Editorial da revista britânica The Economist, publicado originalmente em 16 de fevereiro de 2019, tradução de Amin Simaika
Em vez de tirar os empregos das pessoas, as máquinas vão ajudar a cuidar delas na velhice. Pesquisa do MIT e da Universidade de Boston mostrou que, entre 1993 e 2014, os países que mais investiram em robótica foram os que estavam envelhecendo mais rápido. Automação não é a única forma de lidar com carência de habilidades – imigração e aposentadoria tardia também ajudam –, mas é uma das mais importantes.
Quando Gill Pratt sentou-se para discutir a tarefa de dirigir o Instituto de Pesquisa da Toyota, seus entrevistadores japoneses escreveram uma palavra em um pedaço de papel e lhe pediram que falasse sobre ela. A palavra era “demência”. Poderia parecer um assunto estranho para propor a uma das figuras mais respeitadas no mundo da robótica, um homem que havia entrado em uma competição para fornecer robôs semiautônomos, com inteligência artificial, para o Pentágono. Porém, o interesse da empresa pelo envelhecimento era um importante motivo para que Pratt assumisse o emprego. “A questão para todos nós é como poderemos usar a tecnologia para melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem”, diz ele.
O envelhecimento e os robôs têm relação mais próxima do que poderíamos pensar. Países jovens com muitas crianças têm menos robôs, enquanto as nações envelhecidas têm muitos deles. Os países com o maior número de robôs por trabalhador industrial incluem Coreia do Sul, Cingapura, Alemanha e Japão, que têm algumas das forças de trabalho mais idosas do mundo.
A conexão não reflete apenas o fato que países jovens tendem a ser pobres, não podendo portanto custear máquinas sofisticadas de que, de qualquer modo, não precisam. Essa conexão funciona também dentro de países ricos. Os países com relativamente poucos robôs em comparação com o tamanho de sua força de trabalho incluem a Grã-Bretanha e França, sendo que ambos (conforme os padrões de países ricos) estão envelhecendo lentamente.
Dois estudos recentes quantificam a conexão. Daron Acemoglu, professor do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e Pascual Restrepo, professor assistente da Universidade de Boston, mostram que, entre 1993 e 2014, os países que mais investiram em robótica foram os que estavam envelhecendo mais rápido. Isso foi medido como um aumento na proporção de pessoas acima da faixa etária de 56 anos em comparação com as pessoas na faixa etária de 26 a 55. Os autores postulam uma regra geral: um aumento de 10 pontos na taxa de envelhecimento está associado a 0,9 robô a mais para cada mil trabalhadores.
Um estudo na Alemanha usou medidas diferentes, mas chegou à mesma conclusão. Ana Abeliansky da Universidade de Göttingen e Klaus Prettner da Universidade de Hohenheim constataram que o crescimento no número de robôs por mil trabalhadores aumenta com o dobro da velocidade que a queda na taxa de crescimento da população (ou seja, se o crescimento populacional cair 1%, o crescimento na densidade de robôs aumenta em 2%). O crescimento populacional está relacionado à estrutura etária.
Essas descobertas não deveriam ser surpreendentes. Tipicamente os robôs substituem mão de obra. É por isso que muitas pessoas temem que os robôs acabem com os empregos. Os países com muitos trabalhadores jovens não precisam de substitutos para a mão de obra. Os salários nesses países também tendem a ser baixos, tornando a automação não lucrativa. Porém o envelhecimento cria demanda por automação de duas formas. Primeiro, para impedir uma queda na produtividade: à medida que mais pessoas se aposentam, as máquinas são necessárias para substituir os trabalhadores que deixaram a força de trabalho. Em segundo lugar, depois que as pessoas se aposentam, elas criam mercados para novos tipos de automação, incluindo robôs que ajudem com questões médicas e para cuidar de pessoas que já não conseguem se cuidar sozinhas.
Automação é destino
Como resultado, a conexão entre robôs e envelhecimento é poderosa. Daron Acemoglu acredita que o envelhecimento é a maior influência individual sobre o número de robôs que um país possui. Ele estima que o envelhecimento explique aproximadamente 40% da variação no número de robôs que os países introduzem.
A influência vai aumentar. Este ano, pela primeira vez na história humana, haverá mais pessoas acima de 65 anos do que pessoas com idade inferior a cinco anos. Até 2060, o número de americanos com idade superior a 65 anos vai dobrar para 98 milhões, enquanto no Japão, 40% da população terá 65 anos ou mais. Não haverá pessoas mais jovens o suficiente para cuidar de tantos idosos, a menos que haja robôs para ajudar (e provavelmente um influxo de migrantes será permitido também).
As forças de trabalho que estão diminuindo e envelhecendo também são importantes. A China agora é o maior fabricante de robôs, tendo produzido 137.900 robôs industriais (tipicamente, máquinas utilizadas em linhas de montagem) em 2017. Entre 2015 e 2040, segundo as Nações Unidas, a população chinesa em idade produtiva (faixa de 20 a 64 anos) cairá o espantoso número de 124 milhões, ou mais de 13%. Aplicando-se a regra geral de Daron Acemoglu a esse declínio, até o fim desse período a China precisaria instalar aproximadamente dois milhões de robôs a mais. Isso é mais do que o volume de quatro anos de todos os robôs produzidos no mundo em 2018 e seis vezes o aumento na produção mundial dos últimos nove anos.
Tais problemas surgem mesmo em países que estão envelhecendo mais devagar do que a China — como a Inglaterra. Entre 2016 e 2025, segundo a Mercer, uma empresa de consultoria com sede em Nova York, a proporção de trabalhadores britânicos com idade inferior a 30 cairá quatro pontos percentuais e a faixa acima de 50 anos aumentará 10 pontos. Isso parece controlável, mas esconde grandes oscilações regionais. Nesse período, Londres (que é relativamente jovem) verá a porção de sua mão de obra com idade inferior a 30 anos cair um quarto e a porção acima de 50 anos aumentar ainda mais.
Isso colocará uma pressão enorme em algumas indústrias. Um terço dos professores e trabalhadores de construção na Inglaterra tem mais de 50 anos de idade, assim como mais de um terço dos trabalhadores de cuidados com a saúde, fazendeiros e caminhoneiros. Eles estão se aposentando em massa. Uma enquete em 2015 descobriu que um terço dos médicos planejava se aposentar até 2020. E isso em um país cujo envelhecimento é relativamente brando. A automação não é a única forma de lidar com carência de habilidades (a imigração e aposentadoria tardia também ajudam), mas é uma das mais importantes.
Nos próximos anos, a demografia modificará os tipos de robôs de que as pessoas precisam e também aumentará o número de robôs em uso. No momento, o mercado de robótica é dominado pelas máquinas industriais, do tipo usado para montar carros ou equipamentos elétricos. As vendas de sistemas robóticos industriais estavam na casa de 48 bilhões de dólares em 2017, sete vezes mais que “robôs de serviço”, uma categoria que inclui robôs de logística para gerenciar depósitos, robôs médicos, ordenhadeiras robotizadas, exoesqueletos que ajudam as pessoas a erguerem objetos pesados e robôs domésticos que aspiram o piso.
À medida que se acelera a mudança demográfica, os robôs de serviço se tornarão mais importantes. Um dia, esperam seus fabricantes, eles permitirão que os idosos vivam sozinhos e permaneçam ativos por mais tempo. Os robôs ajudarão a aliviar a solidão e mitigarão os efeitos da demência. Eles tornarão mais fácil cuidar de pessoas em asilos e permitirão que trabalhadores mais velhos que queiram permanecer empregados mantenham-se ao nível das demandas físicas do trabalho. Esses robôs também serão fundamentalmente diferentes dos industriais, que geralmente substituem a atividade humana — instalando um para-brisa, por exemplo. Em contraste, os robôs de serviço ampliam isso. Por exemplo, se um exoesqueleto ajuda alguém a erguer algo pesado, a pessoa ainda tem que estar presente.
Podemos observar os primórdios da revolução robótica mais claramente no Japão. Aibo, um cachorrinho robótico com inteligência artificial fabricado pela Sony, e Paro, um bebê-foca peludo fabricado pelo Instituto Nacional Japonês de Ciência e Tecnologia Industrial Avançada, são robôs terapêuticos para crianças e pacientes com demência. Pepper, fabricado pela SoftBank, é um robô humanoide que pode sustentar uma conversa sobre um número limitado de tópicos, contanto que seu interlocutor humano não se distancie demais do script. MySpoon é um robô para pessoas que não conseguem se alimentar sozinhas. Hal, fabricado pela Cyberdyne e Muscle Suit, fabricado pela Innophys, são exoesqueletos, ajudando enfermeiros a erguer e carregar pacientes (Hal é uma abreviação em inglês que significa hybrid-assistive limb – membro assistido híbrido). O Resyone, da Panasonics é um leito ortopédico que se transforma em uma cadeira de rodas. E assim por diante.
A demanda por esses aparelhos está crescendo rápido, partindo de uma base baixa. A Sony declarou ter vendido 11.111 Aibos nos três meses depois que o novo modelo chegou às lojas em janeiro de 2018. O governo japonês calcula que 8% dos asilos agora têm robôs para levantar pacientes, e sua estratégia robótica nacional (todos os países deveriam ter uma) considera que quatro quintos dos idosos recebendo cuidados terão algum tipo de ajuda proporcionada por robô até 2020.
Entretanto, por enquanto a tecnologia está bem longe de ser transformadora. Segundo a Federação Internacional de Robótica, estima-se que, em 2018, tenham sido vendidos 20 mil robôs que, em termos realistas, poderiam ser descritos como úteis no envelhecimento (robôs médicos, assistência a inválidos, exoesqueletos e similares). Isso é menos que 5% dos robôs industriais.
Com certeza o número vai crescer. A questão é com que rapidez. Gill Pratt é otimista. Nos últimos cinco anos, ele argumenta, tem havido grandes avanços na inteligência artificial, permitindo que as máquinas superem os humanos em certos tipos de processamento de informação, especialmente reconhecimento de padrões que (dentro dos limites) os robôs podem realizar mais depressa e de forma mais confiável que os humanos. Muitas novas firmas estão entrando no negócio. Um terço das empresas de robôs tem menos de seis anos e fabricam robôs de serviço. O custo de pesquisa e desenvolvimento está diminuindo e o investimento está aumentando. Dentro de uma década, calcula Gill Pratt, os robôs domésticos ajudarão as pessoas a cozinhar em casa e sistemas de direção de carros manterão sua mobilidade mais tempo.
Aprendizado de máquina
Porém, para que isso aconteça, os robôs terão que desempenhar uma lista assustadoramente longa de coisas que ainda não conseguem fazer. Eles não conseguem navegar de forma confiável em uma casa comum, nem movimentar as mãos com a destreza humana, nem entabular conversas sobre assuntos em aberto. Embora os robôs possam oferecer alguma assistência física aos idosos, um robô só consegue fazer uma única coisa. Assim, tarefas múltiplas exigiriam que a casa ficasse lotada de máquinas.
O reconhecimento de padrões dos robôs não é 100% confiável. Um classificador de imagens não conseguiu distinguir a diferença entre um trator limpa-neve e um ônibus escolar capotado. Os robôs lutam para operar com base em informações incompletas ou para se adaptarem a novidades com a mesma rapidez dos humanos. Os carros sem motorista estão se mostrando mais difíceis de desenvolver do que a maioria das pessoas esperava. Rodney Brooks, um professor do MIT, calcula que os serviços sem motorista comparáveis aos oferecidos por táxis convencionais só serão prováveis em 2032. O Duplex do Google, um assistente pessoal habilitado por inteligência artificial lançado em 2018, por enquanto só serve para marcar hora em salões de beleza e restaurantes. Tudo isso sugere que, assim como as soluções dos problemas com o envelhecimento, os robôs ainda têm muito que progredir.
As limitações dos robôs têm implicações significativas. Os robôs que tornam o fim da vida mais suportável provavelmente permanecerão caros por muitos anos; assim, só os ricos vão comprá-los, o que pode limitar sua aceitação social mais ampla. As empresas talvez não consigam solucionar com automação os problemas da falta de pessoal habilitado. Outras respostas, como aumentar salários, atrair mais mulheres para o trabalho pago e permitir mais migração, serão igualmente importantes. Por último, pode haver espaço para expansão de cadeias de suprimento globais à medida que a mão de obra passar da China e de outros países de renda média que estão envelhecendo para a África e lugares mais pobres com mais mão de obra. O envelhecimento exige uma revolução robótica, mas ela pode demorar a chegar.