Por Carlos Vogt e Paulo Markun
Ilustração de Céllus Marcello Monteiro instagram celluscartum twitter @Cllus1 sobre obra de Rene Magritte – O cartão postal (1960)
E se o futuro não mais tiver nada a ver com o futuro com o qual havíamos, pela espera, ainda que sem certeza, nos habituado, também pela esperança? E se se tratar de algo tão novo, inusitado, incomum, que nenhuma âncora encontremos no presente ou no passado que lhe dê algum elo explicativo de causalidade, mesmo que fantasiosa, metafórica, poética?
E se for um futuro tão diferente que se apresente ele mesmo como um futuro sem passado e nos instale, definitivamente, num presente sem futuro?
E se se quebrar, abolindo-as de vez, tanto a narrativa inspirada em Marx, na qual o passado sempre anuncia o futuro, quanto esta outra, de inspiração em Freud, em que o futuro não é senão repetição do passado?
Como nos compreenderemos soltos e esgarçados num mar de incompreensão?
Seremos capazes da mudança efetiva, capaz de escapar da ironia cansada do “Quanto mais se muda, mais fica igual”?
Conseguiremos pensar e agir para, sobre o transformado das coisas e dos comportamentos, consolidarmos as mudanças, não precárias, mas definitivas em relação às ameaças ao meio ambiente e dos conflitos nucleares?
Estabeleceremos novos padrões de produção, consumo e de acumulação do capital?
Agiremos com ética e responsabilidade social no cotidiano de nossa cidadania e no exercício de nossas profissões?
Estaremos, efetivamente, comprometidos com transformar o conhecimento em riqueza e a riqueza em conhecimento, sem o mesquinho egoísmo da hipócrita ocultação da verdade?
Vamos, de fato, mudar com as mudanças que nos mudarão?
Perguntas ainda sem resposta, mas que nos ajudam a desenhar o futuro. Até porque é preciso imaginar que a humanidade não perdeu ainda a capacidade de desenhar seu amanhã.
Olhando para trás, vale lembrar que René Descartes chegou ao método que pretendia universal, capaz de provar rigorosamente a existência de Deus e o primado da alma sobre o corpo, mas também que a Terra girava em torno do sol, mesclando a ciência que encontrava nele mesmo com a do grande livro do mundo, com suas “pessoas de diversos temperamentos e condições” – e que pelo menos temporariamente, estamos privados de alcançar.
Prometendo “pender mais para o lado da desconfiança do que para o da presunção”, admitiu a possibilidade de estar enganado, ao afirmar: “talvez não passe de um pouco de cobre e vidro o que eu tomo por ouro e diamantes.”
Por isso e por muito mais, marcou a história da ciência e de seu progresso. Para terminar com um toque de curiosidade, registre-se que não há consenso sobre a real tradução de seu lema tão adequado a esses tempos estranhos: Larvatus prodeo – eu caminho mascarado.