Por Luanne Caires
Principais centros de pesquisa do país, as universidades públicas beneficiam de pequenas empresas a grandes indústrias e aquecem a economia
Aos 30 anos, Túlio Nunes trocou o caminho de pesquisador universitário pelo empreendedorismo. A ideia de abrir uma empresa surgiu a partir de uma conversa com o irmão sobre os carrapatos que infestam rebanhos de gado. Diante da ineficácia dos carrapaticidas químicos, Túlio pensou que o conhecimento adquirido na universidade poderia ser aplicado na busca por uma solução mais eficiente. Foi assim que ele e seus dois sócios, um biólogo e um economista, fundaram a Decoy Smart Control, empresa que tem inovado na área de saúde animal.
Histórias como a do Túlio têm se tornado cada vez mais comuns. E o papel das universidades no desenvolvimento dessas novas empresas é fundamental. Segundo os Indicadores Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação, divulgados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o Brasil investiu 1,27% do Produto Interno Bruto (PIB) de 2016 na área de pesquisa e desenvolvimento. Desses, 52% foram de financiamento público e 48% privado.
Ao analisar o perfil do investimento público no setor, fica clara a importância das universidades: 60% dos recursos são destinados ao Ministério da Educação e aplicados principalmente no pagamento de bolsas de mestrado e doutorado. O investimento se reflete no padrão de patentes. As cinco instituições nacionais com maior número de depósitos de patentes de invenção em 2017 são todas universidades públicas, como apontam os Indicadores de Propriedade Industrial 2018, divulgados pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).
Um dos fatores que impulsionam a capacidade de inovação das universidades é o fortalecimento de parcerias com empresas e indústrias. A vinculação com parques tecnológicos, a abertura de agências próprias de inovação e a adoção de um perfil mais empreendedor na formação de seus estudantes são algumas das medidas tomadas neste sentido. Ao oferecer uma formação sólida em ciência e tecnologia, o ambiente universitário também favorece o surgimento de soluções criativas para problemas que extrapolam os muros da universidade.
Da concepção da ideia às parcerias
No caso da Decoy, a influência da universidade aparece desde a origem da ideia. Foi graças aos muitos anos que passou na pós-graduação, estudando como rainhas e operárias de abelhas sem ferrão se comunicam, que Túlio decidiu desenvolver uma armadilha de feromônios para carrapatos. Feromônios são substâncias que provocam reações de atração ou estímulo, como as substâncias produzidas por vacas e bois e utilizadas pelos carrapatos para localizar os bovinos. A ideia era criar um dispositivo que contivesse esses feromônios e atraísse os carrapatos para uma armadilha letal.
“Descobrimos como atrair o carrapato, mas era preciso dar um passo a mais e saber como eliminá-lo”, afirma Túlio. Foi com essa estratégia de desenvolvimento que a Decoy passou da ideia de armadilha de feromônio para o controle biológico. A equipe investigou inimigos naturais do carrapato e descobriu um nematoide, parente das lombrigas, que funcionava muito bem, mas de difícil criação em laboratório. Na busca por outras alternativas, a empresa descobriu que fungos eram mais eficientes e mais fáceis de cultivar. Hoje, a linha de frente da Decoy é um carrapaticida biológico emulsionável que pode ser diluído em água e pulverizado sobre os animais e sobre o pasto.
A principal vantagem do produto é que não afeta a produção de leite, evitando o desperdício e trazendo renda aos produtores. “Como o carrapaticida químico deixa resíduo, os produtores precisavam esperar de três a sete dias para comercializar o leite extraído de animais que passaram pelo tratamento. Com isso, o leite retirado neste período de carência acabava no lixo. A ausência de efeitos tóxicos do Biovalente resolve este problema, ao mesmo tempo em que minimiza danos à saúde dos animais e das pessoas responsáveis pela aplicação do produto”, explica Túlio.
As parcerias com universidades, parques tecnológicos e agências de fomento à pesquisa foram essenciais para o sucesso do empreendimento. A Decoy foi uma das empresas selecionadas para a fase 1 do Programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A fase 1 do programa é destinada à análise de viabilidade técnica e científica da ideia e conta com financiamento de até duzentos mil reais.
Nas etapas seguintes, a empresa passou a contar com financiamento privado, no esquema de parcerias com produtores de leite. “Os produtores rurais nos ajudam a financiar a pesquisa. Nós doamos parte dos produtos para eles no contexto de teste e, em troca, eles nos repassam ajuda de custo para as atividades da empresa. Hoje atendemos cerca de 3 mil animais por mês com este modelo de negócios”, conta Túlio.
Outro agente de grande importância no crescimento da empresa foi o Supera, parque de inovação e tecnologia instalado na cidade de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. O Supera surgiu do convênio entre a USP, a prefeitura de Ribeirão Preto e a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo. O parque foi fundado em 2014 e é responsável por incubar empresas tecnológicas e transferir conhecimento de pesquisa para aplicação empresarial e industrial. Além dele, existem hoje outros 12 parques tecnológicos implantados no estado, além de sete iniciativas em processo de implantação. Cinco dos parques estão localizados na região de Campinas (SP).
De polo agrícola a polo tecnológico: o papel da Unicamp
Nas últimas décadas, Campinas passou por uma transformação econômica. Antes essencialmente agrícola, a economia da cidade hoje é impulsionada pela inovação. Parte dessa mudança se deve à Unicamp, fundada em 1962 com o perfil de colaboração com setores externos à universidade.
Segundo Newton Frateschi, diretor-executivo da Inova Unicamp, a política de institucionalizar a transferência de conhecimento para a sociedade foi essencial para que a Unicamp assumisse protagonismo no cenário de inovação brasileiro. “Criar uma agência de inovação foi muito importante para identificar projetos com potencial de propriedade intelectual, transformar parte do conhecimento em bens tangíveis e capacitar as pessoas para este processo”, afirma Newton.
A Inova Unicamp é responsável por estabelecer parcerias entre a universidade e o setor privado, além de estimular o surgimento de empresas de base tecnológica. O investimento no setor tem dado certo. Em 2017, a Unicamp depositou 77 patentes no Inpi, liderando o ranking de depósitos. E, em 2018, a universidade encerrou o ano com um novo recorde em propriedade intelectual: foram 71 patentes concedidas.
As empresas que recebem o suporte da Inova Unicamp fomentam o desenvolvimento local e regional. De acordo com levantamento divulgado em 2018, a Unicamp foi celeiro de 701 empresas-filhas, das quais 604 estão ativas. Juntas, elas geram uma receita de aproximadamente R$ 5 bilhões e 30 mil empregos diretos. Quase 90% desses empregos são no estado de São Paulo e 47% na cidade de Campinas, reforçando o poder atrator de desenvolvimento que a universidade possui.
Além de ser bem-sucedida na incubação de novas empresas, a Unicamp tem parcerias de sucesso envolvendo seus laboratórios de pesquisa. Um exemplo é o Centro de Química Medicinal (CQMED), que é o polo (hub) brasileiro do Structural Genomic Consortium (SGC). O SGC é uma parceria entre vários países e grandes indústrias farmacêuticas que incentiva a descoberta de novos fármacos e adota o modelo de ciência aberta, no qual os resultados das pesquisas são publicados em portais com acesso livre.
O CQMED tem parceria com as empresas farmacêuticas Aché e Eurofarma. As instituições buscam desenvolver moléculas promissoras para tratamento do câncer e de doenças infecciosas, como a leishmaniose e infecções por bactérias hospitalares. Katlin Massirer, pesquisadora do CQMED, explica que a parceria ocorre na fase de pesquisa pré-competitiva. Isso significa que a pesquisa é de descoberta ou de inovação radical e que os resultados continuarão a ser trabalhados dentro das indústrias farmacêuticas para produção futura de produtos patenteáveis. “Nós vemos isso como um compromisso social. A produção de medicamento genuinamente brasileiro, a partir da interação da universidade com empresas, é um dos maiores retornos que a universidade pode oferecer”, destaca Katlin.
Os dois projetos são cadastrados na Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), uma organização independente que recebe fundos do MCTIC, do Ministério da Saúde e do Ministério da Educação. A parceria funciona da seguinte forma: a Embrapii financia 33% do projeto e o restante é dividido entre o centro de pesquisa e as empresas. No caso da Unicamp, a universidade é responsável por 25% do investimento e as farmacêuticas por 42%.
Este sistema de financiamento flexibiliza e facilita o processo de inovação, mas ainda é inicial na maioria das universidades. Para Katlin, as perspectivas são animadoras. “As parcerias são uma forma de disponibilizar o conhecimento produzido aqui para a sociedade em geral e as unidades Embrapii têm atraído cada vez mais parcerias no país todo”, ressalta ela.
Nordeste inovador: a experiência da Paraíba
Apesar de o estado de São Paulo concentrar 71,1% do investimento em pesquisa e desenvolvimento do Brasil, a região Nordeste tem despontado como um polo de inovação nacional. Segundo o Índice Fiec de Inovação dos Estados, divulgado em 2018 pela Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Pernambuco ocupa a 8ª posição no ranking nacional de inovação, sendo o segundo estado com maior competitividade global em setores tecnológicos. A Paraíba, que ocupa a 12ª posição nacional, é o 6º em termos de propriedade intelectual da indústria. Não por acaso, entre as cinco instituições com maior número de depósito de patentes no Inpi em 2017, duas são da Paraíba: a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Segundo Cleverton Fernandes, diretor de Propriedade Intelectual da Agência UFPB de Inovação Tecnológica, o crescimento de atividades inovadoras na região está muito ligado à criação e ampliação de centros de tecnologia na última década. Foi o caso da Incubadora Tecnológica de Campina Grande, ampliada em 2007, e do Centro de Tecnologia e Inovação Telmo Araújo (CITTA), criado em 2013.
Mudanças em políticas públicas no estado também foram um fator-chave. Em 2015 foi criada a Rede de Inovação da Paraíba, com o objetivo de contribuir para o crescimento econômico e social do estado de forma sustentável. A proposta ganhou novo fôlego no ano seguinte, com a implementação do Plano de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável (Plades). O plano é um acordo envolvendo universidades, governo, núcleos produtivos locais e bancos voltados para o desenvolvimento regional, como Sudene e o Banco do Nordeste.
Para melhor atender às demandas produtivas do estado, a Inova-UFPB busca manter contato constante com as empresas, indicando pesquisadores capacitados para parcerias de pesquisa e desenvolvimento. Atualmente, as áreas que têm gerado mais produtos de propriedade intelectual na região são as máquinas e equipamentos (30,5% das patentes), alimentos e bebidas (28,5%) e saúde e cosméticos (24,5%).
Cleverton destaca que, apesar de as universidades mediarem o crescimento em atividades inovadoras, ainda há dificuldade de entendimento entre os processos das instituições públicas e as práticas das empresas privadas. Além disso, o perfil das empresas regionais, especialmente na Paraíba, acaba levando a inovações menos passíveis de proteção pelo direito de propriedade intelectual. Isso dificulta a manutenção da vantagem competitiva, pois permite que concorrentes de outras localidades repliquem os produtos. “Uma forma de proteção que está gerando maior interesse atualmente é a indicação geográfica dos produtos inovadores. Esses selos reduzem a concorrência desleal e valorizam os empreendimentos paraibanos”, ressalta Cleverton.
Investir e divulgar ainda é preciso
Os desafios regionais indicam que o Brasil ainda precisa investir muito para crescer em inovação. Atualmente, o país ocupa a 64ª posição mundial e a 6ª na América Latina, segundo o Índice Global de Inovação, publicado pela Universidade Cornell e a Organização Mundial da Propriedade Intelectual.
Para Newton, o caminho para a inovação tem três desafios principais. O primeiro é expandir a cultura da inovação nas universidades, por meio da educação em empreendedorismo. O segundo é incentivar a indústria a investir em pesquisa e desenvolvimento, tanto em suas próprias unidades quanto por meio de parcerias com instituições de pesquisa. E, por fim, estruturar melhor as redes de diálogo entre universidades, governo e setores econômicos e sociais com demandas por inovação.
Um dos caminhos para superar esses desafios passa pela divulgação das atividades inovadoras desenvolvidas no ambiente universitário. A UFPB atualmente tem um projeto de produzir pequenos vídeos didáticos sobre as soluções tecnológicas de seus grupos de pesquisa e utilizar as redes sociais e plataformas como o Youtube para disseminá-los.
“As soluções tecnológicas às vezes acabam sendo absorvidas com grande velocidade e as pessoas se esquecem de quem criou. Por exemplo, o VLibras, tradutor automático da linguagem brasileira de sinais, usado em todos os sites do governo, foi uma criação de pesquisadores da UFPB, mas pouca gente sabe”, assinala Cleverton. Por essa razão, indicar nos produtos que sua criação ou desenvolvimento foi vinculada à universidade também é uma medida de divulgação importante para fortalecer a imagem da universidade enquanto geradora de inovação e desenvolvimento social.
Luanne Caires é bióloga e mestre em ecologia pela Universidade de São Paulo (USP). Tem especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp) e integra o Programa Mídia Ciência (Fapesp).
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