Por Monique Rached
O Programa de Pós-graduação em Ecologia do Instituto de Biociências da USP aprovou, no final de 2021, mudanças em seu edital de ingresso para incluir ações afirmativas. Aprovou-se a reserva de 50% das vagas para pessoas autodeclaradas pretas, pardas e indígenas. Também foram aprovadas vagas supranumerárias para pessoas trans, pessoas com deficiência e de comunidades tradicionais. A conquista foi alcançada graças à mobilização do Bitita, o coletivo negro formado por alunos do instituto.
Lucas Nascimento, doutorando em ecologia no instituto e um dos fundadores do coletivo participou intensamente do processo de aprovação da reserva de vagas e já se envolvia na luta pelas cotas no SISU desde 2016, quando se uniu a outros dois alunos da graduação em ciências biológicas, Natália dos Santos Vieira e Matheus Rosa, que uniram forças para promover mais inclusão.
Natália conta que a partir de 2017 o grupo, ainda não formalizado como coletivo, começou a ficar bastante ativo, focando, principalmente, em ações que promovessem acolhimento de estudantes negros ingressantes na USP.
Nos anos que se seguiram o coletivo continuou pequeno em número de integrantes, porém as ações foram se ampliando em número e intensidade. O grupo promoveu diversos simpósios e organizou a Semana da Consciência Negra, que tem como objetivo central informar e provocar a difusão dos debates relacionados ao tema com os alunos. “Por ser um Instituto muito embranquecido existiam muitos entraves nas discussões. As pessoas não se sentiam parte da discussão, talvez por não ter tanto letramento racial, e por conta disso, acabavam se eximindo das conversas”, diz Natália.
A luta
O coletivo organizou um grupo de trabalho envolvendo alunos da graduação, pós e professores, para pensar a proposta de novo edital de ingresso no Programa de pós-graduação em ecologia. Esse grupo analisou 30 editais que já continham políticas afirmativas e depois elaborou uma proposta, que foi votada em plenária pelos professores integrantes do programa.
“Agora que criamos ações afirmativas para ingresso no programa, o maior desafio é garantir que os sujeitos de direito ocupem essas vagas e concluam sua pós-graduação. Há muitas ações afirmativas por implantar, como por exemplo superar as barreiras para prestar o exame de ingresso e também para permanência estudantil”, afirma o coordenador do programa, Paulo Inácio Prado.
Em 2016 o coordenador publicou um artigo no Jornal USP explicando porque cotas sociais não são suficientes para erradicar o racismo, dado que ele está presente em todos os extratos da sociedade. Na USP, por exemplo, dos 5820 professores, apenas 2,2% são negros.
“Compreender a necessidade e urgência das ações afirmativas pede uma reflexão profunda, com a ajuda de especialistas e das pessoas dos grupos vítimas da marginalização e preconceito. É um trabalho de conscientização que exige tempo, estudo e escuta atenta, especialmente das pessoas que não pertencem a esses grupos, e que hoje são a maioria entre docentes e discentes nos cursos de pós-graduação“, diz Paulo.
Natália conta que dentre os momentos de argumentação do Coletivo houve muitas situações de desconforto e pontos de tensão, em especial sobre a proporção de 50% de vagas reservadas. “No Brasil 54% da população é negra, então a proporção esperada de negros nas diferentes amostras deveria ser equivalente”, diz.
No início de 2022, como resultado do edital publicado em setembro de 2021, houve um aluno de mestrado ingressando no programa por meio da nova política afirmativa. Outros quatro alunos que optaram pelas vagas reservadas tiveram nota suficiente para serem aprovados nas vagas de ampla concorrência.
Alguns outros institutos da USP se inspiraram pela história e entraram em contato com o Bitita. Foi criada a Comissão Permanente de Ações Afirmativas (Copaf), que tem como objetivo zelar pela efetividade dessas políticas, acolhendo e orientando os alunos ingressantes por meio das vagas reservadas. Há também o projeto de criação de um cursinho preparatório para os programas de mestrado e doutorado.
Monique Rached é bióloga pela Universidade de São Paulo e especialista em jornalismo científico pelo Labjor-Unicamp. Bolsista do programa Mídia Ciência da Fapesp.