Por Maria Letícia Bonatelli
A velocidade mudou nossa relação com o guarda-roupa e também provocou drásticas alterações na indústria têxtil.
O filme The true cost do diretor Andrew Morgan é uma história sobre as nossas roupas. Sobre quem produz essas roupas. Sobre os impactos ambientais gerados por elas. Nessa jornada, o expectador acompanha a cadeia de produção da chamada fast fashion, que mudou completamente a relação que temos com o vestuário e o seu modo de produção.
O conceito de fast fashion, traduzido como moda rápida, foi criado por grandes varejistas europeias na década de 1990. Nele, produção, consumo e descarte dos produtos ocorrem em ritmo acelerado. Na prática, isso significa uma diversidade muito maior de peças de roupas nas lojas, onde as comuns modas de “outono-inverno” e “primavera-verão” dividem espaço com minicoleções, além da significante diminuição nos preços.
Se, por um lado, esse cenário parece ser muito atrativo para o consumidor, por outro as vias utilizadas pelas grandes varejistas ao realizar uma produção tão grande e a tão baixo custo, mostram as suas caras logo no início do filme. Em 2013, o desabamento do prédio Rana Plaza, em Bangladesh, escancarou ao mundo a realidade dos trabalhos que tornam possível a fast fashion. O prédio de oito andares colapsou por falta de manutenção, matando mais de 1.100 pessoas.
O assunto ganhou a mídia na época, mas refletia apenas uma parte muito pequena do problema. Uma das formas de garantir roupas com preços tão baixos, o filme esclarece, é através do baixíssimo custo da mão de obra. E, sem dúvidas, esse é um dos assuntos mais emocionantes retratados em The true cost. Em realidade, a narrativa não é focada apenas na história de uma ou outra pessoa ou uma “fábrica de suor” (sweatshops), específica. Durante toda a narrativa, vários personagens aparecem revelando as diversas facetas que compõe esse tipo de trabalho.
Shima Akhter é uma mulher de 23, mãe, solteira, e que trabalha na indústria têxtil em Daca, Bangladesh. Seu salário, no início, era de apenas 10 dólares por mês. Ela precisa, muitas vezes, levar sua filha Nádia para o trabalho, mas relata que lá é um ambiente quente, com muitos produtos químicos. Akhter iniciou um sindicado dentro da fábrica. Reuniu as demandas e entregou para os gerentes. Como resultado, ela e outras pessoas foram brutalmente espancadas.
No Camboja, trabalhadores da indústria têxtil foram às ruas pedir aumento do salário mínimo. Os manifestantes, que pareciam animados durante o início do protesto, mudaram completamente quando sofreram duras repressões por parte da polícia, que utilizou armas de fogo para contê-los. Pessoas ensanguentadas, implorando em frente a policiais, o cenário que se vê nesse momento é de um campo de guerra. Tudo para que o salário mínimo fosse de apenas 160 dólares.
Mas garantir os baixos preços nas lojas não depende apenas da mão de obra escrava. Toda a cadeia de produção é afetada. Produtores de algodão precisaram aumentar a produtividade para acompanhar o crescimento da indústria têxtil e esse foi o início do monopólio das sementes pelas grandes corporações, além do uso abusivo de agrotóxicos e fertilizantes nas fazendas. Tais químicos provocaram severas consequência aos donos e funcionários das plantações, além das populações que vivem nas proximidades.
E o meio ambiente não é só esquecido no caso das plantações de algodão. Todo o processo têxtil também pode ser poluente. Seus efluentes devem ser tratados de forma adequada visando à não contaminação do solo, água e plantações ao redor das indústrias. Mas não é isso o que acontece nos países pobres, como a região de Kanpur na Índia, famosa pela produção de couro. Com imagens de rios extremamente poluídos, efluentes sendo descartados sem tratamento (mais de 50 milhões de litros por dia), ficam claras as angustiantes consequências para o meio ambiente e para as pessoas dessa região.
O filme mostra também pessoas e iniciativas que tentam ir contra as indústrias que ficam cada dia mais ricas com o modelo fast fashion de produzir moda. Um dessas iniciativas notáveis, a People tree, é uma companhia que promove os direitos humanos e inova nas questões ambientes durante a produção. Além disso, no site do filme, é possível encontrar dicas e uma lista de empresas que possibilitam uma compra mais consciente.
Mas, encadeado nesse tripé: mão de obra, produção de matéria-prima e poluição, o cenário que se desenrola ao longo do filme é devastador. Logo no começo, o narrador avisa “Eu entrei nessa história sem nenhum conhecimento de moda, começando com nada além de algumas simples questões. O que eu descobri mudou para sempre a forma como eu penso sobre o que eu visto, e a minha esperança é que faça o mesmo para você”. Provavelmente fará.
The true cost
Diretor e roteirista: Andrew Morgan
2015
Maria Letícia Bonatelli é formada em ciências biológicas (Unicamp), com mestrado e doutorado em ciências (USP). É aluna do curso de jornalismo científico do Labjor e bolsista Mídia Ciência (Fapesp).