Por Felipe Mateus
Projetos em São Paulo e Campinas mostram importância de integrar comunidades no desenvolvimento científico
Em um primeiro olhar, o processo de desenvolvimento de tecnologias para a geração de energia limpa e sustentável concentra-se nos laboratórios, em que as inovações são criadas, e no setor produtivo, onde estudos e protótipos se transformam em produtos industriais e fontes de renda para as empresas. No entanto, experiências em curso no Centro Paulista de Estudos da Transição Energética (CPTEn) são exemplos do potencial de envolver as periferias de grandes cidades no ciclo de criação e implementação dessas tecnologias.
Projetos desenvolvidos por pesquisadores em Campinas e na capital paulista mostram que as comunidades vão além de meras beneficiadas pelo acesso à eletricidade, o que em muitos casos já faz uma grande diferença, mas podem contribuir com conhecimento e promover mudanças em sua realidade que extrapolam o setor energético.
Situado em uma das regiões de menor índice de desenvolvimento humano (IDH) de Campinas, o Satélite Íris convive com as desigualdades sociais da cidade. Dados do Atlas de Desenvolvimento Humano da Região Metropolitana de Campinas mostram que o bairro figura entre os de menor IDH: 0,636. As deficiências se refletem no acesso à energia, o que torna comuns no local as ligações clandestinas. “Por conta da pobreza, as pessoas têm dificuldade em regularizar sua situação. Muitas vezes, precisam escolher entre se regularizar ou alimentar a família”, revela Júlio Amstalden, pesquisador do Eixo 8 – Inovação para municípios inteligentes do CPTEn.
Seu contato com a realidade da região teve início a partir de um trabalho como orientador pedagógico da ONG Projeto Gente Nova, que atua no bairro há cerca de 40 anos. A experiência no local despertou a ideia de implementar no bairro o projeto de uma comunidade de energia, conceito difundido na Europa, mas ainda incipiente no Brasil, no qual os moradores investem em aparatos geradores de energia, que é distribuída entre eles seguindo os interesses comuns. Por meio de parcerias com empresas, prefeitura e CPFL, a proposta é que isso beneficie os moradores e auxilie em sua regularização.
“Queremos instalar uma central geradora fotovoltaica com capacidade para 50 domicílios, criando um laboratório urbano sustentável e permitindo a observação de comportamentos técnico-sociais em tempo real. Em última análise, podemos entender a relação custo-benefício desse tipo de empreendimento e, se ele se mostrar competitivo, pode ser um modelo de política pública para comunidades de baixa renda”, explica Júlio. De acordo com ele, os equipamentos serão instalados no telhado da sede da ONG, também parceira do projeto.
Júlio ressalta que o envolvimento dos moradores traz benefícios para a comunidade e para as pesquisas do setor. A ideia é que a implementação das tecnologias de geração de energia fotovoltaica ocorra por meio da formação dos moradores para que eles possam cuidar da instalação, manutenção e limpeza dos equipamentos. Com isso, além de fazer a gestão da central geradora, eles podem ser absorvidos por empresas do setor, aumentando a empregabilidade e a renda. Já para as pesquisas, a iniciativa se mostra como um protótipo cujos resultados indicam o potencial de reprodução em outros espaços. “Partimos de uma realidade de maior privação olhando para a possibilidade de levar o mesmo conceito para locais com condições mais favoráveis”, analisa Júlio.
Longe também do centro e com o sexto pior IDH da cidade de São Paulo (0,751), São Miguel Paulista, bairro da Zona Leste da capital, será o local de desenvolvimento de outro projeto do CPTEn com participação da comunidade. Uma pesquisa de iniciação científica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) propõe mapear as iniciativas de transição energética em curso na Zona Leste de São Paulo. O projeto é ligado ao Eixo 3 – Políticas Públicas e Governança do CPTEn.
Além de mapear o que as comunidades já realizam na direção da transição energética e sustentabilidade, oferecendo um importante diagnóstico das potencialidades da região, a pesquisa deve identificar o quanto o tema é difundido entre os moradores, contribuindo com a educação e a mudança de hábitos. “Visto que a transição energética seria ainda mais eficaz se chegasse a essa parte da população que reside em grandes periferias e sofre com o alto custo das contas de energia, acredito que os moradores precisam saber mais sobre formas diferentes de uso de energia”, afirma Yasmin Figueiredo, aluna de iniciação científica do IFSP e também moradora da Zona Leste, do Jardim Lageado, em Guaianases.
Para Altair Oliveira, professor do IFSP e orientador da pesquisa, o envolvimento dos alunos torna a comunidade protagonista da geração de conhecimento. “Nós já estamos fisicamente presentes na periferia de São Paulo. Por isso, ao atender aos anseios e às curiosidades dos alunos e oportunizar espaços para eles entrarem em contato com a ciência e com o processo investigativo de fato, criamos conexões com a comunidade”.
Ele aponta ainda que o projeto fornece subsídios para a formulação de políticas públicas, mostrando aos gestores públicos que é preciso considerar as experiências já praticadas pela população. “Mapear as iniciativas e caracterizá-las nos fornece informações do que teve ou não sucesso, mostrando lições que servem como inputs para pensarmos e repensarmos as políticas públicas, buscando fazer sugestões detalhadas para os instrumentos que compõem as políticas da prefeitura e também do Estado de São Paulo. Assim, podemos desenhar um sistema de governança robusto e mais inclusivo, que não seja apenas topdown”, reflete Altair.
Felipe Mateus é jornalista da Secretaria Executiva de Comunicação (SEC) da Unicamp e Gestor de Comunicação do CPTEn – http://lattes.cnpq.br/3011334295951684