimento de vínculos românticos, é uma etapa fortemente influenciada pelo ambiente. Para entender adequadamente a interação entre os chamados períodos sensíveis, fatores ambientais e o surgimento de psicopatologias, é essencial abordar a complexidade inerente a esta fase. O conceito de cascatas de desenvolvimento é uma ferramenta valiosa nesta análise, pois refere-se às consequências acumuladas das interações ao longo do desenvolvimento, afetando fases posteriores da vida. Estas cascatas ajudam a elucidar como sintomas durante a juventude podem predizer transtornos mentais na vida adulta (Uhlhass et al., 2023).

A integração entre os conceitos de períodos sensíveis, cascatas de desenvolvimento atreladas às informações sobre como o cérebro se desenvolve entre a infância a adolescência pode ser fundamental para compreendermos como o curso do desenvolvimento transcende do normal ao patológico, quais fatores de risco são mais pronunciados, como tais fatores de risco interagem entre si e como seu acúmulo ao longo do tempo pode gerar efeitos de risco e proteção.

Como aplicar o conhecimento sobre neurodesenvolvimento na adolescência para promoção de saúde?

A compreensão profunda de fenômenos em Psicologia exige uma abordagem multidimensional, combinando conhecimentos de vários níveis de análise. É essencial integrar insights neurocientíficos aos fatores socioambientais que influenciam o desenvolvimento do sistema nervoso. Mais crucial ainda é que esse conhecimento sobre as transformações neurais durante a adolescência informe práticas em diversos setores da sociedade, como escolas, famílias e iniciativas de promoção da saúde. Dessa forma, destacamos alguns pontos fundamentais:

  1. Muitos comportamentos típicos da adolescência, como impulsividade e oscilações emocionais, são consequência direta do estado e funcionamento do sistema nervoso neste período da vida. As explicações neurobiológicas não servem para justificar atitudes impensadas, mas sim para indicar áreas que necessitam de prevenção e cuidado, como evitar situações de risco, como o consumo de álcool, outras drogas ou acesso combinado à direção de automóveis.
  2. A exposição excessiva a estressores durante a adolescência, devido às mudanças neurais típicas desta fase, merece especial atenção em virtude do risco elevado de desenvolvimento de psicopatologias. Reconhecer os fatores de risco que o adolescente enfrenta, bem como seu histórico familiar de doenças mentais ou experiências traumáticas, pode orientar medidas preventivas e ações focadas na promoção da saúde mental.
  3. Devido à alta prevalência de transtornos mentais na adolescência, políticas de monitoramento e avaliação contínua são vitais. Diagnósticos precoces, realizados com ferramentas precisas e equipes de excelência podem proporcionar tratamentos mais eficientes, evitando trajetórias desfavoráveis em saúde mental. A detecção precoce é uma oportunidade inestimável para mitigar desfechos negativos e complicações futuras. Uma grande barreira para a implementação dessas políticas é a negação infundada, quase terraplanista, da existência de transtornos mentais, muitas vezes alinhada a teorias conspiratórias. Desconsiderar a realidade das psicopatologias, especialmente em uma fase tão vulnerável, pode privar indivíduos de intervenções valiosas, capazes de alterar o curso de suas vidas.
  4. Tendo em vista as características naturais do desenvolvimento do sistema nervoso, em que há um aumento natural da impulsividade, miopia decisória, apetite por risco e instabilidade emocional, políticas públicas baseadas nos pontos levantados anteriormente, devem ser precedidas de discussões sobre assuntos como redução da maioridade penal. O conhecimento do neurodesenvolvimento na adolescência, a noção de imaturidade nos circuitos fronto-estriatais (fundamentais para o controle cognitivo-comportamental), a compreensão de períodos sensíveis e castaca de desenvolvimento fornece pistas importantes para o manejo preventivo de comportamentos que possam gerar prejuízos individuais e sociais.

A adolescência, como qualquer fase da vida, apresenta suas peculiaridades de desenvolvimento. Resumimos nesse artigo alguns pontos importantes que devem ser considerados na compreensão das modificações do sistema nervoso na adolescência, seus correlatos funcionais e riscos para psicopatologias. Destacamos que é fundamental integrar os conhecimentos sobre neurodesenvolvimento em discussões sociais nos contextos da saúde, educação e formulação de políticas públicas influenciadas por evidências.

Referências

Casey, B. J., Getz, S., & Galvan, A. (2008). The adolescent brain. *Developmental Review, 28*(1), 62-77. https://doi.org/10.1016/j.dr.2007.08.003

Ernst, M. (2014). The triadic model perspective for the study of adolescent motivated behavior. *Brain and Cognition, 89*, 104-111. https://doi.org/10.1016/j.bandc.2014.01.006

Ernst, M., & Fudge, J. L. (2009). A developmental neurobiological model of motivated behavior: anatomy, connectivity and ontogeny of the triadic nodes. *Neuroscience & Biobehavioral Reviews, 33*(3), 367-382. https://doi.org/10.1016/j.neubiorev.2008.10.009

Ernst, M., Pine, D. S., & Hardin, M. (2006). Triadic model of the neurobiology of motivated behavior in adolescence. *Psychological Medicine, 36*(3), 299-312. https://doi.org/10.1017/S0033291705005891

Solmi, M., Radua, J., Olivola, M., Croce, E., Soardo, L., Salazar de Pablo, G., … & et al. (2022). Age at onset of mental disorders worldwide: large-scale meta-analysis of 192 epidemiological studies. *Molecular Psychiatry, 27*, 281-295.

Uhlhaas, P. J., Davey, C. G., Mehta, U. M., Shah, J., Torous, J., Allen, N. B., … & Wood, S. J. (2023). Towards a youth mental health paradigm: a perspective and roadmap. *Molecular Psychiatry.* https://doi.org/10.1038/s41380-023-02202-z

Willing, J., & Juraska, J. M. (2015). The timing of neuronal loss across adolescence in the medial prefrontal cortex of male and female rats. *Neuroscience, 301*, 268-275. https://doi.org/10.1016/j.neuroscience.2015.05.073