Por Laura Segovia Tercic
Por que confiar nos cientistas quando eles dizem que as mudanças climáticas irão mudar o mundo como o conhecemos e gerar crises e sofrimento? Livro de Naomi Oreskes, professora de história da ciência em Harvard, faz a pergunta fundamental de nossos dias.
Se não houver boas respostas para as perguntas sobre a urgência climática, ou como se obtém evidências científicas, e a própria construção do conhecimento em si, então, por que confiar na ciência? Este provocativo questionamento está entre os principais que permeiam o recém lançado livro da professora de história da ciência em Harvard e ativista pela melhor comunicação científica, Naomi Oreskes, Why trust science?
O livro, que contou com a colaboração de especialistas em clima, em ciências políticas, filósofos e historiadores da ciência, é resultado do que Naomi encontrou durante suas várias palestras ao longo dos últimos anos, para plateias de acadêmicos, mas também para o público geral. E é a esse último tipo de público que a autora credita sua principal inspiração para a pergunta que dá título à obra.
Mas o que tem a ciência de tão especial que a torne mais válida do que outras formas de aquisição de conhecimento (como argumentos de governantes e youtubers, por exemplo)? Seriam os especialistas de qualquer área autoridades infalíveis? Por que deveria acreditar quando um médico otorrinolaringologista ou uma botânica garantem que vacinas são essenciais, se um deputado ou até o próprio presidente da república disser o contrário? E se um especialista em saúde pública o disser? Em época de pós-verdades e negacionismos acalorados, como distinguir o que é confiável se tornou a nova lei da selva.
A autora divide sua obra em formato bastante interessante. No primeiro capítulo trata de dar sua resposta para a pergunta “por que confiar?”, realizando uma cuidadosa abordagem sobre os aspectos da história e da filosofia científicas que levaram à relação de confiança com a ciência.
O segundo capítulo é reservado para um novo questionamento: essa resposta é suficiente? Naomi busca atender a essa autocrítica apresentando e discutindo cinco exemplos de eventos em que a ciência foi considerada “errada”.
Os quatro capítulos seguintes são comentários e críticas às suas colocações, escritos por quatro especialistas de áreas distintas. Por fim, o último capítulo é uma resposta de Naomi a esses comentários.
Ao longo das 376 páginas repletas de exemplos de eventos históricos adoráveis e menções a figuras marcantes como Kuhn, Popper, Lyell, Darwin, Fleck entre outros, o aspecto social do conhecimento científico ganha um peso-chave nos argumentos de Naomi e de seus colaboradores, que se debruçam em defesas e críticas à ciência e sobre como ela é percebida pela humanidade.
Naomi aponta, tanto em seu livro quanto em suas palestras, o fato de ser usual cientistas e não especialistas recorrerem ao “método científico” como o fator de credibilidade e defesa da ciência. No entanto, não existe apenas “um método científico” válido. Costuma-se ensinar que o método científico é o hipotético-dedutivo, mas tal processo não é imune a falhas. Além disso, existem outros.
O método indutivo, como no caso de coleta de dados de Darwin pelo mundo, e a modelagem, como em simulações computacionais, geraram avanços igualmente importantes. O livro apresenta exemplos de trabalhos de épocas em que cientistas, como Alfred Wegener com sua teoria de deriva continental, foram escrutinados pela comunidade científica por utilizar o método hipotético-dedutivo em suas formulações, e não o indutivo, considerado uma prática mais democrática pelos membros da sociedade científica americana.
Durante toda a história cientistas foram seres criativos, com multiplicidade de métodos para atingirem os objetivos de estudo. Dada essa multiplicidade, o que então uniria a prática, e por que ela é a atividade humana que produziria o que mais perto (ou mais provável) se chega de verdades sobre o mundo?
Naomi argumenta, se apoiando em outros pensadores, que é a vasta experiência acumulada por gerações de trabalhos coletivos de especialistas dedicados. Esses especialistas de diversas áreas do conhecimento se pautam em evidências e testam e re-testam uns aos outros, procurando falseabilidades nas ideias alheias constantemente, até que se chegue, ou não, a um consenso. E é nesse consenso que Naomi diz que devemos, como sociedade, confiar. Não em indivíduos específicos, por mais geniais que sejam, mas sim no consenso resultante do trabalho coletivo.
Para que tal coletividade produza conhecimentos com maior qualidade é essencial que haja diversidade nos centros de pesquisas. Essa diversidade (social, de gênero, geográfica etc) é a única que pode cobrir com mais eficácia os pontos-cegos causados pela influência da essência humana nos trabalhos científicos.
Negacionistas das mudanças climáticas, por exemplo, adoram usar o caso da eugenia como indicador de descrédito e demonização da ciência, explica Naomi no capítulo, em que tenta responder, “E se o consenso estiver errado?”. No entanto, ela argumenta, após minuciosa revisão histórica, que jamais houve consenso na ciência da época sobre eugenia. Assim, onde não houver consenso, há espaço para debates e refutações. A diversidade social é, portanto, mecanismo vigilante, e deve estar presente na prática científica não apenas porque é ético, mas porque a faz mais confiável.
Se diversidade é importante, por que então não convidar os céticos das mudanças climáticas para o debate? Não é autoritário por parte da ciência que o consenso tenha que ser produzido apenas entre os especialistas? Se os céticos são, em sua maioria, indústrias com interesses financeiros ou pessoas que ganham fama em redes da internet com polêmicas, para a autora há evidentes perigos e consequências nocivas ao ambiente em deixá-los participar das diretrizes a serem tomadas por políticas públicas.
O livro de Naomi, portanto, é importante na medida em que propõe perspectivas e provocações urgentes, convidando à reflexão sobre o papel e a confiabilidade da ciência e à ação frente às emergências atuais.
Laura Segovia Tercic é bióloga formada pela USP e cursa a especialização em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp.