Por Bianca Bosso e Rafael Revadam
Apesar das dificuldades, é cada vez mais frequente que pesquisadores e grupos de pesquisa brasileiros estabeleçam parcerias em projetos de cooperação e colaboração, inclusive internacionais.
Como uma caixa retangular, branca, com um filtro, uma película química e um par de pequenos sensores – cada um deles de 6 milímetros – consegue contribuir para o desenvolvimento científico e tecnológico mundial? A resposta vem sendo desenvolvida por pesquisadores da Unicamp desde 2016, em um projeto de cooperação internacional chamado Dune, que une esforços de quase mil pesquisadores, de 31 países, para descobrir novas propriedades dos neutrinos. Essa caixinha pode ser determinante para desvendar, por exemplo, como se dá a formação de um buraco negro, ou até como se deu o início do universo.
A Arapuca, como foi batizada, é a contribuição dos pesquisadores . Devido às dimensões do projeto, as parcerias possibilitam uma grande equipe multidisciplinar, unindo conhecimento, visões e tecnologias distintas a fim de maximizar os resultados.
Assim como o Dune, projetos que unem centenas (ou até milhares) de pesquisadores em prol de um objetivo em comum são uma tendência. Três dos grandes avanços científicos desse século, como a descoberta do bóson de Higgs e das ondas gravitacionais, e a obtenção da primeira imagem de um buraco negro são frutos de grandes projetos de cooperação internacional. E como essas grandes colaborações são feitas?
“Uma parceria deve ser fechada por questões complementares, em que todos os lados ganhem e a sociedade seja a grande beneficiada”, explica a pesquisadora Lícia Lundstedt, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa. Lícia é a líder do maior projeto de aquicultura do país, o BRS Aqua, que busca desenvolver tecnologias para produção e sustentabilidade do pescado nacional.
Em números, o BRS Aqua movimentará R$ 57 milhões. Os recursos financeiros vêm de três parceiros: R$ 45 milhões são financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio de seu fundo tecnológico (Funtec); R$ 6 milhões são originários da Secretaria de Aquicultura e Pesca, atrelada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa); e outros R$ 6 milhões vêm da própria Embrapa. Com duração aproximada de 48 meses, o projeto envolve 22 unidades da Embrapa e 270 empregados diretos, além de parcerias públicas e privadas. “Nós começamos o projeto em agosto de 2017 e ele seguirá até julho de 2021. Existe a possibilidade de termos um aditivo de tempo, mas sem um aditivo de recursos”, detalha Lícia.
Esse estudo é direcionado a quatro espécies: tilápia, o peixe mais cultivado no Brasil; tambaqui, o nativo mais cultivado; bijupirá, espécie que se apresenta como alternativa na produção nacional; e camarão marinho, presente em abundância na região Nordeste. Os desafios principais do projeto são refinar tecnologias para tilápia e camarão marinho, desenvolver inovações para tambaqui e criar infraestrutura voltada para ações efetivas de pesquisa com o bijupirá.
Até chegar à estrutura atual, o BRS Aqua enfrentou muita burocracia. As negociações internas começaram em 2012 e em 2013 houve as primeiras conversas com o BNDES. Nos diálogos com o governo federal, o projeto foi apresentado a cinco ministros diferentes, que passaram pelas pastas de Pesca e Aquicultura, e teve a aprovação de todos os envolvidos. Para se ter uma ideia, o que hoje é a Secretaria de Aquicultura e Pesca já foi, em governos anteriores, um ministério próprio, depois uma secretaria especial, até retornar ao Ministério da Agricultura.
Atualmente, o programa está em seu 26ª mês. “Para trabalharmos ao longo dos 48 meses, elaboramos um plano de monitoramento e gestão de riscos. Fazemos acompanhamento técnico para identificar problemas, e oficinas integradoras, com pessoas de diferentes unidades”, afirma a pesquisadora. Ao todo, são 93 planos de ação, além de um comitê para identificação de parcerias estratégicas.
Juntamente com as três instituições envolvidas, a gestão do BRS Aqua entendeu que havia espaço para mais cooperação. “10% do nosso orçamento vai diretamente para o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), responsável pela contratação de bolsistas, que atuam e atuarão no desenvolvimento das pesquisas”, relata Lícia, complementando: “Hoje, contamos com 100 bolsas ativas, e outros 150 bolsistas já trabalharam conosco”.
Para Lundstedt, projetos de grande colaboração demandam um esforço em gestão. “É um desafio. Há uma maturidade crescente no Brasil em estabelecer parcerias, mas existe uma necessidade de transparência, que os instrumentos jurídicos estejam claros”. De acordo com a especialista, é importante trabalhar com diversos tipos de parcerias e parceiros. “As universidades atuam na colaboração técnica-científica, para desenvolver a parte analítica em conjunto. Já as propriedades privadas entram para produzir o conhecimento aplicado na cadeia produtiva, e as empresas públicas e privadas podem auxiliar na exploração comercial. Ninguém conduz uma grande pesquisa sozinho. É importante aparecer o resultado, mas é importante também aparecer o parceiro”, conclui.
Qual o status do Brasil?
Em entrevista ao site da Agência Fapesp, o professor João Ramos Torres de Mello Neto, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explicou que uma das principais dificuldades do Brasil para a participação em grandes projetos de colaboração e cooperação é a instabilidade dos investimentos, já que, quando concedido, a maior parte do financiamento é de curto prazo.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), órgão federal vinculado ao Ministério da Economia (MEC), “o financiamento de projetos de pesquisa é atribuição constitutiva do CNPq, agência vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI) cuja missão é “fomentar a ciência, tecnologia e inovação e atuar na formulação de suas políticas, contribuindo para o avanço das fronteiras do conhecimento, o desenvolvimento sustentável e a soberania nacional”.
Entretanto, desde o início do ano, o CNPq tem sido impactado com bloqueios e cortes de orçamento. De acordo com levantamento realizado pelo jornal O Globo, a entidade perderá 87% da verba de fomento à pesquisa em 2020 – de R$ 127 milhões em 2019 para R$ 16 milhões. Este recurso é utilizado para custear materiais de trabalho, como insumos, reagentes, laboratórios, entre outros. Em setembro, o Ministério da Economia destinou ao Ministério da Ciência e Tecnologia R$ 80 milhões o que, nas palavras do ministro Marcos Pontes, foi um valor inferior ao esperado, e poderá arcar apenas a 10% dos projetos previstos para o ano de 2019.
Apesar das dificuldades, se torna cada vez mais frequente que pesquisadores e grupos de pesquisa brasileiros consigam estabelecer parcerias em projetos de cooperação e colaboração, inclusive internacionais. O pesquisador Marcos Alves, do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) – Unicamp, por exemplo, integrou um projeto que contribuiu para a instalação do Centro de Biotecnologia de Plantas da Beira Interior (CBPBI) junto ao Instituto Politécnico de Castelo Branco, em Portugal. O Centro já está em operação há quatro anos e tem desenvolvido pesquisas promissoras em busca principalmente de formas de aumentar a produtividade de plantas frutíferas.
Preocupação climática mobiliza coletividade científica
Um edital, US$ 4,5 milhões e 124 países. Após uma concorrência acirrada, o pesquisador Alexandre Nepomuceno conseguiu a verba necessária para o desenvolvimento de seu estudo, voltado na criação de linhagens de soja tolerantes à seca. O projeto foi uma parceria entre a Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica), responsável pelo edital, a Embrapa, a Universidade de Tóquio, o Centro Internacional de Pesquisa do Japão para Ciências Agrícolas (Jircas), a Agência de Ciência e Tecnologia do Japão (JST) e o instituto Riken.
“A parceria com o governo japonês existe desde 2004, mas o auge dessa cooperação começou em 2010, com esse edital”, detalha o pesquisador. Por meio da engenharia genética, os pesquisadores identificaram genes, pegaram plantas em laboratório e cruzaram com plantas no Brasil. O estudo resultou na geração de quatro linhagens de soja. “A primeira fase do projeto foi concluída em março de 2015 e, desde então, o grupo de pesquisadores de ambos países vêm buscando fontes de financiamento para a continuidade da pesquisa”, relata.
Segundo Nepomuceno, a primeira necessidade foi de criar um vínculo com os estudiosos japoneses, conhecendo a sua cultura científica. Houve um intercâmbio entre os envolvidos, já que tanto alunos brasileiros tiveram vivências no Japão, como especialistas japoneses passaram cinco anos nos laboratórios brasileiros. Atualmente, o projeto vem direcionando diversas frentes, como a possível aplicação de genes em plantações de algodão, milho, feijão, café e cana-de-açúcar, além da plantação da soja desenvolvidas em campos de testes, nos estados do Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo.
“Nós vivemos revoluções em diversas áreas, como a nanotecnologia, a genética, entre outras. É impossível saber de tudo, por isso é necessária a convergência. Se não tiver interação, você não consegue avançar. E a ciência só cresce com colaboração”, pondera Nepomucemo.
Bianca Bosso cursa graduação em ciências biológicas na Unicamp.
Rafael Revadam é jornalista, formado pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), e pós-graduado em estudos brasileiros pela FESPSP (Fundação-Escola de Sociologia e Política de São Paulo). Cursa a especialização em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp.