ODS aplicados à avaliação educacional reacendem debate: afinal, o que é uma boa universidade?

Por Sabine Righetti

Rankings universitários avaliam e comparam universidades de um determinado país, de uma região ou do globo a partir de dados que, em geral, medem a produção científica dessas instituições, a qualidade do ensino e a relação das universidades com o setor produtivo. Recentemente, no entanto, os chamados ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), ações definidas pela ONU para erradicar a pobreza, para proteger o planeta e para promover a paz até 2030, orientaram a elaboração de uma nova classificação universitária importante que, no lugar de, por exemplo, medir quantidade de artigos científicos para definir as universidades de excelência, olhou para aspectos como o número de alunos de baixa renda e com deficiências no total de matriculados.

A nova classificação recebeu o nome de “ranking de impacto das universidades”. Foi lançada em abril de 2019 pelo THE (Times Higher Education), mesmo grupo britânico que produz um ranking tradicional de universidades desde 2004, considerado o principal da atualidade por especialistas da área e pela imprensa. Pelo entendimento do THE em seu novo ranking, as universidades de todo o mundo devem estar alinhadas com os ODS – e quanto maior o alinhamento, maior será o seu impacto.

A questão é que os resultados do ranking universitário tradicional do THE e daquele que usou indicadores a partir dos ODS para avaliar a qualidade das instituições de ensino superior foram completamente diferentes. Mais do que isso, a nova listagem do THE ajudou a levantar um debate: afinal, boas universidades são aquelas com intensa produção científica ou são instituições que contribuem para um mundo melhor?

Para se ter uma ideia, a última edição do ranking anual tradicional do THE, de 2018, é liderada por universidades de elite do Reino Unido e dos EUA. Em primeiro lugar no mundo figura a britânica Oxford – uma das universidades mais antigas que existem, criada em 1096, – seguida pela também britânica Universidade de Cambridge e pela Universidade de Stanford (dos Estados Unidos). Esse é um resultado típico de outras listagens universitárias mundiais que também consideram como principais indicadores a produção científica e seu impacto (medido pelo número de vezes que um estudo acadêmico é mencionado por estudos científicos futuros). Caso do Ranking de Shangai, uma espécie de concorrente do THE, produzido anualmente na China desde 2003, que também tem apenas universidades do Reino Unido e dos Estados Unidos entre as dez melhores do mundo – Harvard (EUA) aparece como líder mundial, seguida por Cambridge (Reino Unido) e MIT (EUA) (ver ARWU, 2018).

No novo ranking universitário do THE, que se baliza pelos ODS, quem lidera é a Universidade de Auckland (Nova Zelândia). Interessante notar que essa instituição cai para o grupo de universidades classificadas entre as posições 201 e 250 no mundo no ranking “tradicional” do THE de 2018. Entre as dez melhores universidades do mundo no ranking de impacto do THE há escolas da Nova Zelândia, Canadá, Reino Unido, Suécia, Itália e Hong Kong. Nenhuma delas é dos Estados Unidos – a primeira universidade desse país na listagem, a Universidade das Carolina do Norte em Chapel Hill, aparece em 24º lugar no ranking THE de impacto.

Há 15 universidades brasileiras classificadas no ranking de impacto do THE (de um total de 196 universidades públicas e privadas ativas no país). Dessas, três universidades federais (ABC, Ceará e Unifesp) e uma escola privada, a Uninove, estão entre as 200 melhores do mundo na nova listagem do THE. Isso significa que o resultado brasileiro quando se considera aspectos ligados aos ODS é melhor do que o desempenho do Brasil no ranking tradicional do THE, no qual o Brasil está entre as 300 melhores do mundo apenas com a USP (ver THE, 2018).

As 462 universidades de 76 países (incluindo o Brasil) são avaliadas pelo THE no novo ranking a partir de dados de pesquisa, dados institucionais e de serviços (que, no Brasil, chamamos de extensão universitária) ligados a 11 dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável definidos pela ONU. Entram na conta os objetivos listados abaixo:

ODS usados no “ranking de impacto das universidades” (THE, 2019)

Objetivo 3. Boa saúde e bem-estar
Objetivo 4. Educação de qualidade
Objetivo 5. Igualdade de gênero
Objetivo 8. Emprego e crescimento econômico
Objetivo 9. Indústria, inovação e infraestrutura
Objetivo 10. Redução das desigualdades
Objetivo 11. Cidades e comunidades sustentáveis
Objetivo 12. Consumo e produção responsáveis
Objetivo 13. Combate às alterações climáticas
Objetivo 16. Paz, justiça e instituições fortes
Objetivo 17. Parcerias em prol das metas do ODS

No ODS 3, “boa saúde e bem-estar”, por exemplo, são avaliados três aspectos que somam 100% da nota recebida pela universidade: pesquisa científica sobre saúde e bem-estar (27% da nota total), a proporção de alunos da área da saúde no total matriculado (34.6%) e as colaborações e serviços em saúde e bem-estar da universidade (38.4%). Nesse último quesito, são computados o acesso à saúde sexual e reprodutiva para estudantes, o acesso ao esporte e a serviços de saúde mental para estudantes e funcionários – assunto que tem ganhado a mídia recentemente por causa do aumento observado em todo o mundo de casos de depressão, ansiedade e outros transtornos mentais, especialmente entre alunos de pós-graduação.

Especificamente nesse indicador, a Universidade de Auckland, da Nova Zelândia, aparece novamente como líder mundial. Há duas universidades brasileiras entre as 100 melhores: a Unifesp (em 22º lugar) e a Universidade Estadual de Vila Velha (em 91º lugar). A Unifesp também se destaca em outros indicadores do ranking de impacto do THE. Caso da avaliação de aspectos voltados à igualdade de gênero (5º objetivo da lista dos 17 ODS). Aqui, são considerados, entre outros aspectos, as pesquisas acadêmicas com autoria de mulheres, a quantidade de alunas da primeira geração da família no ensino superior e o número de mulheres em cargos de liderança nas universidades. A Unifesp, cuja reitora, Soraya Smaili, é mulher (uma raridade no Brasil e fora dele) está na posição 67ª no mundo especificamente nesse indicador. Quem lidera o quesito é, novamente, uma instituição de ensino superior da Oceania, a Universidade Western de Sidney (Austrália).

Importante mencionar que a literatura acadêmica estima que existam, hoje, cerca de 20 rankings universitários mundiais como o THE e o Ranking de Shangai e 60 rankings universitários nacionais com periodicidade anual como, no Brasil, o RUF (Ranking Universitário Folha) (Santos, 2018). Nenhum deles considera aspectos como a saúde mental dos estudantes ou aspectos de gênero para avaliar a qualidade das universidades. Para se ter uma ideia, as melhores universidades do mundo no Ranking de Shangai, já mencionado, são aquelas com maior quantidade de prêmios Nobel entre seus docentes (ARWU, 2018). No Ranking de Shangai de 2018, a melhor universidade do globo é Harvard (EUA), que contabiliza em sua história 45 prêmios Nobel – o último, de química, do professor emérito da universidade Martin Karplus, foi recebido em 2013.

O novo ranking de impacto do THE tem problemas. Parte dos dados usados nos cálculos foram enviados diretamente pelas 462 universidades à organização, sem auditoria, o que pode tornar os dados pouco confiáveis. Isso porque não existem bases internacionais disponíveis com dados, por exemplo, sobre serviços disponibilizados pelas universidades para a saúde mental dos alunos. Além disso, universidades que não tenham respondido à solicitação de dados do THE ficaram de fora da listagem – caso, no Brasil, das estaduais paulistas USP, Unesp e Unicamp.

A nova listagem de impacto do THE, no entanto, apesar de suas limitações, chacoalha o debate sobre avaliação de ensino superior no mundo – especialmente no caso das classificações de universidades por meio de rankings universitários. O debate que fica: uma instituição que produz muitos e bons papers (amplamente citados por outros cientistas) são as mesmas que contribuem para um mundo melhor? Uma escola com grande quantidade de prêmios Nobel entre seus docentes oferecerá melhor ensino do que aquela que se preocupa também com a saúde mental de seus estudantes? Ainda não há respostas para essas perguntas, mas presumo que universidades de todo o mundo, motivadas pela nova listagem do THE, já começaram a olhar com mais atenção para essas questões. Isso tende a acontecer cada vez que surge um novo ranking universitário importante. Nesse caso, parece se tratar de um cenário bastante positivo.

Sabine Righetti é pesquisadora e professora doutora do Labjor-Unicamp. Trabalha, entre outros temas, com avaliação de ciência e de ensino superior. É coordenadora acadêmica do RUF – Ranking Universitário Folha. Também é editora da ComCiência. 

* O dossiê (especial) de julho-agosto da revista ComCiência terá como tema a Universidade Pública

Referências

ARWU. Academic Ranking of World Universities. Ranking de Shangai. 2018. Disponível em: http://www.shanghairanking.com/ARWU2018.html
Righetti, S. (2016). “Qual é a melhor? Origem, indicadores, limitações e impactos dos rankings universitários”. Tese de doutorado defendida na Unicamp. Campinas, SP, 2016. Disponível em:
http://repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/321911/1/Righetti_Sabine_D.pdf
Santos, S. M. dos. “Rankings internacionais de universidades: comparação e desempenho por áreas”. In: Marcovitch, J. (org.), Repensar a universidade: desempenho acadêmico e comparações internacionais. São Paulo: Com-Arte, Fapesp, 2018. p.63-92.
THE. THE University Impact Rankings 2019: methodology. Publicado em 2 de abril de 2019. Disponível em:https://www.timeshighereducation.com/world-university-rankings/methodology-impact-rankings-2019
THE. THE University Impact Rankings 2019 (lançado em 2018). Disponível em: https://www.timeshighereducation.com/world-university-rankings/2019/world-ranking#!/page/0/length/25/sort_by/rank/sort_order/asc/cols/stats