Por Mariana Hafiz
A área é predominada por autores europeus, norte-americanos e homens. Além disso, carece de referencial teórico padronizado
Na última segunda-feira (18), aconteceu o webinar “The Field of Science Communication Research” para discutir os resultados do estudo “Science Communication Research: an empirical field analysis”, feito pelo Instituto para Comunicação de Ciência e Inovação (inscico) e com.X Institut für Kommunikations-Analyse und Evaluation, ambos na Alemanha. A gravação do evento está disponível neste link.
Alexander Gerber, coordenador do estudo e diretor de pesquisa do inscico apresentou os principais resultados e, para a discussão, estavam presentes Ayelet Baram-Tsabari (Technion, Israel), Emily Dawson (University College London, Reino Unido) e Bruce Lewenstein (Cornell University, EUA).
Publicado em maio de 2020 e disponibilizado abertamente em e-book, o estudo mostra que a área de Pesquisa em Comunicação de Ciência (SCR, sigla em inglês) está crescendo nos últimos 15 anos, mas ainda é dominada por autores norte-americanos e europeus e carece de um referencial teórico padrão, resultado da disparidade em terminologias e disciplinas ao redor do mundo.
O estudo partiu de uma pesquisa online inicial com especialistas em SCR e fez análise bibliométrica e de conteúdo dos trabalhos publicados (2.797) até 2016 em três principais revistas especializadas em comunicação de ciência: Public Understanding of Science (PUS), Science Communication (SCX) e Journal of Science Communication (JCOM). “Foi a primeira vez que uma análise como essa foi feita de forma tão abrangente”, comentou Gerver. “Nós não escolhemos nenhum artigo, decidimos pegar todos os trabalhos já publicados em qualquer uma das três principais revistas em SCR”.
Também foram incluídos 79 artigos previamente analisados pelos pesquisadores Massimiano Bucchi e Brian Trench em seu estudo “The public communication of science – major works in public communication of science”, de 2016. Depois, comparou-se esses resultados aos 257 trabalhos encontrados sobre comunicação de ciência nas revistas Nature, Science e Scientific American entre 1903 e 2016.
Todas as publicações encontradas, que incluem revisão literária, comentários, editoriais, cartas e ensaios, foram analisadas segundo seus dados básicos de publicação, mas somente os artigos científicos em si (resultados de pesquisas empíricas) e revisões sistemáticas (revisões críticas da literatura em busca de evidências específicas, comuns em áreas médicas) foram estudados com mais detalhe sobre seu conteúdo.
Em paralelo, foram feitas duas entrevistas com especialistas da área e revisão de literatura cinzenta (textos difíceis de classificar) – neste caso 22 documentos publicados entre 2002 e 2016 no Reino Unido, Estados Unidos, União Europeia, Austrália, Canadá e África do Sul e 33 documentos da Alemanha, publicados entre 1999 e 2016.
Os resultados indicam que o número de publicações em pesquisa de comunicação de ciência aumentou, o que os especialistas consideraram como evidência de amadurecimento do campo da SCR. Conforme mostra o estudo, a revista PUS dobrou o número de suas edições anuais entre 2009 (4) e 2012 (8) e a JCOM aumentou de 4 para 6 publicações anuais em 2016. Nesses números estão inclusos todos os tipos de publicação, mas os artigos revisados por pares nas três revistas especializadas (PUS, SCX e JCOM) representam 40% desse total.
Nas revistas gerais (Nature, Science e Scientific American) não foram publicados nenhum artigo científico sobre comunicação de ciência: os materiais publicados nelas entre 1903 e 2016 são principalmente notícias, anúncios, relatórios e algumas revisões sistemáticas (20 na Science e 6 na Scientific American).
Os estudos em SCR, no entanto, são fragmentados em termos de disciplinas, métodos e linguagem utilizados. A maioria (⅔) dos artigos científicos e revisões sistemáticas publicados entre 1979 e 2016 focam em disciplinas específicas: biologia (24%), dominada por estudos em medicina, saúde e genética; meio-ambiente/ecologia (14%), cujos artigos são principalmente sobre mudanças climáticas; e tecnologia (13%), com estudos sobre biotecnologia e nanotecnologia.
Porém, cada uma dessas comunidades científicas diferentes utilizam referenciais teóricos distintos, jargões específicos e publicam seus resultados em revistas diferentes, por isso a falta de uma uniformização geral da área. Além disso, “a língua importa”, lembrou Bruce Lewenstein. “Divulgación no espanhol, culture scientifique no francês, communication e engagement em inglês significam coisas diferentes”. No entanto, ele ressalta que “se procurarmos coerência demais nos termos, perdemos a diversidade”.
Outro ponto é que a SCR é dominada por artigos sobre teorias da comunicação de ciência (41%), mais especificamente percepção pública da ciência e tecnologia e estudos de mídia, analisando principalmente a mídia impressa (33%), jornalismo científico (23%) e meios de comunicação de massa (21%). Poucos são os estudos experimentais, longitudinais e que aproximem teoria e prática na comunicação científica.
Emily Dawson lembrou também que falta olhar para outros públicos nas pesquisas em comunicação de ciência. “Quando pensamos sobre públicos e grupos, as pessoas que já vão aos museus são bem informadas, já sabemos bastante sobre elas. Mas não sabemos nada sobre outros públicos. Podemos pensar nos públicos marginalizados, escondidos, invisíveis, oprimidos”, comentou ela durante o webinar.
Em termos de metodologia, a pesquisa mostra que questionários/formulários de pesquisa são os mais utilizados (40%), seguidos das bases de dados sobre objetos específicos como série de notícias de um jornal, programas de tv e afins (33%). Os autores, portanto, incentivam a inovação das ferramentas de análises. “Nossa pesquisa virou um problema de big-data”, comentou Gerber sobre lidarem manualmente com a alta quantidade de dados coletados. “Para a próxima fase do trabalho que estamos organizando, nós queremos trabalhar com machine-learning, ou seja, a máquina saberá pelo o que procurar”.
Além disso, percebeu-se que existem lacunas relevantes nas pesquisas sobre comunicação de ciência. Falta, por exemplo, compreender as mudanças na formação de julgamentos e comportamentos em ambientes cada vez mais digitalizados e analisar as novas táticas e atores de comunicação que essa digitalização gera. “Aqui entram desintermediação, reintermediação, ferramentas automatizadas, bots e coisas assim. Acho que todos nós estamos vendo rápidas mudanças nesses sistemas, que talvez nenhum de nós tenha antecipado”, comentou Gerber.
Os pesquisadores também sugerem que falta entender como analisar e comparar o impacto da comunicação científica em políticas públicas em ciência e inovação e como certas formas de comunicação científica estão relacionadas a exigências, culturas e estruturas institucionais de agências financiadoras, políticas e instituições científicas.
Predominância masculinas, europeia e norte-americana
O estudo mostra que a maior parte dos autores em SCR nas revistas especializadas (PUS, SCX e JCOM) são homens, 55% em média. Olhando somente para os autores responsáveis pelos artigos, o número cresce para 58%. No entanto, separando as produções por tipo, as mulheres predominam nos artigos científicos (56%) e nas revisões sistemáticas (52%). Já nas três revistas gerais (Nature, Science e Scientific American), 70% dos artigos sobre comunicação de ciência têm homens como os autores responsáveis.
Há também clara predominância por nacionalidade. Mais de 50% de todos os materiais publicados nas revistas especializadas entre 1979 e 2016 são de pesquisadores dos Estados Unidos (41%) e Reino Unido (15%); logo em seguida, 6% dos artigos são de pesquisadores italianos. Olhando regionalmente, entre 2012 e 2016 a Europa se estabelece como a principal região dos autores responsáveis (51%), seguida pela América do Norte (29%). Os autores atribuem esses dados à localização geográfica das revistas especializadas: SCX foi criada nos EUA, PUS no Reino Unido e a JCOM na Itália.
A maioria dos outros 56 países contribuiu com menos de 1% para a publicação e nenhum passou de 4%, apesar do número de países contribuintes ter aumentado de 10 em 1995 para 37 em 2014. Mesmo assim, na lista dos 20 principais países, o Brasil (1.4%) é uma das duas únicas economias emergentes representadas, junto com a Índia (0.6%). Nenhum outro país em desenvolvimento aparece, o que pode ser explicado pelas barreiras com a língua inglesa, segundo os especialistas.