Diagnóstico precoce e modelos variados de intervenção ajudam crianças com transtornos como a dislexia
Sophia La Banca de Oliveira
No decorrer da infância todo o corpo se desenvolve, inclusive o cérebro. Mas algumas condições clínicas podem alterar o amadurecimento do órgão, com implicações nos modos de aprendizado. São os transtornos do neurodesenvolvimento. Entre eles, estão os transtornos de aprendizagem – como a dislexia e a discalculia – em que a criança apresenta dificuldade muito grande em determinadas habilidades.
Para professores e pais pode ser difícil diferenciar um transtorno de aprendizagem de uma dificuldade gerada por outras causas. Isso porque, enquanto muitas crianças apresentam dificuldades em certas matérias, os transtornos são mais raros, afetando aproximadamente 7,6% delas. Para a professora Claudia Berlim de Mello, do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo, o diagnóstico adequado por um profissional é essencial. “Especialmente na diferenciação do que é uma dificuldade, ou seja, explicada por questões ambientais, sejam familiares, pedagógicas e emocionais, do que seria um transtorno, que tem uma base neurobiológica bem específica”.
As crianças com esses transtornos podem precisar de adequações para se desenvolver, tanto no ambiente escolar quanto familiar. Por isso, não apenas é importante o diagnóstico correto, como também mapear todas as estratégias necessárias para auxílio.
O diagnóstico também ajuda a lidar com os estigmas. “Muitas vezes as crianças já vêm com rótulos. O rótulo do preguiçoso, do incapaz. Eventualmente, elas mesmas começam a se dar rótulos, tipo: ‘eu sou burro’, ‘eu não consigo’, ‘eu não sei’”, diz Mello. Quando a doença é identificada, torna-se mais fácil para tanto para as crianças quanto para os adultos responsáveis entenderem que não se trata de falta de esforço.
Os testes utilizados para o diagnóstico dos transtornos também possuem outra utilidade: revelar as bases neurológicas envolvidas. Os transtornos de aprendizado têm padrão bem característico de alterações, que se mantém ao longo do tempo. Isso acontece porque eles estão relacionados a alterações no funcionamento de regiões específicas do cérebro. “Conforme o tipo de impacto e de transtorno, há um padrão de desorganização cerebral mais amplo, que abrange múltiplas regiões, como no autismo ou no transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), ou um padrão mais localizado, como na dislexia”, explica Mello.
Uma das abordagens usadas para identificação de transtornos de aprendizagem é o chamado modelo de resposta à intervenção, ou RTI na da sigla em inglês (response to intervention), que pode ser adotado já na pré-escola. Neste modelo, ao observar uma criança com dificuldades, destoando dos colegas de classe, a professora realiza uma primeira intervenção, com atividades de estimulação para toda a turma. Se a criança não evoluir, uma intervenção específica com ela é realizada. Apenas se essa segunda intervenção também falhar busca-se uma avaliação mais especializada. Alguns pesquisadores, porém, acreditam que a eficácia do modelo RTI precisa ser melhor pesquisada.
Procedimentos usados em pesquisas envolvendo avaliação neuropsicológica podem também ser levados para o consultório, como os associados à reabilitação baseada em evidências. Essa abordagem se apoia em medidas estatísticas para fazer uma análise quantitativa do desempenho do paciente ao executar tarefas e guiar o processo de reabilitação. Uma abordagem baseada em evidências traz várias vantagens, como facilitar a aplicação do conhecimento científico na realidade clínica, obter maior garantia quanto à eficácia das intervenções e até mesmo otimizar os investimentos financeiros e de tempo das famílias.