Por Luanne Caires
Monitoramento de animais por câmeras e microfones, além de dirigíveis que sobrevoam partes inacessíveis da mata facilitam o trabalho de pesquisadores em ambientes como a Amazônia
Imagine demarcar uma área no meio da floresta amazônica, transportando equipamentos por quilômetros de mata fechada e rios largos, ou monitorar o comportamento de um animal que se desloca por grandes distâncias em meio à vegetação densa. É uma tarefa no mínimo desafiadora, mas que muitas vezes pode se tornar perigosa e até mesmo impossível em algumas regiões.
A tecnologia, especialmente a robótica, tem sido uma aliada importante para tornar o processo mais fácil. Lugares onde os pesquisadores não conseguem chegar por dificuldades logísticas são monitorados por robôs, drones e dirigíveis, que coletam dados e os enviam aos centros de pesquisa. “A robótica se propõe a auxiliar o ser humano em tarefas que sejam inacessíveis, perigosas, muito repetitivas ou uma combinação dessas características. Certamente muitas tarefas assim vêm à mente quando se pensa em uma floresta. É lá que queremos colocar nossos robôs”, afirma o professor José Reginaldo Hughes Carvalho, do Instituto de Computação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
A copa das árvores não é o limite
Carvalho faz parte do grupo responsável pelo projeto Droni (dirigível robótico de concepção inovadora). O projeto é uma parceria do Centro de Tecnologia da Informação (CTI) Renato Archer com a Unicamp, a UFAM, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), o Instituto Superior Técnico (IST) de Lisboa e a empresa em soluções tecnológicas Omega Aerosystems.
A ideia do projeto Droni é desenvolver um veículo não tripulado que sobrevoe a copa das árvores monitorando o ambiente a baixas altitudes sem causar grandes perturbações. O dirigível pode coletar dados de composição do ar acima da vegetação, uma região de grande interesse científico, mas com fortes limitações de acessibilidade. Atualmente uma das estratégias para o estudo das condições climáticas e atmosféricas sobre a floresta é o uso de torres, como a Torre Alta da Amazônia (ATTO, na sigla em inglês). A torre tem 325 metros e cerca de 1500 degraus e capta dados de concentração de dióxido de carbono (CO2), fluxos de ozônio e aerossóis e balanço de radiação.
O veículo desenvolvido pelo Droni também pode ser usado no rastreamento de animais com coleiras de rádio, captando o sinal emitido pela coleira e enviando a localização para o grupo. Além de agilizar a obtenção de dados, a ferramenta reduz riscos. “Imagine que você está rastreando uma onça e, quando a encontra, percebe que ela está bem acima de você, a uns 10 metros de altura, te observando no mínimo durante os 30 minutos em que você estava ali procurando o sinal de rádio. Esta história foi real e, felizmente, o animal não tinha visto a equipe como uma ameaça”, relata Carvalho.
O dirigível desenvolvido pelo projeto mede cerca de 11 metros de comprimento e 2,5 metros de diâmetro. Equipado com baterias recarregáveis de polímeros de lítio, o veículo tem autonomia de voo de uma hora, e surpreendeu em seu voo inaugural pela grande capacidade de manobra. A equipe agora trabalha para reduzir o peso, que é de aproximadamente 38 quilos, sem contar o peso do gás hélio que sustenta o dirigível e os 6 quilos de capacidade de carga. Para Carvalho, as perspectivas são promissoras. “Já temos diversas ideias de como fazer isso. Estou animado pois, se com o veículo pesado ele apresentou um comportamento muito ágil, imagino o que poderemos fazer com ele no peso adequado”, diz.
Além dos dirigíveis, outros veículos aéreos não tripulados (VANTs) são muito úteis no monitoramento florestal. É o caso dos drones, que podem penetrar em camadas mais baixas da floresta devido ao menor tamanho. No entanto, os drones têm menor autonomia de voo e menor estabilidade, além de menor capacidade de carga que os dirigíveis. “Com o aparecimento de novos materiais, fontes de energia e métodos de produção, como manufatura aditiva ou impressão 3D, há uma grande capacidade de melhorar as plataformas em termos de design e autonomia, reduzindo os custos de produção e utilização”, explica Alexandra Moutinho, professora no Instituto Superior Técnico de Lisboa (Portugal) e uma das colaboradoras do Droni.
Robôs que escalam árvores
Outro desafio do monitoramento florestal é coletar dados em diferentes camadas da vegetação, com árvores que podem chegar a mais de 60 metros na Amazônia. Ao passar um período de sua carreira em Manaus, o pesquisador Reinaldo de Bernardi conheceu o Bosque da Ciência, uma das unidades do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Lá, teve contato com as linhas de pesquisa do instituto e as dificuldades dos pesquisadores na coleta de dados em campo. Apaixonado por robótica, Bernardi decidiu desenvolver, no doutorado, uma ferramenta que tornasse esse trabalho mais fácil. O trabalho foi realizado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), sob orientação do professor José Jaime da Cruz e coorientação do professor Arturo Forner-Cordeiro.
Bernardi estudou animais que tivessem a capacidade de escalar árvores, como répteis e insetos. O primeiro modelo escolhido foi o camaleão, que inspirou um robô com quatro pernas e também o formato das garras. O protótipo foi batizado de Kamanbaré (“camaleão”, em tupi-guarani), mas não era eficiente. “Partindo do modelo inicial, seis versões foram estudadas considerando diferentes materiais, custos e níveis de complexidade de fabricação. A sexta versão já possuía uma configuração mecânica com um número de pernas reduzido”, explica Bernardi.
No fim, a solução veio das lagartas mede-palmos. A nona e última versão do robô é feita de alumínio e plástico e recebeu o nome KA’Iyxo, que designa essa lagarta em tupi-guarani. Sua principal funcionalidade é uma plataforma com equipamentos que coletam dados de temperatura, umidade, pressão atmosférica e radiação fotossinteticamente ativa. O robô pode permanecer nas árvores por vários dias transmitindo dados para um computador ou drone e a área monitorada pode ser ampliada com o uso de várias unidades simultaneamente.
Para Bernardi e Jaime, as várias versões mostram o quanto o processo de produção na robótica é complexo. “Muitas vezes quando vemos um robô, não temos ideia da complexidade embutida na solução. Um dos aprendizados durante a pesquisa foi o levantamento das variáveis e suas correlações”, afirmam.
Microfones e câmeras voltados para a biodiversidade
A UFAM participa do desenvolvimento de um sistema de sensores de imagem e som para identificação automática de espécies para a população em geral. O projeto Providence, coordenado pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, é baseado em sensores equipados com câmeras e microfones que funcionam à base de energia solar. Eles estão nas reservas de desenvolvimento sustentável de Mamirauá e Amanã.
As informações serão enviadas via antenas instaladas em pontos altos da floresta para uma central de dados acessível pela internet. A identificação das espécies fica a cargo de um sistema de inteligência artificial treinado para reconhecer padrões visuais e acústicos de animais típicos da Amazônia.
O sistema, que faz parte do projeto Providence, passou pela fase de validação do protótipo e agora encontra-se na fase de captação de recursos. A ideia inicial da equipe é produzir 100 unidades e distribuir em uma área de floresta alagada. Se tudo sair como esperado, o sistema passa para a etapa de produção em massa. O projeto é uma colaboração científica internacional entre Brasil, Espanha e Austrália.
Um longo caminho
Embora os avanços na área de robótica aplicada ao monitoramento ambiental sejam expressivos, ainda há muitos desafios. O primeiro é a falta de infraestrutura de telecomunicações, como as antenas de rádio e internet. “A infraestrutura de telecomunicações é inexistente, não apenas nas florestas, mas mesmo em algumas áreas agrícolas. Acreditamos que nessa fase de utilização tecnológica, os robôs poderiam se comportar como data loggers ou mesmo como transmissores de dados em uma rede local”, comenta Bernardi.
Outro desafio é a própria locomoção no meio da floresta. Apesar de robôs e veículos representarem um potencial de deslocamento vertical e horizontal no ambiente, ainda é preciso levá-los até lá e nada substitui a flexibilidade e capacidade de manobras do ser humano. Neste aspecto, a robótica colaborativa pode ser fundamental para integrar diferentes robôs e sensores e diminuir a necessidade de deslocamento físico. “Só para dar um exemplo, nosso plano é fazer com que o Droni possa dar informações do alto a um conjunto de barcos e outros drones ao mesmo tempo. Com isso aumentamos a eficiência do monitoramento a uma escala proporcional à quantidade de veículos disponíveis. Estamos muito animados com esta possibilidade, mas certamente ela não é para já”, explica Carvalho.
Avançar nesses aspectos requer investimento e planejamento estratégico na área de meio ambiente. Enquanto a robótica cresce rapidamente na área agrícola, a aplicação da tecnologia para a conservação ambiental avança mais devagar. Para isso contribui o papel central do agronegócio na economia brasileira e a maior simplicidade de áreas agrícolas em comparação com florestas, o que aumenta a demanda por tecnologia e a rapidez com que ela é desenvolvida no campo.
Um passo importante para a aplicação ambiental pode ser a criação do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT – InSAC), que tem como objetivo aplicar sistemas autônomos cooperativos nas áreas de segurança e meio ambiente. O InSAC já está em operação como uma rede de grupos independentes e a proposta é aumentar a transferência de conhecimento entre os grupos de pesquisa. Com isso, inovações produzidas por um grupo serão compartilhadas com os demais, fomentando a discussão de suas aplicações. As discussões também são ampliadas com parcerias internacionais, como é o caso do DRONI e do Providence. Para Alexandra, parcerias são chave para o avanço de qualquer tecnologia, já que permitem a partilha de diferentes formações, experiências e meios e fazem com que resultados sejam alcançados de forma mais rápida.
Luanne Caires é bióloga e mestre em ecologia pela Universidade de São Paulo (USP). Tem especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp) e integra o Programa Mídia Ciência (Fapesp).