Por Fabíola Mancilha Junqueira
Museus, teatros e casas de show ficaram impedidos de receber o público por vários meses desde o início da pandemia. Além de instaurar uma crise econômica no setor, a população se viu privada de opções de lazer, acesso à cultura e contato com o conhecimento proporcionado pelas exposições.
Doutorando e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), André Fabrício Silva comenta sobre o impacto do desemprego e a necessidade de repensar formas de contato com a população. “Quando analisamos as limitações de visitação do ponto de vista do público, talvez a consequência mais direta seja exatamente a perda do contato com as instituições culturais. Uma vez que as visitas aos museus permitem que o público tenha uma experiência transformadora, isso se perde com esse distanciamento”, diz. O pesquisador reflete sobre o tema no artigo “Pandemia, museu e virtualidade: a experiência museológica no “novo normal” e a ressignificação museal no ambiente virtual”, publicado revista Museus.
A pressão por medidas protetivas econômicas que subsidiassem a classe artística nesse período de contato restrito resultou na Lei Aldir Blanc, que garantiu recursos financeiros distribuídos a partir de setembro de 2020. Ainda assim, o impacto econômico sobre o setor foi preocupante. “Para os museus que funcionam em um espaço físico, o impacto foi a própria perda do público que, em muitos casos, por meio do pagamento de entradas e venda de produtos nas lojas, garantiam recursos para manter o funcionamento. Isso afetou diretamente o quadro de funcionários”, diz Andre.
“Praticamente 60% das instituições museológicas que possuem gestão mista, pensando na realidade da América Latina, tiveram que renunciar a parte de seus funcionários. Os mais afetados com demissão, suspensão ou readequação de contratos foram os responsáveis por visitas guiadas, mediações e ações educativas realizadas por serviço terceirizado nas exposições, lojas e cafeterias”, completa Andre. O dado foi divulgado pelo Observatório Ibero-Americano de Museus no repositório sobre a covid-19, onde estão disponíveis informações sobre o impacto da pandemia no ecossistema museus, bem como protocolos de abertura, medidas de apoio governamental ao setor, além de documentos e oferta de cursos.
Em decorrência da impossibilidade de visitação ao longo dos anos de 2020 e 2021, alternativas foram criadas para viabilizar o contato do público com a arte e a cultura. A disponibilização de acervos de museus e bibliotecas em ambiente virtual, processo que já havia começado em algumas instituições, teve de ser acelerada. A oferta de shows e espetáculos em lives pelas plataformas de redes sociais ganhou espaço nesse novo cenário.
Valéria Picolli, doutora em arquitetura e urbanismo pela USP e curadora-chefe da Pinacoteca do Estado de São Paulo, comenta que foi necessário providenciar medidas alternativas de contato com o público, migrando parte da sua programação para o ambiente virtual. “A Pinacoteca foi a primeira a iniciar um programa de postagens diárias sobre o acervo, que denominamos #pinadecasa. E também a propor semanalmente conversas com artistas, visitas virtuais a exposições, falas sobre os bastidores do museu, podcasts. Esse material está armazenado no Instagram do museu. Lançamos ainda uma exposição virtual de vídeos, que qualquer um podia assistir de casa.”, comenta Valéria.
“Tivemos que, muito rapidamente, pensar em estratégias para manter o público de alguma forma em contato com o museu. As equipes de educadores e de atendentes de sala, que são equipes grandes, tiveram que ser desviadas para outras funções. A direção da Pinacoteca se empenhou com muito afinco para evitar demissões. Foi uma reação em cadeia. Uma consequência importante foi o impacto financeiro. A programação do museu depende de captação de recursos via Lei Rouanet, com contrapartida de visibilidade do patrocinador. Com o museu fechado, obviamente a contrapartida se tornou inviável e os patrocinadores se tornaram mais reticentes”, destaca Valeria.
Com o avanço da vacinação, as medidas restritivas de circulação se abrandaram e o setor cultural voltou a abrir as portas. Em São Paulo, o Museu da Língua Portuguesa reabriu ao público em julho, após anos de intensos trabalhos para a reconstrução necessária em decorrência do incêndio ocorrido em 2015. Com uma exposição baseada em relatos de imigrantes em cartaz atualmente, Marina Toledo, coordenadora do Núcleo Educativo do museu, comenta o retorno da visitação. “As pessoas ficam muito tocadas, o sensível está à flor da pele. Temos visto muito isso”, diz.
Fabíola Mancilha Junqueira é formada em psicologia (FMU), com mestrado em psicologia clínica (PUCSP). Aluna da especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp).