Por Alan Felipe e Matheus Antonino Vaz
Setor tem crescimento de mais de 100% do durante a crise do novo coronavírus.
O isolamento social forçou adaptações no consumo, e a população de todo o mundo passou a adquirir bens e serviços digitalmente com intensidade muito maior. A quarentena fez com que o substrato físico de um grande conjunto de operações desaparecesse. Não é mais possível, desde então, frequentar restaurantes, shopping centers e lojas.
O setor do comércio eletrônico, que já vendia mais que o varejo tradicional, cresceu mais de 100% no Brasil durante a pandemia do novo coronavírus, segundo pesquisa da startup Konduto em parceria com a Associação Brasileira de E-commerce. Alguns setores tiveram números ainda mais expressivos, como supermercados e o ramo de brinquedos, que cresceram, respectivamente, 643% e 448% entre os dias 15 e 24 de março – a primeira semana em que foi decretada a quarentena.
“No início do período de isolamento social houve queda de 19% no comércio eletrônico brasileiro (com foco em produtos “físicos”, e não serviços). Isso provavelmente ocorreu porque a população entrou em um modo de alerta e priorizou compras de itens de ‘suposta’ alta necessidade, como papel higiênico e álcool em gel. Nas semanas seguintes, conforme o isolamento social se manteve, o setor se reaqueceu e já está com uma média de compras/dia maior do que antes da quarentena” conta Felipe Held, responsável pela comunicação e marketing da Konduto.
O processo de crescimento das relações pela internet envolve duas mudanças simultâneas e conectadas de comportamentos – tanto por parte dos consumidores, que assimilaram as possibilidades e ferramentas envolvidas no processo de compra digital, quanto dos fornecedores, que adequaram a logística às operações eletrônicas.
As plataformas de pagamento online como PicPay, Mercado Pago e PagSeguro também devem ter um boom no crescimento. Com a restrição no atendimento em agências bancárias, aumentou a procura por alternativas mais simples para efetuar pagamentos de contas e transferências. As operações dessas plataformas cresceram tanto que nas últimas semanas a fintech capixaba PicPay contratou, online, 78 funcionários.
Silvio Meira, cientista-chefe da The Digital Strategy Company e professor da Cesar.school, afirma que a transformação, que vinha acontecendo de forma gradual, mudou abruptamente. “E obrigou um aprendizado também em alta velocidade, acompanhando a crise”.
“E transformações em tempos de instabilidade tendem a gerar novos hábitos”, completa Alexandre Sanches Magalhães, professor da Faculdade Sumaré e da Universidade de São Caetano do Sul (USCS).
Mudança nos hábitos de consumo
Tanto Meira quanto Magalhães apontam que as mudanças de hábito nas relações de consumo pela internet vão se consolidar após o período de confinamento. Desde métodos de pagamentos digitais à aquisição de produtos de uso recorrente por meio de clubes de assinatura, a relação entre consumidor e comerciantes não voltará ao patamar anterior.
A aquisição de bebidas, produtos de limpeza e higiene, dentre outros itens de uso recorrente, segundo Meira, será cada vez mais feita a partir de clubes de assinatura. “Certos hábitos que estão sendo instalados agora vão ficar. Quanto mais recorrente for o uso do produto e menos prazer eu tiver em sair de casa para trazê-lo, mais fácil ele virá por assinatura”, projeta.
As vendas por clubes de assinatura cresceram 167% entre 2015 e 2018, de acordo com levantamento da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), e se, no início, eram oferecidos basicamente pacotes de vinhos, cervejas e livros, agora há um processo de diversificação de serviços e a tendência, afirma Meira, é que cada vez mais produtos sejam oferecidos.
As demandas geradas pelo isolamento social também transformarão a economia do comércio local. “Muitas lojas foram obrigadas a se digitalizar, e não há motivos para que voltem ‘atrás’ quando o isolamento social acabar e os estabelecimentos físicos reabrirem”, explica Held. Com padarias da esquina e os mercados do bairro adaptados ao ambiente digital, os itens do cotidiano também serão comprados a partir da internet, sugere Magalhães.
É possível, porém, que haja grandes dificuldades nesses pequenos comércios de bairro. “A loja de rua que não tiver produtos muito específicos ou faça parte de uma operação gigantesca das grandes redes varejistas, terá muitas dificuldades em continuar suas atividades”, contrapõe Meira. Para ele, o comércio local sofrerá com o “apocalipse do varejo”.
Na Inglaterra o fenômeno já acontece: em estudo de 2018 conduzido pela associação inglesa de lojas de rua, a projeção era que 50% das lojas de rua fechassem as portas em 2028 devido à concorrência com o e-commerce. Com a mudança nos hábitos do consumidor desde sua publicação, principalmente durante a crise da covid-19, o estudo foi atualizado e a projeção adiantada para 2022.
Marketplace
O marketplace é uma plataforma de vendas online que funciona como um shopping center digital, em que lojistas e marcas podem operar. A infraestrutura é oferecida pela plataforma, que ganha comissão a partir das vendas.
A aposta de Magalhães é de que possam surgir marketplaces próprios do bairro e da cidade para que haja desenvolvimento da economia local, em contrapartida aos grandes conglomerados.
Em Brasília isso já está sendo colocado em prática. Para incentivar a economia criativa e o artesanato, a cidade criou o Artesanato Virtual Brasília, onde artesãos e produtores locais se inscrevem para vender seus produtos. A iniciativa surgiu em abril e já conta com mais de 300 inscritos. A loja virtual é acessada pelo aplicativo squarecityapp.
Alan Felipe é jornalista e aluno do curso de especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp.
Matheus Antonino Vaz é jornalista e aluno do curso de especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp.