Encomenda pelos ares, como os drones prometem revolucionar a distribuição

Por Allison Almeida e Priscila Cristina Ferreira

 

O que Google, Amazon e Uber têm em comum? Além de começarem como pequenas startups, as três gigantes do Vale do Silício estão de olho num mercado que não está diretamente ligado às atividades principais que desenvolvem: investem pesado em soluções para entregas, logística e circulação de produtos.

Segundo projeções da Organização das Nações Unidas, a população deve ultrapassar nove bilhões em 2030. Entre os vários problemas do constante crescimento demográfico, os meios de locomoção não devem ser ignorados. A qualidade das vias terrestres é um outro problema, sobretudo em lugares isolados ou em regiões mais pobres. Também se destaca a questão da poluição, pois num cenário de crescimento demográfico, a tendência é o aumento do consumo de combustíveis fósseis.

A tecnologia propõe que a robótica amenize a situação pelo desenvolvimento de drones, veículos aéreos não tripulados, para entregas. Google, Amazon, Uber e outras empresas projetam maneiras de como explorar os ares de maneira segura e economicamente viável, para otimizar o tempo e diminuir custos.

Os aparelhos, que parecem pequenos helicópteros ou brinquedos de aeromodelismo, são famosos pela versatilidade, atuando desde a construção civil, agricultura, extração de petróleo e gás natural, até em sistemas de monitoramento e segurança. A indústria dos drones cresceu 50% em 2018 no Brasil, movimentando R$ 300 milhões. A tendência é um mercado em expansão, pois os novos veículos devem ser incorporados a novos serviços, como o de logística e distribuição.

Segundo um estudo da Goldman Sachs, a indústria dos drones deverá movimentar U$ 100 bilhões já em 2020 no mundo. Quando se fala em entrega, um estudo realizado pela consultoria Ark Investing Group indicou que a adesão de drones pode deixar os custos até quatro vezes mais baratos para grandes empresas como a Amazon.

Guilherme Pereira, doutor em ciência da computação pela UFMG e um dos principais estudiosos da tecnologia drone, acredita que os Estados Unidos devem sair na frente na regulamentação dos serviços de entrega, priorizando um padrão em que segurança seja a palavra-chave. “Nos EUA, o transporte de encomendas em larga escala está muito perto de acontecer em alguns estados. Deve ser uma realidade em, no máximo, 5 anos. Os drones deverão seguir rotas pré-selecionadas, onde não haverá veículos tripulados, como aviões ou helicópteros. Ou seja, não se misturarão ao tráfego aéreo convencional, e terão formas próprias de comunicação entre si, para coordenarem seus caminhos”, explica.

A tecnologia de drones projetados para entrega já é uma realidade. A perspectiva é que os veículos atuem de forma a complementar a malha viária. “Hoje o drone se apresenta como um novo modal de transporte, que complementa modais existentes. O uso desses veículos aéreos em conjunto com carros, motos e bicicletas, faz com que o processo logístico de entrega seja mais rápido, barato e eficiente”, aponta Samuel Salomão, da SMX Systems, startup brasileira que desenvolve tecnologia em drones.

Este ano, 2019, marca o ano da primeira entrega comercial utilizando drones nos Estados Unidos. A empresa de logística UPS recebeu autorização para transportar remédios e outros produtos entre hospitais e centros médicos. A primeira entrega foi realizada dia 26 de março, no estado da Carolina do Norte, entre dois hospitais privados. Não é por acaso o interesse da indústria médica nos serviços de drone para entregas, Em algumas situações, o tempo é essencial para salvar vidas. Objetos voadores não tripulados podem levar suprimentos de primeiros socorros, medicamentos, sangue e equipamentos em tempos menores que uma ambulância ou uma moto. Uma pessoa que sofreu um mal súbito pode obter ajuda de um drone projetado para resgate. Através de uma câmera, o aparelho poderá exibir imagens para profissionais de saúde, além de enviar algum aparelho para socorro, como um desfibrilador. Um médico poderá observar e instruir as pessoas que ajudam a vítima.

Experiências brasileiras

Apesar de a primeira entrega comercial utilizando drones ter sido recente nos Estados Unidos, a experiência de utilizar esses veículos para a distribuição de remédios não é novidade. Em 2016, o governo da Ruanda, no centro do continente africano, usou drones para a distribuição de remédios e ajuda humanitária em locais de difícil acesso. No Brasil, a startup SMX System realizou testes bem-sucedidos com este tipo de serviço em Rifaina, cidade a 500 quilômetros de São Paulo. “Realizamos a primeira entrega por drone em agosto de 2018 e, quatro meses depois, entregamos medicamentos em João Pessoa, na Paraíba. Várias empresas de diversos setores, principalmente na área da saúde, gostariam de já utilizar drones nos seus processos de logística”, afirma Samuel Salomão.

Além da experiência da SMX Systems, há outras iniciativas no país. Em ação publicitária, a empresa de delivery Ifood chamou a atenção, em março, pela entrega de alimentos para músicos que estavam num trio elétrico no carnaval paulistano. Em 2014, a rede de padarias Pão to Go testou maneiras de entregar pães utilizando drones em São Carlos, interior de São Paulo. A empresa obteve êxito, mas como ainda não existe regulamentação do serviço, desistiu da ação.

O desafio da regulamentação

A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) disponibilizou, em 2017, um regulamento complementar às normas estabelecidas por duas instituições: A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea). Em seu regulamento, a Anac diferencia a tecnologia de duas formas: aeromodelos e aeronave remotamente pilotada (RPA). A primeira é definida com objetivos recreativos e a segunda com qualquer intuito que difere, por exemplo, corporativo, pesquisa e comercial.

Hoje, são necessários, para operar os drones no Brasil cadastro, idade mínima, licença, habilitação e certificado médico. Além disso, há algumas proibições, por exemplo, a utilização totalmente autônoma desses veículos. Para Guilherme Pereira, esse é um exemplo de como algumas normas dificultam a entrega feita por drones atualmente. “É necessário um piloto para cada drone em todas as operações. Supondo uma grande rede de entregas, isso tornaria o custo muito alto”.

A Anac reconhece que o regulamento está em constante análise e que há uma abertura para modificações em casos específicos. Desde que, principalmente, a segurança das pessoas seja levada em conta. “Em relação ao que compete à Anac, a agência está acompanhando o desenvolvimento do setor. Além disso, os interessados que pretendem fazer operações que não estejam cobertas pela legislação vigente têm abertura para apresentar à agência projetos que viabilizem essas operações de forma segura, principalmente em relação a terceiros. Essa previsão é abarcada pelo regulamento vigente tendo em vista que ele é de caráter especial e está em constante desenvolvimento”.

Outra proibição presente na regulamentação é que, por segurança, os drones não podem ficar a menos de trinta metros de terceiros. Essa recomendação limita algumas entregas, e abre discussão sobre alternativas. Guilherme Pereira concorda que é imprescindível assegurar a integridade das pessoas e sugere algumas possibilidades. “Poderiam haver locais especiais de pouso, longe de pessoas, em algumas regiões da cidade. As pessoas iriam a essas regiões para coletar suas compras. Os drones, que nesse caso poderiam ser autônomos, chegariam a essas regiões passando por corredores aéreos previamente combinados e autorizados pela Anac e Decea, onde existiria pouco ou nenhum risco para a população”. Apesar de ainda não ser a entrega em domicílio, o consumidor poderia já iniciar suas compras e receber as entregas com segurança.

Salomão crê que transporte via drones é muito seguro, desde que os aparelhos sejam certificados, os protocolos de segurança sejam seguidos e a manutenção esteja em dia. “Somente em 2018, 366 motoboys perderam a vida na cidade de São Paulo. Praticamente um óbito por dia de jovens de 20 a 30 anos. No mundo todo, milhares de entregas por drone já foram realizadas e não há notícia de morte por queda de drone. Com aeronaves certificadas, uso de paraquedas, e planejamento de rotas fixas de voo, a chance de acidentes no ar e no solo são mínimas”, opina.

Allison Almeida é graduado em jornalismo, pós-graduado em gestão e produção em jornalismo (Puccamp) e em jornalismo científico (Labjor). Atualmente cursa o mestrado em divulgação científica e cultural (Labjor).

Priscila Cristina Ferreira é graduada em jornalismo (UFOP) e cursa o mestrado em divulgação científica e cultural (Labjor).