Por Camila Ramos, Carolina Sotério e Raquel Torres
Tendo ganhado visibilidade nas mídias recentemente, o movimento pelo clima tem unido forças ao redor do mundo em busca de salvar o planeta.
Não existe planeta B. Nossa casa está em chamas. Parem de queimar nosso futuro. Era o que diziam alguns dos milhares de cartazes levantados durante a Greve Global pelo Clima, realizada no último mês de setembro, que levou mais de sete milhões de pessoas às ruas ao redor do mundo, segundo o levantamento do Greenpeace. Em um esforço coletivo, crianças, jovens, adultos e celebridades têm impulsionado o ativismo pelo clima como uma forma de protestar contra as ações humanas que favorecem as mudanças climáticas. Mas apesar dos holofotes atuais, essas pautas não são de hoje. Com uma raiz bem mais antiga, o ativismo ambiental como conhecemos atualmente tem suas origens em muitos outros movimentos de proteção e conservação ambiental ao redor do mundo.
Para Patrícia Silva Leme, educadora da Escola de Engenharia da USP São Carlos e autora de projetos de sustentabilidade na universidade, esse movimento também se manifestou em nosso país na década 1950 com ações de grupos ambientalistas e preservacionistas. “Desde então, a mobilização tem sido crescente. Eu acredito que parte disso se deve à conscientização da urgência de mudanças nos modos de produção e consumo, de sobrevivência da espécie humana no planeta. Esta conscientização não aconteceu por acaso. Veio apoiada em estudos científicos apontando que o estilo de vida das sociedades urbano-industriais é absolutamente insustentável, requerendo medidas urgentes”, comenta Patrícia.
Em relação às iniciativas que se denominaram “pelo clima”, para Mirlene Severo, doutora em sociologia e professora na Universidade Municipal de São Caetano do Sul, elas começaram tarde no Brasil. Segundo ela, podemos observar a temática ativista ao longo de momentos: o primeiro deles referente às iniciativas organizadas por jovens até 2013, que dialogavam com questões democráticas e homogêneas. Depois disso, surgiram mobilizações a partir de grupos, coletivos e organizações menores movidos por diversas demandas. “Em 2013, há uma mudança na participação política – não necessariamente partidária. Aqui se incluem movimentos ecológicos, ambientais – que já existiam, mas se organizam de outras formas”, complementa Severo.
Como o movimento tem se consolidado
O assunto pareceu ter tomado o centro das atenções após a aparição pública mundial de Greta Thunberg, 16, uma jovem sueca que virou assunto após um discurso na Cúpula do Clima na ONU neste ano e que têm se destacado na liderança do movimento Fridays for Future (sextas-feiras para o futuro, em português). O grupo ativista tem como pauta as mudanças climáticas, mas o que começou como uma greve individual da estudante, tomou proporções internacionais.
“Nós estamos no começo de uma extinção em massa e tudo o que vocês fazem é falar de dinheiro e contos de fadas sobre um crescimento econômico eterno. Como se atrevem?”. Esse é um dos trechos mais impactantes do discurso da jovem sueca, que levantou tanto apoiadores da causa quanto opositores enfurecidos, em especial nas redes sociais. Nas semanas seguintes ao discurso, Greta sofreu ataques, assédios e foi alvo de fake news de líderes governamentais e seus aliados, que alegaram que ela era financiada por opositores políticos. Greta também figurou em diversas montagens fotográficas que a mostravam vestida como Hitler ou se alimentando em um trem ao lado de várias crianças famintas, como divulgado por Eduardo Bolsonaro, deputado federal e filho do atual presidente da República.
Ao mesmo tempo, uma onda de apoiadores de Greta e ativistas climáticos surgiram para contornar esse cenário. Para Nayara Almeida, porta-voz do Fridays for Future Brasil e membro da ONG Engajamundo, “o ativismo climático, seja ele jovem ou adulto, não surge e nem termina com a Greta Thunberg.” Segundo ela, a iniciativa se propõe, há algum tempo, a levar embasamento científico aos tomadores de decisões: “em maio, escrevi junto a outros três ativistas uma carta dos futuros ministros do meio ambiente do atual presidente alertando de que ele precisa fazer algo agora, porque o Brasil sofrerá muito em 2050. Queremos que todos os tomadores de decisão tomem conhecimento dessa carta e de nossas demandas, que são baseadas na ciência, e chamem os cientistas para estar lado a lado com eles e para colocarem as soluções em prática.”
“Eu vejo o movimento puxado pela Greta como um despertar não só de jovens e crianças, mas para que pessoas adultas compreendam que nós temos nossa opinião, basta nos ouvir e nos levar a sério”, comenta Hamangaí Pataxó Hã-Hã-Hãe, indígena ativista ambiental e dos direitos humanos. No Brasil, a mobilização para a proteção da natureza e dos povos indígenas é inseparável. Os crimes contra essas comunidades é cada vez mais comum conforme avançam os madeireiros, grileiros e outros interessados nas terras da floresta amazônica. Segundo a ativista, a juventude indígena já nasce com essa missão de dar sequência na luta que os seus antepassados iniciaram em defesa do povo e da natureza, mas essa luta deve ser coletiva. “No Brasil os nossos territórios correspondem aos maiores freios do desmatamento. A autodemarcação mostra o quanto estamos organizados em defesa dos nossos territórios. O momento atual é de união de todos nós e de buscar fortalecer alianças em defesa da vida. É preciso que haja urgentemente justiça climática”, completa Hamangaí, que também é articulista nacional do Engajamundo.
O ativismo nas mídias
Muitas iniciativas têm marcado presença a partir do uso de mídias digitais, que propiciam a conexão global e a ação do público jovem. Um exemplo de ativismo integrado às mídias sociais é o Ciclimáticos, projeto que surgiu entre um grupo de amigos que se conheceram através da Associação de Jovens do Engajamundo. A ideia surgiu quando João Henrique Cerqueira, cofundador do Ciclimáticos e ativista ambiental, e Paloma Costa, que discursou ao lado de Greta Thunberg em setembro deste ano na Cúpula do Clima da ONU, sentiram a necessidade de narrar história dos brasileiros que estão na linha de frente das consequências geradas pelas mudanças climáticas. Para isso, escolheram viajar de uma forma que produzisse o menor impacto ambiental: de bicicleta.
Assim, o grupo pedala pelo Brasil, com financiamento próprio, para encontrar e documentar a realidade do povo brasileiro. No futuro, o projeto quer materializar essas vivências em um documentário ou outra produção midiática com o intuito de apresentar ao governantes essas histórias. Por enquanto, o projeto faz uso da rede social Instagram para relatar suas viagens.
Os espaços de discussão internacional se tornam a oportunidade de muitos jovens ativistas de denunciar os atos praticados no Brasil. “A gente está vivendo em um governo que praticamente não inclui a participação da sociedade civil dentro dos seus processos. Quando eu comecei a participar desses eventos, a gente tinha um espaço de negociação com representantes do governo federal para passar nosso posicionamento”, relata João que afirma que a mobilização jovem é essencial: “eu acho que isso é incrível e já gerou impactos maravilhosos, assim, o próprio reflexo do quanto isso está começando a se tornar uma discussão mainstream, principalmente no Brasil que não discutia isso cinco anos atrás do jeito que está sendo discutido agora”.
Para Hamangaí, as greves e os movimentos inspirados por Greta são importantes, mas é necessário cada vez mais mobilização: “precisamos repensar os nossos hábitos individuais e coletivos e não podemos nos calar diante dos ataques que vêm causando graves impactos em nossa biodiversidade, mares, rios e florestas. O alimento que chega em sua mesa e a água que chega em sua torneira tem uma história e longo percurso, muitas vezes até sangrento”, conclui.
O Brasil no cenário mundial
Os novos movimentos, como afirma Severo, trouxeram conscientização e novas ideias. O jovem é, nessa questão ambiental, e em todas as outras, o portador da nova visão de mundo, dos novos tempos. “O Brasil deve reconhecer sua dimensão – que não é pequena – e perceber sua relevância e influência internacionais, de modo que as ações que acontecem aqui refletem lá fora. Mas hoje, ainda somos influenciados por pautas climáticas externas”, analisa Severo.
Para a pesquisadora e professora, a questão ambiental no Brasil ainda está atrelada a uma agenda externa, ou seja, faltam ao país pautas próprias e uma identidade nacional na luta pelo meio ambiental, “temos muitas motivações para nos organizarmos, por questões especificamente brasileiras – assistimos a diversos acidentes e crimes ambientais, neste ano mesmo”. A luta pelo meio ambiente e pelo clima deve crescer. Mas, para a pesquisadora, é necessária a construção de uma identidade brasileira, uma agenda brasileira nesse quesito. “Acredito que quando tivermos uma identidade de luta ligada ao indígena – com relação à proteção de recursos – iremos avançar ainda mais”.
Ao final das contas, o que o movimento ativista tem objetivado são formas de mobilizar e exigir ações políticas em prol de defender o planeta Terra de tantos desastres ambientais, uma vez que os cientistas já alertam há um bom tempo sobre as consequências disso para o mundo. Para Nayara, isso significaria desenvolver uma consciência coletiva a longo prazo e encarar a gravidade das mudanças climáticas: “é parar de explorar a natureza como se ela fosse infinita, porque ela não é.”
Camila Ramos é jornalista (Unesp) e aluna do curso de especialização em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp.
Carolina Sotério é escritora, formada em química (USP), mestranda na área de divulgação científica e aluna do curso de especialização em jornalismo científico pelo LabJor/Unicamp.
Raquel Torres é formada em comunicação pela (USP), aluna do curso de especialização em jornalismo científico pelo LabJor/Unicamp, e cursa filosofia pela Unicamp.