Por Carlos Vogt
O Brasil é um país ciclotímico e o movimento que o leva da excitação maníaca à depressão melancólica às vezes nem passa pelos estágios intermediários da alegria vivaz e da calma tranquilidade.
Os recentes acontecimentos da cena política e da cena econômica, que andam de mãos dadas, são expressões eloquentes dessas oscilações.
Num dia, tudo parece perdido e acabado; no outro, o sol brilha em raios fúlgidos de esperança. Num instante, as oposições parecem prestes a derrubar o governo; no seguinte, elas próprias se organizam para preservá-lo, com receio de que a catástrofe política engendre um cataclismo econômico e que o cidadão, desconfiado, espante o eleitor descontente que, no fim, acabe votando num candidato mais conservador e mais capaz, ao menos na imagem, de trazer-lhe tranquilidade e não exasperação.
É como se a própria oposição tivesse, de repente, uma crise conservadora e algum conselheiro com o perfil, infiltrado nas fileiras do radicalismo, produzisse nas lideranças um choque de realismo político e eleitoral que as levasse, ainda que calculadamente, à postura serena dos que confiam na vitória.
À crise política, em meio às denúncias e à iminência (adiada) das CPI’s da corrupção, à crise econômica da Argentina, à crise cambial, somou-se a crise energética cantada em verso, prosa e imagem pela mídia e pela imprensa.
Durante um tempo, tudo parecia desabar.
Aos poucos, as medidas adotadas pelo governo foram surtindo efeito, o dragão da maldade cuspidor, não de fogo, mas de apagão, foi sendo esclarecido e, mais do que tudo, a população, consciente de sua parcela de participação no jogo de esconde-esconde, de luz e sombra de nossos confortos e desperdícios, adotou, antes mesmo das controvérsias jurídicas e legais que envolveram os síndicos e zeladores dos condomínios de nossos cotidianos, a decidida poupança que vem contribuindo positivamente para o esclarecido adiamento do confronto com o referido dragão do apagão.
Até quando, ainda não se sabe. Garante-se, contudo, que pelas próximas quatro semanas ele está descartado e, dependendo da variável São Pedro, que ele poderá até mesmo vir a ser domesticado e adormecido por um longo período, havendo tempo para implementar as medidas de emergência que resultarão em modificações positivas na estrutura da matriz energética do país.
Trata-se, de um lado, de otimizar o sistema hidrelétrico já instalado e, de outro, de implementar fontes energéticas alternativas, entre elas as termelétricas, utilizando definitivamente o gás natural, a biomassa, sem esquecer o álcool de cana-de-açúcar, e consolidando e modernizando o programa nuclear para o mesmo fim.
Há, além disso, uma série de iniciativas e de inovações tecnológicas, como é o caso do sistema de célula combustível, que permitiriam soluções pontuais que, certamente, agregariam valor ao enfrentamento positivo da crise.
E tudo isso vai se descobrindo como se fosse mágica, quando, na verdade, é revelação: a de que continuamos a nos conhecer muito pouco e que, por isso, nos cansamos de nos surpreender com o estranho que costumamos ser para nós mesmos.
No domingo, dia 24 de junho, o jornal O Estado de S. Paulo trouxe na parte superior da primeira página, do primeiro caderno, uma foto enorme e cintilante de Campos de Jordão à noite com a manchete: “O Brasil aonde a crise não chega”. Era a chamada para um caderno inteiro de economia sobre o tema eufórico do sucesso em diferentes áreas, em diversos lugares, com diferentes atores da sociedade brasileira. A foto noturna da Suíça paulista era a metáfora feérica da alegria vivaz, quase maníaca, dessa crise de otimismo, êmulo dos antípodas fatalistas que dominaram as notícias nas semanas anteriores em todos os veículos da imprensa e da mídia, incluindo, é claro, o próprio Estadão.
De qualquer maneira, a questão energética é séria demais para que não se possa brincar com ela, sobretudo quando a população sente e sabe que aumentando sua responsabilidade na busca de soluções, aumenta também o seu direito de participação efetiva nas decisões quanto às diretrizes e medidas a serem adotadas para as políticas do setor.
Gestão e planejamento é o que a população espera e exige dos dirigentes e dos técnicos envolvidos com o sistema de energia no país. O mesmo ela exigirá com mais ênfase e conhecimento, dado a aprendizagem que agora se processa, no caso da crise anunciada da água.
É bom chover no molhado!
Publicado originalmente em Vogt, C. “Haja energia!” na revista ComCiência, julho de 2001.