Por Camila P. Cunha
Dean Buonomano, biólogo formado pela Unicamp e hoje professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles, estuda o cérebro como órgão temporal, que conta o tempo, antecipa o futuro e gera padrões que nos projetam mentalmente em diferentes pontos do espaço-tempo. Autor do best-seller Your brain is a time machine: the neuroscience and physics of time (editora Norton, 2018), ele propõe uma viagem multidisciplinar no tempo para revelar o universo em nós.
O livro Your brain is a time machine, de Dean Buonomano, é um caleidoscópio, em que fragmentos de filosofia, física, biologia e psicologia formam diferentes perspectivas sobre o tempo. O que é o tempo? É a pergunta que norteia os dozes capítulos – representados pelas doze horas do relógio: da 1h às 6h o foco é o cérebro e sua habilidade de contar o tempo e nos projetar no passado e no futuro; das 7h às 12h, física e neurociência trazem proposições sobre a natureza do tempo.
O autor mostra que a compreensão da mente humana é impossível sem antes determinar como o cérebro conta, percebe e representa o tempo. Segundo Buonomano “o tempo é para o relógio como a mente é para o cérebro”.
Na história da humanidade, a contagem do tempo se tornou uma obsessão irresistível para sincronizar as tarefas diárias e impulsionar as revoluções tecnológicas. A partir da astronomia e das grandes navegações, tornamos a contagem do tempo algo objetivo e tangível através dos relógios, dos mecânicos do século XIII ao atômico de 1949. A precisão da máquina hoje é tamanha que erros de um segundo na contagem do tempo em um dado local precisam de um milhão de anos para ocorrer. Mesmo assim, ferramentas de autocorreção tornam erros improváveis, se não impossíveis.
Com a facilidade e a precisão para quantificar o tempo, passamos a definir também o espaço em função dessa variável. O sistema internacional de unidades (SI) define o metro como a distância percorrida pela luz no vácuo em 1/299792458 de segundo. O GPS (sistema de posicionamento global) do celular calcula a posição através do tempo que um sinal viaja entre o aparelho e um satélite. Apesar da aplicação prática, o tempo é entidade misteriosa. Mesmo emprestando a sabedoria de cientistas, como a teoria da relatividade do físico Albert Einstein, a evolução das espécies do biólogo Charles Darwin, ou a compreensão da mente humana dos psicólogos William James e Jean Piaget, ainda somos incapazes de definir a natureza do tempo. O termo é impalpável para a mente humana, moldada para compreender um espaço tridimensional.
O cérebro foi desenhado para entender bem a natureza do espaço, não do tempo. Acabamos fazendo confusão, como: “a chuva chegou”, “a tarde passou lentamente”, “o dia está cheio”, “o tempo voa”. Falar do tempo só é possível através de advérbios de lugar e de verbos que o retratam como um objeto em movimento. Os sentidos – visão, tato, audição – ajudam a entender o lugar onde estamos, mas dão poucas pistas sobre o tempo, percebido de forma subliminar na mudança de estado das coisas, como as ondas produzidas pela queda de uma pedra na superfície de um lago. Nesse vácuo, o filósofo grego Parmenides é quem tem razão: a percepção do tempo é apenas uma ilusão. Ou, como propõe Ernst Mach, físico precursor das teorias de Einstein, uma abstração.
Apesar de reger o compasso da vida, do nascimento à morte, nada sabemos sobre as propriedades do tempo. Do que é feito? Na experiência humana, o tempo é um rio que flui em uma direção; como notou Heráclito, “ninguém entra em um mesmo rio duas vezes”. Será?! A teoria da relatividade de Einstein propõe uma nova configuração do universo, onde o tempo é a quarta dimensão. No novo cenário, a hipótese mais plausível é que passado e futuro são tão reais quanto o presente, e coexistem no espaço. Viajar no tempo passa a ser teoricamente possível.
A possibilidade da criação de uma máquina do tempo incita a criatividade humana. A trilogia De volta para o futuro (1985) é emblemática ao retratar não só a construção de uma máquina do tempo pelo excêntrico Dr. Emmett Brown, mas também o medo do desconhecido. “Não! Marty! Nós já concordamos que ter informações sobre o futuro pode ser extremamente perigoso. Mesmo que as suas intenções sejam boas, o tiro pode sair pela culatra!”, diz Dr. Brown ao se despedir de seu assistente Marty McFly, e acrescenta: “O que você tem a me dizer, eu vou descobrir através do curso natural do tempo”.
A verdade é que o ser humano já possui uma máquina do tempo poderosa: o cérebro. Os cem bilhões de neurônios e as centenas de trilhões de sinapses são as engrenagens que permitem (i) relembrar o passado e prever o futuro; (ii) contar a passagem do tempo, conscientemente, para determinar o ritmo de uma música, jogar bola, entender uma piada ou determinar o estado de humor do chefe; ou inconscientemente, na respiração, no batimento cardíaco, no sono ou em um simples piscar de olhos; (iii) perceber, de forma subjetiva, a passagem do tempo, como vemos as cores de um quadro ou sentimos os aromas em uma taça de vinho; e (iv) criar simulações do futuro a partir de experiência passadas.
O cérebro é feito de vários relógios e todas as suas regiões são capazes de contar o tempo de uma ou outra forma. Como um “tambor de todos os ritmos” – metáfora tirada da letra da música “Orações ao tempo”, de Caetano Veloso, – o cérebro consegue contar o tempo em diferentes escalas, dos milissegundos das ondas sonoras aos anos que seguimos envelhecendo. Circuitos neurais ativados em cadência geram padrões passíveis de nos informar o que acontece no ambiente interno ou externo ao nosso corpo. De posse dessas informações, a mente elabora uma teoria que racionaliza a nossa existência e permite a nossa permanência no planeta.
Na cabeça, temos um universo como descrito nas equações de Einstein, onde passado, presente e futuro são destinos válidos. Buonomano coloca essa habilidade como benção e maldição. De um lado, nos confere uma vantagem evolutiva única entre os seres vivos, permitindo a sobrevivência e a perpetuação da espécie através da criação de uma memória intergeracional que fomenta o desenvolvimento da ciência, arte e tecnologia. De outro lado, ainda somos rudimentares para reconhecer e endereçar gratificações de longo prazo (econômicas e ambientais, por exemplo) e sucumbimos às tentações imediatas. Buonomano enfatiza que o presente é nossa fonte primária de felicidade e onde podemos encontrar a solução e a causa dos nossos maiores problemas.
Crédito imagem de capa: Pixabay
Camila P. Cunha é engenheira agrônoma (Esalq/USP), jornalista científica (Labjor/Unicamp) e doutora em genética e biologia molecular (Unicamp). Atualmente é bolsista Mídia Ciência pela Fapesp (processo 2018/17906-6).