Colaboração científica se intensificou na pandemia e trouxe novas possibilidades para as pesquisas

Por Leonardo Pinto de Magalhães

Com o aumento das restrições de circulação causada pelo novo coronavírus, muitos cientistas ficaram impossibilitados de acessar seus laboratórios e locais de pesquisa. Assim, tiveram que aderir a outros modelos de fazer ciência, como o uso de plataformas digitais e aplicativos de comunicação. Outras práticas já estabelecidas, como uso dos repositórios de dados, também se intensificaram.

O crowdsourcing foi outra prática que se tornou mais popular entre os cientistas. Trata-se de um processo de obtenção de dados, serviços ou conteúdos através da colaboração de um grande número de pessoas, frequentemente de forma online. Poderia ser enxergado como um parcelamento de tarefas, em que um grupo de colaboradores adiciona pequenos resultados para obtenção de um resultado maior. Isso permitiu, por exemplo, que dados necessários a uma pesquisa no Brasil fossem obtidos de um país onde a pandemia tinha menos restrições, ou que dados da pandemia fossem rapidamente compartilhados entre a comunidade de pesquisadores. 

Iniciativas como o Observatório da covid-19 BR surgiram devido à urgência da pandemia e se estruturaram em colaborações coletivas para mapear os dados coletados. Isso foi fundamental em épocas em que houve apagão dos dados federais, para produzir notas técnicas e boletins informativos. Cada colaborador foi responsável por adicionar na plataforma do projeto dados sobre sua cidade, região ou Estado. Isso permitiu gerar mapas que mostravam o avanço da pandemia em cada local. 

Vários cientistas já eram adeptos dessa forma de colaboração antes do início da pandemia. É o caso da doutoranda Clarissa Carneiro, que estuda a qualidade em pesquisa biomédica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela coordena três projetos de crowdsourcing: dois sobre preprints e o terceiro sobre reprodutibilidade de pesquisas. No caso de uma de uma das pesquisas sobre preprints (artigos ou relatos de resultados ainda não revisados por pares), cada participante ficava responsável por ler uma quantidade de trabalhos e responder um questionário acerca de sua qualidade. A escolha do modelo crowdsourced, segundo Clarissa, foi para que “cada participante pudesse individualmente investir menos tempo na coleta de dados, e que o trabalho pudesse ser concluído mais rapidamente”. 

Outro projeto em que a pesquisadora está inserida é a Iniciativa Brasileira de Reprodutibilidade. Apoiada pelo Instituto Serrapilheira, busca estimar a reprodutibilidade da ciência biomédica e se debruça sobre mais de 60 experimentos a serem reproduzidos. Devido ao tamanho do projeto, a escolha pelo modelo crowdsourcing foi natural e permitiu a interação entre diferentes laboratórios que integram a iniciativa, além de possibilitar maior robustez na execução do projeto. Ainda sobre o tema, Clarissa analisa que “à medida em que a complexidade das perguntas científicas aumenta, bem como o tamanho dos projetos, mais numerosas e significativas serão as vantagens de estabelecer grandes colaborações usando processos como o crowdsourcing”.

Quem compartilha dessa visão é o pesquisador Kleber Neves, que também integra a coordenação da Iniciativa Brasileira de Reprodutibilidade. Ele acredita que com o aumento da complexidade da ciência a realização de projetos de “ciência grande” se tornem mais comuns. Ele vislumbra também que será necessária uma ruptura do modelo atual de pesquisa, mais individualista e centrado em um pesquisador principal. Nesse formato atual, as colaborações científicas surgem apenas conforme as interações de cada pesquisador. Por outro lado, segundo ele, nos projetos de ciência grande “o propósito é exatamente pensar a direção da pesquisa em um nível de abstração maior”. Ele cita, como exemplo, que seria possível um consórcio de cientistas votar para decidir quais são as questões mais importantes de um determinado campo do conhecimento, para então distribuir os trabalhos/experimentos entre os laboratórios participantes de um projeto. A decisão de qual pesquisa realizar não seria mais do pesquisador individualmente, mas sim um consenso da coordenação do projeto maior.   

Dificuldades

Tanto Clarissa quanto Kleber observaram algumas dificuldades inerentes a esse tipo de colaboração. A maior delas, na visão dos dois pesquisadores, é que o grande número de laboratórios e cientistas cria a necessidade de uma gestão mais elaborada e participativa. Segundo eles, essa habilidade de gestão, que nem sempre é desenvolvida pelos cientistas durante sua formação, precisou ser trabalhada por ambos durante a coordenação dos projetos.

O filósofo Pedro Bravo, que faz doutorado na USP estudando o princípio da precaução na ciência, destaca também que formas de colaboração como o crowdsourcing aumentam os ganhos de confiabilidade das pesquisas. Alguns estudiosos do tema, como David Watson e Luciano Floridi, citados por ele, apontam que “maior é a chance de um agente estar certo sobre uma hipótese relevante se ele se baseia em muitas observações do que em poucas”.

Porém, algumas questões éticas surgem com a utilização dessas novas formas de interação. Uma é sobre o uso dos dados compartilhados nos projetos, bem como os agentes que se beneficiarão deles, para que os conflitos de interesse não interfiram nas análises, e também para que haja segurança aos participantes de pesquisas sobre temas mais sensíveis. Outra questão apontada por ele como de interesse para a filosofia da ciência é em relação ao uso das novas tecnologias na produção da ciência, avaliando como (e se) elas trazem ao fazer científico uma visão realmente mais completa.

Leonardo Pinto de Magalhães é doutorando em engenharia de sistemas agrícolas (USP) e aluno da especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp)