Clube do Livro para Leitores Extraordinários: uma gota em um oceano de necessidades

Por Renato Roschel

Projeto do Instituto Mojo de Comunicação Intercultural edita obras em domínio público em formato impresso atrativo e usa parte dos recursos arrecadados com a venda dos livros físicos para viabilizar a versões digitalizadas gratuitas que podem ser lidas tanto pela minoria que usa leitores digitais (Kobe e Kindle) quanto pela grande maioria que lê em celulares. Em 2019, o Clube foi indicado para o Prêmio Jabuti de fomento à leitura e também destaque na Bienal de Design de Curitiba.

O Brasil é uma nação reconhecidamente com baixos índices de leitura. Divulgado em 2019, o levantamento intitulado Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, encomendado à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), indicou que o mercado editorial fechou 2018 em queda pelo quinto ano consecutivo. Na última década, esse setor como um todo encolheu mais de 20% [leia reportagem].

Já segundo o mais importante levantamento da área, intitulado Retratos da Leitura no Brasil e feito pelo Ibope a pedido do Instituto Pró-Livro, em 2016, o brasileiro leu, em média, 2,43 livros do começo ao fim. Para piorar, quando o levantamento pergunta quantas obras de literatura foram lidas integralmente e por vontade própria, esse número despenca para 1,26 livros por ano por pessoa. É assustador. Para se ter uma ideia do abismo que separa o universo de leitores brasileiros com o resto do mundo, na França, a média de livros lidos por ano é de 21 obras.

Os levantamentos feitos pela pesquisa Retratos da Leitura no Brasil indicam um grave problema que não apenas corrói nossa sociedade e empobrece os debates que nela ocorrem como determina também um certo padrão para o comportamento do mercado editorial nacional.

Uma nação que lê pouco necessariamente terá menos editores, tradutores, revisores, preparadores, ilustradores, livreiros, vendedores de livros etc. A falta de demanda por livros produzida por esse quadro afeta diretamente o mercado de trabalho dos profissionais dessa área. Produzir e vender livros no Brasil não é tarefa fácil, principalmente porque o universo de pessoas que realmente têm o hábito de leitura no Brasil é muito pequeno. Todo o mercado editorial disputa esse público.

A sondagem da Fipe, por sua vez, aponta outro grave problema nacional: a queda de mais de 20% nas vendas de livros científicos, técnicos e profissionais (CTP). Isso atrasa o desenvolvimento de praticamente todas as áreas de pesquisa no Brasil. Há, em alguns setores de pesquisa, defasagens que superam uma década para a tradução e publicação de obras que são consideradas importantes. Por essa razão, relevantes estudos recentemente desenvolvidos e publicados fora do país acabam levando muito tempo para se democratizarem no meio acadêmico brasileiro através da sua tradução e publicação. É comum pesquisadores brasileiros enfrentarem enormes dificuldades para encontrar títulos que possam atender suas necessidades de material de apoio em língua portuguesa.

Todo esse cenário tornou-se ainda mais complicado em dezembro de 2018, quando duas grandes redes de livrarias, a Cultura e a Saraiva, entraram em recuperação judicial. O resultado foi o fechamento de dezenas das megalojas espalhadas em capitais de todo o Brasil, tornando até mesmo o acesso aos best-sellers no Brasil ainda mais difícil.

Esse cenário é estarrecedor? Sim, mas não é só isso: o mundo dos livros disputa ainda a atenção e o tempo livre das pessoas com a enorme oferta de conteúdo das plataformas de streaming, videogames ou com a força das redes sociais. Além desses desafios gigantescos, há um outro que só pode ser superado por um país que invista mais em educação: a universalização do ato da leitura. Um país com melhores níveis de compreensão de textos necessariamente terá mais leitores.

Como afirma o ensaísta Davi Lago, “ler não é tão simples. Ler não é uma atividade passiva, estática, mas dinâmica (…) na leitura há o cruzamento de dois mundos e a possibilidade de se perceber as coisas através de outro ponto de vista. Um livro é um mundo: o mundo de leituras de seu autor dialogando com o mundo do leitor. Por isso, a leitura nunca será igual para dois leitores. Este processo é, sobretudo, civilizador”.

Uma educação voltada para a formação de leitores produzirá, por sua vez, um mercado editorial mais pujante. Somente a educação pode produzir uma nação de leitores capazes de imaginar e interpretar narrativas, de formar um pensamento crítico e assim compreender melhor o mundo à sua volta. Políticas públicas voltadas para facilitar e aumentar os índices de leitura no Brasil são o óbvio ululante não só apenas para quem atua no mercado editorial. Todos ganham em um país com mais leitores.

Foi pensando nesse cenário que o projeto Clube do Livro para Leitores Extraordinários foi criado. A ideia era produzir obras em domínio público em um formato atrativo, próximo à linguagem gráfica dos dias atuais e transformá-las em algo capaz de atender aos produtos editoriais que esse pequeno universo brasileiro de leitores busca. Ao mesmo tempo, pretendíamos ampliar o universo de leitores no Brasil ao oferecer o acesso livre da versão digital dessas obras.

Sabendo que as pesquisas Retratos da Leitura no Brasil indicaram que, nos últimos anos, o principal meio para a leitura de livros digitais são os smartphones, decidimos produzir versões que podem ser lidas tanto por uma minoria que o faz em leitores digitais (Kobe e Kindle) quanto pela grande maioria que lê os livros digitais em celulares.

O projeto, feito pelo Instituto Mojo de Comunicação Intercultural, utiliza parte dos recursos arrecadados com a venda dos livros físicos para viabilizar a publicação gratuita na internet das versões digitalizadas. O objetivo é, portanto, produzir um objeto-livro que agrade os consumidores e que possibilite, ao mesmo tempo, ajudar a fomentar a leitura no Brasil com a disponibilização do acesso aberto para as versões digitais dessas obras. Em 2019, o Clube do Livro para Leitores Extraordinários foi indicado para o Prêmio Jabuti de fomento à leitura e foi destaque na Bienal de Design de Curitiba.

No entanto, é importante frisar que o Clube do Livro para Leitores Extraordinários é uma gota em um oceano de necessidades. Sabemos que a crise que afeta o mercado editorial no Brasil é fundamentalmente um subproduto da qualidade da educação no país, a qual forma poucos leitores e com isso retira de milhares de brasileiros o acesso à cidadania. Porque poder e querer ler uma obra literária é não só um direito como uma necessidade nos dias atuais.

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Renato Roschel é formado em Filosofia pela PUC-SP e Letras pela FFLCH-USP. Cursou especialização em economia na Birkbeck, University of London e é mestre pela FFLCH-USP, com ênfase em economia e filosofia política. Trabalhou nos jornais Folha de S.Paulo e Valor Econômico, foi correspondente da Rádio Eldorado em Londres e editor da Revista da Osesp. Participou de inúmeros trabalhos de edição, pesquisa e produção de textos para as editoras PubliFolha, Planeta Internacional, Oxford University Press, Quatro Cantos, Instituto Mojo e Clube do Livro para Leitores Extraordinários.