Por Bárbara Fernandes Silva
Em 2022, 4 anos após a implementação da política de cotas, a Unicamp registrou 42% de ingressantes provenientes da rede pública, e 30% autodeclarados pretos e pardos, de acordo com dados fornecidos pela a Comissão Permanente para os Vestibulares (Comvest).
Em comparação a dados do ano anterior foi um aumento em relação aos ingressantes pretos e pardos (29%) e regrediu no número de estudantes de escolas públicas (45,7%). Para o diretor da Comvest, José Alves, os dados refletem a queda nas inscrições de alunos de escolas públicas devido principalmente à pandemia, o que por consequência afeta o número de aprovados.
“A cota, no caso da Unicamp, estabelece um piso mínimo de 25%, podendo chegar até 37%. Temos em média 30% a 32% de ingressantes que se autodeclaram pretos e pardos, sendo que na população do Estado de São Paulo essa taxa é de 37,5%” acrescenta o diretor.
No caso dos indígenas, são disponibilizadas 123 vagas, e a prova foi aplicada em março. Com a ingressão desses estudantes o número de alunos de escolas públicas poderá alcançar 44,3%, pois todos os candidatos nesta modalidade estão dentro deste perfil.
O surgimento da política
As políticas de ações afirmativas na Unicamp tiveram seu início em 2003 através da criação do Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS), responsável por implementar em 2004 uma bonificação nas notas de estudantes de escolas públicas e autodeclarados pretos e pardos. A ideia, ainda incipiente, logo mostrou a necessidade de outras ações, mais robustas.
Em 21 de novembro de 2017, com influência do movimento estudantil e o ambiente favorável, foi aprovada por meio do Conselho Universitário (Consu) a política de cotas étnico-raciais e o vestibular indígena na Unicamp. O então reitor Marcelo Knobel apresentou como objetivo da decisão a necessidade de que a sociedade se visse representada dentro da instituição. A implementação no vestibular só ocorreu 2 anos depois, em 2019.
A primeira aplicação do sistema, em conjunto a outras políticas afirmativas, resultou na ingressão de 35% de estudantes pretos e pardos, 2% de indígenas, compondo 47,9% de alunos vindos de escolas públicas, os maiores percentuais registrados nesses 4 anos de aplicação da política. “As cotas permitiram que nós estabeleçamos essas medidas para todos os cursos, pois às vezes uma política de bonificação faz com que em alguns cursos, talvez de menor concorrência, tenhamos um número maior de estudantes pretos e pardos, e um número menor em cursos mais concorridos” explica José Alves.
Os resultados promissores de 2019 demonstraram a efetividade da reserva de vagas que já vinha sendo discutida desde 2016 através de greves estudantis, e a criação do GT-Cotas e o GT-Ingressão, sendo o primeiro responsável por promover audiências públicas com discussões sobre a política de cotas dentro da Unicamp, e o seguinte responsável por consolidar uma proposta que institui a nova política de ingresso na Unicamp.
Conforme o artigo publicado para o XXVII Congresso de Iniciação Científica Unicamp, intitulado O debate sobre cotas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp): Uma perspectiva histórica sobre a inclusão social, de autoria de Dayana Morais da Cruz e orientado pela docente da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA/Unicamp), Milena Pavan Serafim, três audiências sintetizaram as argumentações em prol das cotas.
Essas audiências, realizadas com forte embasamento científico, demonstraram a necessidade de métodos que promovessem a diversidade dentro da instituição, uma vez que tal característica, de acordo com a pesquisa, é prova de qualidade da universidade.
Pluralidade e representatividade
Em 2021, houve a implementação de cotas destinadas ao público trans (travestis, transexuais e transgêneros) pelas pós-graduações em antropologia social, educação e no curso de multimeios. As cotas direcionadas a esse grupo já estão presentes em 26 instituições de ensino superior públicas no Brasil.
Brume Dezembro, autora da dissertação Existe ‘universidade’ em pajubá?: Transições e interseccionalidades no acesso e permanência de pessoas trans, comenta sobre como esta reserva de vagas destinadas ao público trans segue o exemplo da luta pelas cotas destinadas a pessoas negras, indígenas quilombolas e de baixa renda. “Estamos no momento inicial dessas políticas afirmativas, ainda vamos ver ao longo dos anos o impacto para pessoas trans, mas o debate já está presente nesses espaços”, conta Brume, mestre em antropologia social pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.
A antropóloga também salienta a força das políticas afirmativas. “Depois de implementada a política, pessoas trans de diversas áreas do conhecimento e estados diferentes quiseram conhecer a área de antropologia e a Unicamp, e até pessoas que já haviam saído da universidade pensaram em voltar”. Ela também destaca a importância da mobilização de alunos e professores como aliados dessa luta, e a necessidade de ter pessoas trans em todos os espaços discutindo esses temas. Atualmente não há planejamento para a criação de cotas voltadas para este grupo na graduação.
Outros grupos já possuem um encaminhamento para a reserva de vagas no vestibular. Alves afirma que há debates sobre a inclusão das políticas de cotas para pessoas com deficiência (PcD) e declara que as metas para os próximos vestibulares se mantêm com o mínimo de 25% de estudantes autodeclarados pretos e pardos, com a perspectiva de chegar a 37,5%. “Nesse sentido, o vestibular da Unicamp tem as políticas mais robustas de inclusão para a população negra, porque a lei de cotas do Sistema Federal, usada nas demais universidades paulistas, por exemplo, incide apenas sobre a metade das vagas que é reservada para as escolas públicas. Portanto, as outras universidades trabalham na prática com uma política de cotas de 18,5%, ao passo que na Unicamp temos 25%”.
O diretor ainda acrescenta que “não se trata apenas de colocar os estudantes dentro da universidade, mas sobretudo acompanhar e dar condições para sua permanência. Temos dois anos de pandemia e agora com o retorno presencial isso demandará muita análise e muito estudo a respeito dos impactos dessa crise sanitária mundial na formação dos estudantes que ingressaram nesse período”.
Bárbara Fernandes Silva é formada em jornalismo (Unip). Cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp)